As inflexões de classe da identidade gay.

Diego Moschkovich
MARICONA
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45 min readApr 26, 2020

por Steve Valocchi, publicado originalmente em Social Problems, May 1999 v46 i2 p207(1) COPYRIGHT 1999 pela Society for the Study of Social Problems, Inc. Título original: The class-inflected nature of gay identity.

Traduzido por Diego Moschkovich/Coletivo Maricona para fins de militância/divulgação.

Num ensaio autobiográfico eloquente e espirituoso sobre a intersecção de classe, etnicidade e sexualidade, o historiador Canadense-Francês Allan Berube narra seu processo de saída do armário no início dos anos 1970. Com o anúncio de sua orientação sexual para seus pais, de origem operária, ele percebe a natureza infletida de classe na identidade gay daquele período:

“Eles me aceitaram gay. No entanto, ouviam-me descrever minha própria homossexualidade na linguagem de gente mais poderosa e mais educada do que eles, e viam minha homossexualidade como mais um indício de que eu entrara em mundos de elite que me mudavam para além do que era reconhecível. Através de mim eles viam o ser “gay” como alguém que foi à faculdade — e eu não podia negá-lo, uma vez que, nos meus mundos de classe média, era o que eu havia aprendido, também.”(Berube 1997:58–59)

É claro que Berube sabia que “estamos em toda a parte”, em toda fração de classe e em todo grupo racial. No entanto, uma identidade gay tinha sido-lhe comunicada por gente de classe média, em ambientes de classe média, e através de organizações preocupadas com questões de classe média. Esse processo — a intersecção do entendimento da classe média da homossexualidade e a criação política de uma identidade coletiva gay é o assunto deste artigo. Quais eram esses entendimentos de homossexualidade? E como o complexo anterior de entendimentos foi incorporado ao processo inicial de criação de identidade do movimento gay e lésbico?

Sociólogos que estudam o processo da criação identitária coletiva — “a definição compartilhada de um grupo, que deriva de interesses, experiências e solidariedade comuns de seus membros” (Whittier 1995:15) — sugerem que o processo de criação identária ocorre como resultado tanto dos processos internos do estabelecimento de redes, da criação de cultura e da elevação da consciência, como dos processos externos de controle social e de regulação estatal. O que falta a essas considerações (D’Emilio 1983; Gamson 1997; Taylor and Whittier 1992) é um foco sobre a quem pertenciam os interesses materiais e políticos que eram representados e almejados em ambos esses níveis do processo da criação identitária. Enquanto a referida literatura fez um bom serviço em especificar as condições sobre as quais os indivíduos com desejo pelo mesmo sexo se uniram e criaram sentido para sua experiência coletiva (D’Emilio 1983; Kennedy and Davis 1993), ainda não foi sistematicamente examinado quais expressões deste desejo foram valorizadas (e, ao contrário, quais desvalorizadas) por ambos os agentes do controle social, de um lado, e as populações das comunidades de desejo pelo mesmo sexo em luta por seus interesses, de outro. Como pretendo demonstrar, a construção social da identidade gay no século XX aconteceu em um contexto estrutural de controle estatal das sexualidades “perigosas” e de ansiedades de classe média sobre a não-conformidade de gênero. As influências dessas estruturas de inflexão de classe na aparição de uma identidade coletiva gay afetaram as estratégias de recrutamento, as organizações e as questões políticas do movimento gay e lésbico.

