A estreita relação entre ansiedade e o desempenho profissional
Infelizmente tenho uma notícia não muito boa para te dar: você provavelmente subestima o quanto a sofre de ansiedade e stress. E para piorar, subestima ainda mais o quanto isso afeta o seu desempenho profissional e as suas relações sociais.
Isso acontece e é muito comum por dois motivos:
- As pessoas em geral tem um conceito errado de “ansiedade” e acreditam que é apenas algo muito extremo, e não um estado emocional com “diversas intensidades”.
- A sociedade de um modo geral (incluindo você também) não trata a saúde mental com a mesma importância que a saúde física. E como consequência, você não permite se sentir ansioso e nem tem liberdade de expressar isso. Um exemplo disso: sair do trabalho porque está com dor de cabeça forte é aceitável. Agora se manifesta que está ansioso ou estressado, é visto como “frescura”.
A principal consequência?
A maioria das pessoas não cuida disso até o momento que a situação já esteja insuportável. Talvez demore anos para chegar nesse estado ou talvez até nem chegue, mas qualquer nível de ansiedade acima de mediano já começa a prejudicar diretamente a sua capacidade de concentração, foco no trabalho e relacionamentos pessoais.
A diferença entre ‘ansiedade’ e ‘transtorno de ansiedade’
Antes de tudo, é importante esclarecer o que é a “ansiedade” e a importância dela. Como dito no post “O lado obscuro do empreendedorismo: ansiedade, depressão e exaustão”, tanto a ansiedade quanto o medo são estados emocionais importantes no nosso dia a dia e com papel fundamental na evolução humana. Afinal, o medo faz o indivíduo evitar perigo próximo e mantém o indivíduo alerta para que seja possível um desempenho máximo — físico, emocional e psicológico — sob stress. O mesmo ocorre com a ansiedade.
O problema surge quando, constantemente expostos a condições extremas, a ansiedade deixa de cumprir apenas uma função útil e passa a se tornar um transtorno: transtorno ou crise de ansiedade. Esse transtorno se torna um desequilíbrio mental e físico que são fortes o suficiente para interferir nas atividades do dia a dia.
O impacto da ansiedade e stress na produtividade e economia
Um estudo recente da OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que depressão e transtornos de ansiedade custam para a economia global mais de 1 trilhão de dólares por ano em perda de produtividade.
O desenvolvimento desses transtornos de ansiedade tem sido fortemente relacionado aos ambientes de trabalho. Isso ocorre porque o grande volume tarefas e metas agressivas geram um estresse mental que a maioria dos profissionais não sabe gerenciar de forma saudável. Sem falar que o estilo de vida, que geralmente não inclui atividades físicas regulares, não ajuda muito nesse sentido.
Tudo isso faz com que o mundo do trabalho seja um prato cheio para que a ansiedade seja potencializada. No ambiente de trabalho, os sintomas do transtorno de ansiedade podem ser traduzidos em dificuldade de se concentrar e fazer boas entregas, trabalhar com colegas e clientes, problemas de insegurança e desistência de tarefas por medo de falhar, dentre outros.
O Brasil lidera o ranking da OMS com a mais alta taxa de pessoas com transtorno de ansiedade do mundo.
“Mas não no Brasil”, talvez você esteja pensando.
Afinal, pelo menos para o senso comum, nosso país não é tão obcecado por trabalho quanto outros como Japão e Estados Unidos, conhecidos por serem workaholics. Bem, talvez devamos repensar nossa vocação de nação tranquila e relaxada. Prova disso é o fato de que o Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde, é o país que lidera o ranking com a mais alta taxa de pessoas com transtornos de ansiedade do mundo. De acordo com o relatório, 9,3% da população já é afetada pelo problema.
O ciclo da ansiedade e porquê ela impacta diretamente no seu desempenho profissional
Uma ideia que ajuda a entender como a ansiedade funciona é o ciclo da ansiedade, que também é chamado de ciclo do medo. O sentimento de medo é uma reação natural do nosso corpo que é ativada mediante o perigo e cessada depois que ele passa. Mas, quando vira uma condição frequente, torna-se ansiedade.
Primeira etapa: Fatores externos e internos gerando preocupação excessiva
A primeira etapa consiste em fatores externos e internos que afetam a pessoa. Podem ser problemas familiares, mudanças rápidas na empresa, metas agressivas, crescimento acelerado. O fato é que você está calmo e relaxado até que algo ativa sua ansiedade.
Segunda etapa: Perigo em potencial, o corpo se prepara para reagir
Seus órgãos sensoriais, então, percebem um perigo em potencial e começam a se preparar para responder a ele. Você se torna mais ciente, suas pupilas dilatam e a audição se torna mais sensível. Esse é um estágio preparatório para a próxima etapa, que é chamada em inglês de flight or fight (lutar ou voar). É aqui que você reconhece o problema e decide se foge do problema ou se fica e lida com ele.