A pesquisa histórica sobre a homossexualidade documenta uma mudança, ocorrida durante a primeira metade do século XX, na noção de ‘homossexual’. De uma definição generificada (ou seja: um homem biológico agindo de maneira socialmente feminina, uma mulher biológica agindo de maneira socialmente masculina), passou-se a uma definição desatrelada ao gênero e atrelada à escolha do objeto sexual (ou seja, ser atraído por membros de seu mesmo sexo [Chauncey, 1994]). Essa pesquisa também documenta que uma identidade coletiva só foi desenvolvida em conjunção com a última definição, e que isso acontece apenas na última metade do século XX (D’Emilio, 1983). A primeira tarefa deste artigo é examinar os processos com inflexão de classe que envolveram essas mudanças. Como aconteceram os processos de formação de grupo para lésbicas e para homens gays? Quem criou as linhas divisórias e estabeleceu os sistemas de significados associados ao grupo dentro desta linha? Quem foi excluído ou invisibilizado por esse processo e qual foi a base para essa exclusão e invisibilização? A segunda parte do artigo conecta essa análise da estrutura da inflexão de classe na formação de um grupo à emergência da ação coletiva organizada das lésbicas e dos gays da década de 1950 à de 1970. Como esse processo afetou as organizações políticas das lésbicas e dos homens gays? Como as delimitações construídas e os significados implicados por esse processo afetaram a quem entraria nessas organizações e as preocupações que estas organizações teriam? Finalmente, qual impacto teve o movimento de liberação gay nessa estrutura de infletida de classe da identidade coletiva?

Identidade coletiva e interesses de classe

Nos últimos dez anos, os sociólogos que estudam movimentos sociais “descobriram” o conceito de identidade coletiva, vendo-o como um pré-requisito de um movimento (McAdam 1982), algo criado no calor da luta (Fantasia 1988), um recurso usado estrategicamente em batalhas com elites ou contra-movimentos (Bernstein 1997), ou como objetivo de um movimento (Melucci 1989). Embora grande parte desse interesse renovado tenha se concentrado nos fatores internos envolvidos na criação da identidade coletiva, as identidades coletivas são melhor vistas como produtos de uma dinâmica interna e externa: como coisas criadas de baixo por populações que buscam interesses no processo de interação social enquanto essa interação, assim como as identidades, são moldadas também pelas forças externas da oportunidade política e do controle social (Taylor e Whittier 1995: 173). Os relatos sociais-construcionistas da identidade coletiva, por exemplo, identificam fatores como redes sociais de ativistas, espaços culturais autônomos de associação, esforços contínuos de conscientização e episódios de confronto e negociação entre membros dentro e fora do grupo como chave para o desenvolvimento de uma identidade coletiva lésbica e gay. (Mueller 1994; Taylor e Raeburn 1995; Taylor e Whittier 1992). Além disso, esses processos internos ocorrem dentro de um conjunto mutável de oportunidades políticas que afetam tanto a quantidade quanto a qualidade das redes, espaços e episódios de confronto, bem como a probabilidade de que a identidade coletiva possa ser mobilizada com sucesso para mudanças sociais concretas (Bernstein 1997; McAdam 1982; Whittier 1995).

O que permanece não teorizado nessas análises da identidade coletiva é se e como as relações de poder em geral e os interesses de classe moldam o processo de criação de fronteiras implícito na noção de identidade coletiva. (1) Internamente, as posições de classe de algum conjunto de atores e ativistas podem criar redes sociais mais poderosas, espaços culturais mais valorizados e episódios de confronto em que os termos do confronto são determinados pelos segmentos mais privilegiados de classe do grupo prejudicado. (2) O conceito de oportunidades políticas é usado por alguns estudiosos do movimento social para se referirem às relações externas de poder dentro das quais os movimentos operam. O conceito refere-se com mais frequência aos limites estruturais impostos (ou às oportunidades estruturais disponíveis para) os movimentos depois que o grupo adquiriu uma identidade coletiva e fala pouco sobre o poder que os grupos dominantes possuem para nomear ou sobre os interesses materiais e políticos que por trás desse poder. Grupos dominantes exercem um poder cultural que rotula alguns indivíduos como membros de grupos e outros como fora dos limites do grupo. Essa rotulagem pode ocorrer através das instituições culturais da mídia, literatura e artes, mas, mais importante para grupos ainda sem reconhecimento da cultura dominante, pode ocorrer através das instituições políticas mais tradicionais de tribunais, polícia e legislaturas. Além disso, o estabelecimento médico e outros agentes de controle social têm poder direto e imediato em ‘descobrir’ um grupo, patologizá-lo e estigmatizar, regular e punir os desejos e práticas das pessoas que incorporam esse grupo. Esse poder é frequentemente motivado por um projeto de construção de estado maior, baseado em classes, que envolve a mudança do poder e das alianças de classe e a identificação e controle de populações marginais (Foucault 1990; Mosse 1985).

Nas primeiras décadas do século XX o capitalismo competitivo estava dando lugar a um capitalismo de reformas. Como as relações de mercado alteraram drasticamente o cenário de praticamente todas as instituições sociais, elas criaram uma série de problemas sociais; pelo menos foi assim que uma classe média de mente reformada chegou a ver questões de imigração, raça, crime, conflito trabalhista e diferença sexual. Essa classe média cada vez mais profissionalizada, juntamente com os capitalistas de mentalidade reformista, mobilizou-se em praticamente todas as frentes para melhorar as animosidades de classe, regular fronteiras, classificar a classe trabalhadora e as comunidades afro-americanas, monitorar o vício e a moralidade e fortalecer as capacidades do Estado de legislar em todos essas áreas (D.F. Greenberg 1988: 398; Wiebe 1967). O processo de construção de um capitalismo mais seguro nos Estados Unidos tornou-se um processo de construção de um estado capitalista; tornou-se um processo pelo qual os gestores estatais assumiram um papel ativo na manutenção de condições de acumulação lucrativa do capital em um mundo econômico cada vez mais instável (Greenberg 1985; Weinstein 1968). Este foi um projeto que envolveu intervenções não apenas no âmbito econômico, mas também no social e cultural — um projeto desenvolvido em conjunto por interesses de negócios corporativos, advogados, médicos e reformadores sociais. Na arena da sexualidade, era um projeto pelo qual uma classe média profissional usava o poder econômico dos capitalistas ao poder político do estado para criar uma identidade gay coletiva que enfatizava o desejo pelo mesmo sexo e o binário hétero/homo.

A análise apresentada abaixo dará atenção especial a esses processos dotados de caráter de classe pelo período das sete primeiras décadas do século XX. Este foi o período que testemunhou a ascensão do capitalismo reformista e a crescente intervenção do Estado em muitas áreas da vida social; foi também o período durante o qual um movimento gay surgiu para alterar a posição social e cultural de lésbicas e gays. Usando uma variedade de relatos históricos secundários sobre o desenvolvimento da identidade gay, o surgimento de comunidades de lésbicas e gays ao longo do século XX e o aumento da ação coletiva de lésbicas e gays entre as décadas de 1950 e 1970, argumentarei que a categoria ‘de ‘homossexual’ e o binário hétero/homo correspondente foram construídos por agentes de controle social. Esses agentes, em virtude de possuir recursos políticos e econômicos, definiram o homossexual nos termos de uma definição de classe média do desejo pelo mesmo sexo. Embora existisse uma variedade de definições alternativas nas comunidades sexuais em desenvolvimento nos Estados Unidos, o desejo pelo mesmo sexo emergiu como a definição dominante nas comunidades de classe média de homens e mulheres homossexuais no início do século XX, geralmente como resultado de uma ansiedade relacionada ao gênero sobre questões de trabalho e família. Os agentes do controle social nas décadas de 1940 e 1950 usaram a agenda de construção do estado pós-Segunda Guerra Mundial para tornar essa tendência uma política oficial e a impuseram a outras comunidades e culturas. Assim, esses agentes pegaram as variedades de pessoas com desejos e práticas do mesmo sexo e transformaram esse conjunto amorfo e heterogêneo de populações em uma categoria unitária e mais ou menos coerente de ‘homossexuais’.