Em ambos os casos, o corpo se prepara para a ação.
No próximo momento, seu cérebro dá instruções para o seu corpo se preparar para fugir ou lutar. Sua mente é convencida de que o perigo é real e seu corpo começa a responder, produzindo pensamentos e sensações que são os sintomas da ansiedade. Chega-se a um estágio do ciclo do medo em que corpo e mente estão trabalhando incessantemente para combater o perigo. Produz-se hormônios como cortisol e adrenalina, que devem ajudar a combater o monstro.
Terceira etapa: Manifestação dos sintomas no corpo e fortalecimento do ciclo vicioso
Esse lançamento de hormônios é resultado do medo do perigo que percebemos e não conseguimos pausá-lo mesmo se quisermos. Isso porque eles são lançados assim que sentimos medo. É nessa parte do ciclo que a pessoa que sofre de ansiedade começa a sentir o coração bater mais rápido, a respiração curta, tonturas, dentre outros sintomas.
Seu corpo produz sensações e sua mente as percebe também como perigosas. Você começa a se perguntar se está tendo um ataque do coração, se está ficando louco ou se vai morrer. Além disso, sua capacidade de concentração e foco diminuem e você fica frustrado porque não você não está “normal”. Ao contrário da nossa intenção, essa preocupação aumenta e acaba alimentando ainda mais o medo, que fortalece o ciclo.
O cérebro registra o perigo causado por essas sensações e envia sinais para o seu corpo se preparar para o perigo mais uma vez. Quando você percebe os sintomas como perigosos, fica com medo deles. Sua mente reage com uma resposta de ansiedade, que cria mais sintomas.
E o ciclo continua.
Como ele afeta seu desempenho no trabalho
Todo esse ciclo gera consequências negativas, pois além dos incômodos dos sintomas físicos, os hormônios inibem a capacidade de raciocínio, deixando a parte emocional mais latente. A tomada de decisão é prejudicada, já que é mais difícil pensar com clareza sem se deixar influenciar por emoções.
Da mesma forma, as relações sociais são afetadas, pois está com menos paciência, menos empático e mais sensível. A pessoa passa a acreditar que não é boa em situações sociais ou acha que vai passar vergonha e tem cada vez mais medo de se expor. A concentração também é prejudicada e portanto a qualidade e resultados do trabalho diminuem. A ansiedade faz com que a pessoa ansiosa crie problemas maiores do que são, afetando sua produtividade, gestão do tempo e gerando ainda mais ansiedade pelo medo de ser demitida ou de ser visto com uma performance inferior.
Como quebrar o ciclo da ansiedade
Pessoas que sofrem de ansiedade ficam presas em pensamentos de medo. Isso torna impossível tomar boas decisões. Se você sofre de ansiedade, sua mente se habituou ao medo em vez de deixá-lo seguir seu ciclo natural. Então, é necessário fazê-la voltar ao seu ritmo original. Veja algumas dicas que podem ajudar:
1. Crie um período de preocupação
Tentar parar de se preocupar não funciona por muito tempo. Pelo contrário, isso só torna a preocupação mais forte e persistente. Em vez disso, tente uma abordagem diferente. No lugar de se livrar dos pensamentos ansiosos, permita-se para continuar tendo-os e não duele com eles.
Crie um período de preocupação, um dia e local para se preocupar e repita-o diariamente. Por exemplo, no quarto das 18h às 18h30. Lembre-se de que isso precisa acontecer cedo o suficiente para não o deixar preocupado antes de dormir. Nesse período é permitido se preocupar com o que quiser, mas no resto dia, não.
Se um pensamento de ansiedade vier à mente em outros momentos do dia, anote-o em um papel e continue o que estava fazendo. Afinal, você terá tempo para se preocupar mais tarde. Durante o período definido, leia sua lista de preocupações. Se o que você escreveu ainda o incomoda, ocupe-se delas, mas somente pelo período determinado.
Se não são mais importantes, risque-as da lista. Isso é útil porque quebra o hábito de se preocupar quando você tem outras coisas para fazer. Você não suprime o pensamento, apenas o guarda para mais tarde. Quando você fizer isso, perceberá que tem mais controle do que imaginava.
2. Pergunte-se se o problema pode ser solucionado
Solucionar o problema é mais do que pensar a respeito dele. Envolve criar passos para lidar com ele e colocar o plano em ação. Preocupação, por outro lado, raramente leva a soluções. Se uma preocupação surge em sua cabeça, pergunte-se se ela é solucionável.