Médicos de classe média e controle social

A definição de ‘homossexual’ — um rótulo unitário caracterizado pela escolha de objetos do mesmo sexo — surgiu primeiro nas culturas urbanas da classe média durante a primeira metade do século XX, à medida que sexólogos e outros especialistas médicos perseguiam o projeto científico de nomeação e categorização. A definição emergente, no entanto, coexistiu com uma variedade de definições alternativas nas comunidades urbanas da classe trabalhadora e afro-americana, mesmo quando segmentos da comunidade homossexual da classe média adotaram a definição “científica” de escolha de objetos do mesmo sexo. Essa definição de classe média tornou-se a definição que foi empurrada de cima à medida que o establishment psiquiátrico americano se aliava ao poder estatal na mobilização para a Segunda Guerra Mundial. Conforme elaborado nas páginas abaixo, esse primeiro ato de nomeação ignorou a diversidade de posições de classe e estilos sexuais e transformou os sentidos criminais inerentes a certos comportamentos em sentidos patológicos inerentes às pessoas. Ao contrário de alguns relatos do desenvolvimento do desejo e da intimidade entre pessoas do mesmo sexo (D’Emilio 1992), as mudanças sociais que acompanham o capitalismo competitivo não criaram uma comunidade gay homogênea com uma identidade coletiva singular. Em vez disso, essas mudanças interagiram com diferenças pré-existentes de gênero, raça, etnia e classe e, como resultado, deram origem a uma proliferação de comunidades de desejo e associação entre pessoas do mesmo sexo (Beemyn 1997; Chauncey 1994; Faderman 1991; Garber 1989; Kennedy e Davis 1993; Mumford 1996; Newton 1993). Somente quando essas comunidades foram rotuladas e punidas como ‘queer’ e, portanto, todas tratadas de maneira semelhante por agentes de controle social, a categoria ‘homossexual’ alcançou ressonância na comunidade como uma identidade coletiva. Até então, e como ilustrado abaixo, essas diversas comunidades geravam suas próprias normas, práticas e comportamentos.

Simultaneamente ao desenvolvimento dessas diversas comunidades sexuais, um grupo crescente de sexólogos e especialistas médicos estava usando os métodos da ciência médica para descrever, classificar e categorizar diferentes ‘espécies’ de tipos sexuais. Seu objetivo era, nas palavras de Weeks, colocar o estudo da sexualidade em um novo “fundamento científico”: “isolar e individualizar as características específicas da sexualidade, detalhar seus caminhos normais e variações mórbidas, enfatizar seu poder e especular sobre seus efeitos” (Weeks 1989: 66). Essa primeira tentativa de rotular por forças externas foi, não surpreendentemente, um processo com uma inflexão de classe. A ascensão da medicina e a profissionalização de médicos e especialistas médicos nos Estados Unidos faziam parte de um processo maior por parte das pessoas de classe média recém-adquirida para obter o controle sobre muitas áreas da vida social, a partir de impulsos populistas, por um lado, e riqueza incontrolável, por outro (Ehrenreich 1990; Luker 1984). Nas primeiras décadas do século XX, médicos recém-credenciados desempenharam um papel ativo na aprovação de legislação sobre práticas sexuais como sexo oral e masturbação, sinalizando seu interesse em usar sua ‘experiência’ no serviço de controle social (Greenberg 1988: 401; Katz 1995: 130). Como Foucault e outros demonstram (Weeks 1989), o modelo médico da homossexualidade emergiu das mesmas ansiedades burguesas preocupadas em controlar trabalhadores, mulheres, crianças e populações desviantes, e acompanhou a mudança para o capitalismo industrial. As categorias binárias de hétero/homo emergiram como parte de um projeto maior por parte da burguesia em ascensão para se organizar como uma classe e regular a ordem social que estavam preparando para governar. Noções de apetites normais e perversos emergiram desse processo (Katz 1995).

Esse modelo médico emergente de homossexualidade, promovido por sexólogos, mudou o pensamento dos especialista do “comportamento” para as “pessoas”. Em vez de ver o ato de sodomia como um sinal de fraca vontade ou constituição, a profissão médica o considerou sintomático de um distúrbio subjacente com uma série de sintomas somáticos (Seidman 1993; Weeks 1989). Embora esse trabalho tenha se mostrado bastante influente entre os especialistas médicos no final do século XIX e no início do século XX, seu impacto na identidade coletiva da população gay foi mínimo até que os conflitos de gênero nas comunidades de classe média incentivassem cada vez mais mulheres e homens da classe média a aceitar os rótulos dos sexólogos, e até que esses rótulos fossem apoiados pelo poder avassalador do estado durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Ansiedades de classe média e a mudança das populações gays para a população gay.

Da maneira como as pessoas com desejo pelo mesmo sexo se reuníam durante a primeira metade do século XX, elas não se constituíam uma só população, mas muitas. Ao se reunirem nas ruas da cidade, em cabarés, bares, restaurantes e em casas particulares, não o faziam como um grupo, criando uma subcultura de associação e desejo, mas como uma variedade de grupos distinguidos por classe, cor, práticas sexuais e estilos de gênero. Obviamente, a interação e a associação ocorreria entre esses grupos, mas essa interação, na maioria das vezes, apenas reforçava suas diferenças.

Homens com interesse erótico por outros homens possuíam muitos estilos de gênero, hábitos sexuais e posições de classe diferentes, e, juntos, constituíram não uma, mas várias redes de afiliação parcialmente sobrepostas. Em seu livro inovador sobre a criação da Nova York gay na primeira metade do século XX, Chauncey (1994) ressuscita vividamente essas populações gays e os situa em termos de classe, raça, prática sexual e estilo de gênero. Os homens não eram gays ou heteros, mas pansies, husbands, trade, jockers e queers (2b). Esses não eram rótulos diferentes para o mesmo grupo imposto de fora, mas demarcadores internos de consciência e cultura.

“Nas comunidades da classe trabalhadora, o homem gay mais visível era a “pansy”ou “fairy” , alguém que se distinguia entre si e os outros não com base na escolha de objeto sexual ou atividade sexual preferida, mas com base em sua efeminação ou “inversão de gênero”. Outros, como os “trade”, se distinguiam com base no que eles gostaram de que “fosse feito com eles”, isto é, sua atividade sexual preferida. Ainda outros, “husbands” e “jockers” afeitavam-se a um estilo de gênero masculino e preferiram as “fairies” ou “pansies” (Chauncey 1994, 1989). Sua identificação subjetiva e afiliações sociais eram definidas por essas distinções. Como Chauncey (1994: 96) afirma: “Eles eram… homens que eram atraídos por homens ou interessados em atividades sexuais definidas não pelo gênero de seu parceiro, mas pelo tipo de prazer físico que esse parceiro poderia proporcionar”. A cultura criada por esses homossexuais da classe trabalhadora — seja o espaço público que ocupavam ou os bares e restaurantes que frequentavam — também foi marcada por essas distinções (Chauncey, 1996).

Foi nas comunidades de classe média na primeira metade do século XX que a ideia central da escolha de objetos sexuais surgiu como característica definidora de uma pessoa homossexual. Crescendo ao lado das comunidades gays da classe trabalhadora de fairies, trade e husbands, havia homossexuais de classe média que usavam esses grupos como “exemplos negativos” para suas próprias identidades; construíam, assim, sua consciência e associações explicitamente com base na escolha de objeto sexual e não com base na persona de gênero. Se referiam a si mesmos como “queer (esquisitos)” e procuravam outros homens que também eram “queer” (Chauncey 1994: 99–127). Esse esquema de rotulagem também endureceu as categorias de pessoas sexuais onde ‘queer’ e ‘normal’ se tornaram categorias mutuamente exclusivas, diferentemente do esquema nas comunidades homossexuais da classe trabalhadora que reconheciam uma variedade de práticas sexuais e objetos sexuais para qualquer indivíduo.