Ela real ou imaginária? Se é imaginária, qual a probabilidade de acontecer? Você pode fazer algo para superar o problema ou está fora do seu controle? Problemas resolúveis podem levar você a agir. Se é algo solúvel, comece o brainstorming.
Faça uma lista de soluções possíveis e não tente encontrar a solução perfeita, mas sim aquelas que você pode fazer. Depois, trace um plano de ação. Já nas preocupações insolúveis, aceite seus sentimentos. Eles são parte de você. Falamos mais sobre isso no próximo item.
3. Aceite a incerteza
A falta de capacidade de tolerar a incerteza tem um grande papel na ansiedade. Preocupados crônicos não conseguem aceitar a dúvida ou a imprevisibilidade. Precisam saber com 100% de certeza o que vai acontecer. Preocupar-se parece uma forma de prever o futuro, uma maneira de se prevenir contra acontecimentos de surpresa e controlá-los.
Porém, ela não funciona. Pensar em tudo o que poderia dar errado não torna a vida mais previsível. Talvez você se sinta mais seguro, mas só é ilusão. Mesmo se preparando para certos cenários, isso não vai impedir que outros imprevistos aconteçam.
Na verdade, isso só vai prejudicar que aproveite as coisas boas que tem no presente. Quando a preocupação acontecer de novo, responda às seguintes perguntas: é possível ter certeza de tudo na vida? Quais são as vantagens e desvantagens de ter certeza? Você tende a prever que coisas ruins vão acontecer quando são incertas?
4. Desafie os pensamentos de ansiedade
Se você sofre de ansiedade, é provável que veja o mundo de forma mais perigosa do que ele realmente é. Pode ser também que diminua sua capacidade de resolver coisas da vida. Não é fácil largar esse tipo de crença, mas você pode começar a identificar pensamentos assustados, detalhando o que te assusta ou preocupa.
Depois, no lugar de vê-los como fatos, encare-os como hipóteses que está testando. É uma forma de ter uma perspectiva mais balanceada. Pergunte-se questões como: qual a evidência de que esse pensamento é verdadeiro? Existe uma forma mais positiva ou realista de olhar pra essa situação? Qual a probabilidade de isso que me assusta acontecer de fato? O que eu diria para um amigo que tem essa preocupação?
5. Experimente meditar
A preocupação é geralmente focada no futuro, enquanto meditar ajuda a trazer sua mente para o momento presente. A prática consiste em observar os pensamentos e deixá-los ir embora. Essa técnica pode ajudar você a identificar suas preocupações e a entrar em contato com suas emoções. Aplicativos como Headspace ou Calm podem te ajudar no processo.
6. Escolha um exercício físico para praticar
Dentre os muitos exercícios físicos que existem, é provável que pelo menos um deles agrade a você. Fazer alguma atividade regularmente estimula o organismo a produzir endorfina, que causa sensação de bem-estar.
Isso ajuda a aliviar os níveis de ansiedade. Além disso, praticar exercícios tem outros benefícios conhecidos para a saúde do corpo, que certamente melhorarão sua qualidade de vida como um todo.
Como a ansiedade pode impactar positivamente o desempenho
Especialistas como Robert M. Yerkes e John Dilingham Dodson, que conduziram um estudo sobre ansiedade há cem anos na Universidade de Harvard, demonstraram que níveis moderados de ansiedade melhoram a performance no trabalho.
Muita ansiedade, obviamente, prejudica a performance. Porém, o mesmo acontece com quem não tem nenhum estresse. Se é assim, como encontrar o equilíbrio? Como alcançar um nível de ansiedade que seja salutar?
Níveis apropriados de ansiedade são aqueles que levam uma pessoa a agir. O referencial deles pode também ajudar a esclarecer quão assustadora ou perigosa uma situação pode ser.
A relação entre ansiedade e performance pode ser vista neste gráfico:
Quando o nível de ansiedade aumenta, a performance melhora, mas, quando a ansiedade atinge níveis excessivos, a performance diminui de forma drástica.
Nesse contexto, a ansiedade é identificada quando uma pessoa percebe que um desafio ou ameaça é muito grande em comparação com suas habilidades de lidar com ele. Quanto maior o desafio e menor a habilidade de lidar com ele, maior será o nível de ansiedade.
Conclusão
Aprender a lidar e administrar a ansiedade pode ser uma das maiores alavancas para o seu desempenho profissional e evolução da sua carreira.
Por mais que o ciclo da ansiedade possa parecer sem saída, é possível contorná-lo e viver uma vida saudável, sem preocupações mentais desnecessárias. Se está passando por isso, busque conversar com conhecidos que já viveram a mesma situação ou procurar ajuda especializada, se for o caso.
A ansiedade é um problema sério, que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo e trocar informações sobre o assunto é uma forma começar a caminhar em direção à solução.
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