Como as comunidades de homens gays, as comunidades de mulheres também diferenciavam-se por classe e estilo de gênero. Como Faderman (1991) e outros (Kennedy e Davis 1993; Nestlé 1987; Rupp 1989) mostraram, a história da vida lésbica no século XX tem sido uma história de uma variedade de modelos de lesbianismo. Havia as amizades românticas que dominavam a classe média do início do século, bem como as ‘kikis’ da classe média que eram definidas pela escolha de objetos sexuais, sigilo e respeitabilidade. Havia também as butches, as femmes e as “crossing women” nas comunidades da classe trabalhadora no século XX, que eram definidas primariamente pela representação de gênero em vez de escolha de objeto sexual. As distinções entre essas populações não podiam ser mais nitidamente traçadas: como se viam; com quem se associaravam; e onde eles escolhiam atuar suas identidades diferia dramaticamente, de um caso a outro (Gilmartin 1996). Kennedy e Davis (1993: 375) concluem sua história oral da comunidade lésbica de Buffalo, Nova York, das décadas de 1930 a 1960, observando: “Em vez de uma cultura geral de sexualidade lésbica, existiam costumes sexuais radicalmente diferentes em diferentes grupos sociais. “

Como observado acima, a noção de homossexual, definida principalmente pela escolha de objetos sexuais, surgiu primeiro nas comunidades de classe média de homens e mulheres gays. Esse surgimento foi devido a uma variedade de fatores, o mais importante dos quais tinha a ver com mudanças na natureza do trabalho e nas relações de gênero nos Estados Unidos do século XX (Greenberg, 1988). Muitos homens de classe média testemunharam a perda de autonomia e aumentaram a especialização de seu trabalho mental, ao mesmo tempo em que um grande número de homens de classe trabalhadora imigrantes entrava na força de trabalho e reforçava um estilo de gênero muito diferente do estilo mais gentil do meio homem de classe média (Chauncey 1994; D’Emilio e Freedman 1988; Kimmel 1996). Além disso, as mulheres ganharam um pouco mais de poder no século XX como resultado de sua mobilização para o voto e de quando as mulheres da classe média começaram a entrar na força de trabalho. Muitos historiadores (D’Emilio e Freedman 1988; Rotundo 1993) observam que esses desenvolvimentos criaram uma crise da masculinidade nas primeiras décadas do século XX.

Na tentativa de resgatar sua masculinidade dessas ameaças, os homens da classe média começaram a definir a heterossexualidade exclusiva como um sinal de masculinidade (Kimmel, 1996; Rotundo, 1993). Esse foi um processo prolongado que também possuiu inflexões de classe. Os homens da classe média, ‘queer’ e ‘straight’, começaram a direcionar uma hostilidade crescente à fairy — um estilo sexual representado na cultura homossexual da classe trabalhadora. Nesse clima de mudança nos arranjos econômicos e de gênero, a fairy passou a incorporar “as mesmas coisas que os homens da classe média temiam sobre seu status de gênero [agora supostamente em perigo]” (Chauncey 1994: 115). A ameaça sempre presente da “fairy interior” levou os homens da classe média a policiar com mais vigilância suas próprias relações sociais em busca de quaisquer sinais de comportamento homossexual. Uma consequência desse policiamento foi o endurecimento das categorias entre homens homossexuais ou heterossexuais. Os homens podiam se sentir sem poder no trabalho, mas podiam recuperar parte desse poder — e, portanto, sua masculinidade — com a prática da heterossexualidade exclusiva. Da mesma forma, o lar assumiu uma importância cada vez maior como refúgio em um mundo cada vez mais competitivo, e a homossexualidade foi vista como minando essa instituição frágil, porém crucial (Greenberg, 1988). Essa insistência na heterossexualidade exclusiva e a vigilância aumentada das fronteiras entre hetero e homossexualidade levaram os homens da classe média a se identificarem com base em sua sexualidade e a equiparar a heterossexualidade à masculinidade e a homossexualidade à feminilidade.

Um segundo passo nesse processo com inflexões de classe endureceu as fronteiras entre homossexual e heterossexual e encorajou uma definição de homossexual definida pela escolha do objeto sexual — influência de Freud entre médicos de classe média e sexólogos. Essa reformulação das categorias sexuais não falava mais apenas da inversão de gênero como sinal revelador da homossexualidade; como afirma Chauncey (1994: 124), “transformou o sexo do corpo com quem um homem fazia sexo no árbitro de sua normalidade heterossexual ou de sua anormalidade homossexual”. Como veremos abaixo, no entanto, essa reformulação existia principalmente nos círculos acadêmicos e não influenciou a vida e a identidade da maioria dos homens até a Segunda Guerra Mundial (Greenberg, 1988: 418).

As mesmas mudanças econômicas e sociais do final do século XIX e início do século XX que levaram à crise da masculinidade entre os homens da classe média, deram às mulheres, por outro lado, mais recursos para influir sobre as mudanças na concepção cultural da feminilidade de classe média. O aumento das mulheres de classe média no trabalho e no espaço público, a ascensão do consumismo e do lazer público na cultura da classe média e a existência de diferentes normas sexuais nas culturas de imigrantes levaram a uma ressexualização das mulheres na ideologia sexual mainstream e na prática da classe média. (Chauncey 1983: 143; D’Emilio e Freedman 1988: 171–201). O interesse erótico se divorciou da procriação, e as mulheres “normais” agora eram vistas como seres sexuais. Essa ressexualização, no entanto, colocou um problema para as definições de lesbianismo da classe média. Embora a prática médica usasse frequentemente a inversão de gênero para identificar lésbicas no início do século XX (Minton 1986; Terry 1990), concepções populares giravam em torno de noções de interesse sexual manifesto: mulheres que expressavam interesse sexual eram suspeitas de lesbianismo. Uma vez que essas mudanças na cultura da classe média ocorreram, no entanto, não era mais o interesse sexual que fazia as mulheres suspeitas de lesbianismo. A partir da década de 1920, essas mulheres ressexualizadas tornaram-se cada vez mais ligadas ao casamento-companheiro nos círculos da classe média, um modelo que enfatizava a felicidade e o prazer mútuos como base do casamento; isso, em essência, deu sexualidade às mulheres, mas inscreveu noções da sexualidade adequada (isto é, heterossexual) com mais firmeza à instituição da família (D’Emilio e Freedman, 1988). Assim, o interesse sexual particular, em vez da sexualidade, começou a definir o lesbianismo. Com as mulheres da classe média, como com os homens, as categorias de associação foram definidas pela escolha de objetos sexuais e os limites em torno dessas categorias começaram a endurecer.

Essa definição de homossexual, que no final do século XX se tornou a principal definição do grupo, coexistiu com a variedade de outras identificações e associações. A mudança para o modelo do binário hétero/homo, adotado pela primeira vez na classe média, foi empurrada “de cima para baixo” quando o crescente campo da psiquiatria uniu forças com o Estado na mobilização da Segunda Guerra Mundial e para criar, mais uma vez, um aliança Estado-classe na preservação e extensão de uma ordem social capitalista. A aliança continuou na era pós-Segunda Guerra Mundial, com o estado nacional e os agentes locais de controle social policiando ferozmente o cenário moral e político da era McCarthy. Como veremos abaixo, essas forças externas de controle social selecionaram, dentre as diversas comunidades de gays, um aspecto de sua cultura — seu desejo pelo mesmo sexo — e o nomearam como essencial ao status do grupo. Essa nomeação ressoou mais poderosamente para homens e mulheres da classe média, na medida em que permitiu com que muitos reafirmassem sua masculinidade e feminilidade em um momento em que estavam sendo questionadas pelas mudanças no trabalho e na família. Assim, a nomeação por forças externas, produto da dinâmica de classe associada à constituição do estado capitalista, foi um processo com inflexão de classe.

Forçando uma identidade coletiva: Psiquiatria, o Estado e a Polícia

Esquadrões do vício e forças policiais adotaram as categorias médicas biologicamente constituídas, desenvolvidas pelos sexólogos do início do século XX para rotular e processar os ‘pervertidos sexuais’; no entanto, a extensão e a difusão dessa atividade de controle social variaram amplamente. Como Chauncey (1996: 258; 1994: 203) e outros (Garber 1989; Mumford 1996: 409) demonstraram em seus tratamentos das subculturas masculinas urbanas gays emergentes, grande parte do policiamento ocorrido nas ruas na primeira metade do século XX foi feito principalmente não para eliminar a ameaça do homossexual, mas para reforçar as concepções burguesas de ordem pública. A homossexualidade foi considerada um vício, juntamente com outros vícios, como a prostituição e a embriaguez. O desenvolvimento de subculturas gays dentro ou adjacente às áreas negras apenas aumentou a preocupação em falar sempre de imigrantes e afro-americanos como “classes perigosas”.

Esse padrão de controle social mudou com a fusão da psiquiatria freudiana com o crescente poder do estado durante a Segunda Guerra Mundial. A guerra proporcionou a oportunidade para uma aliança centralizada no estado de pessoal corporativo e militar, para se unir e frustrar os elementos populares do New Deal. Essas forças continuaram após a guerra para criar uma aliança de classe estatal cuidadosamente sintonizada em sustentar a economia doméstica e reconstruir a economia internacional (Waddell, 1999). Como no projeto anterior de construção do estado, isso envolveu não apenas intervenções econômicas, mas também sociais e culturais. Os psiquiatras forneceram a justificativa “científica” para algumas dessas intervenções. A Guerra Fria forneceu a lógica “política”.

A pedido desses psiquiatras, milhões de homens e mulheres foram colocados em ambientes comuns e questionados sobre sua orientação sexual — definida em termos de escolha de objeto sexual, não por práticas sexuais ou estilo de gênero. Como afirma Berube (1990: 260), “a política militar orientava os oficiais a considerar os parceiros ativos e passivos… como igualmente homossexuais e igualmente responsáveis por seus atos”. Essa definição se tornou a base sobre a qual os militares e, em seguida, o governo federal espionaram, desonradamente despejaram, desampararam e menosprezaram seus membros homossexuais, funcionários e cidadãos. Com a guerra, as apostas no projeto estatal de reforma do capitalismo foram aumentadas consideravelmente e, portanto, um nível superior e um tipo diferente de controle social foram necessários para policiar com mais precisão um grupo de pessoas supostamente perigosas para o moral militar e a segurança nacional.

Os psiquiatras que trabalhavam para o establishment militar do governo tiveram oportunidades sem precedentes de construir e implementar um novo modelo de homossexualidade que se concentrasse no tipo de personalidade e que distinguisse os indivíduos pelo grau em que haviam transferido com sucesso sua escolha de objeto sexual do pai do mesmo sexo para parceiro adulto do sexo oposto. Esse entendimento enfatizou a pesquisa que fizeram, as diretrizes que ajudaram na elaboração e a educação que os militares conduziram sobre as tensões e tensões da guerra.

Como Berube (1990: 256) descreve esse processo, a influência da psiquiatria no contexto da guerra criou uma série de condições punitivas às quais todos os homossexuais foram expostos. A situação comum criou entendimentos comuns:

Os psiquiatras, como especialistas pioneiros em homossexualidade das forças armadas, deram aos soldados e aos oficiais militares uma nova linguagem tendenciosa, mas útil, e um conjunto de conceitos — como a palavra homossexual e a ideia de um “tipo de personalidade” — que alguns usaram para categorizar homossexuais, entender a homossexualidade e usar para se definir… Quando esses soldados foram jogados juntos em enfermarias psiquiátricas e celas para transviados (queer stockades), enfrentavam as mesmas dificuldades juntos em pequenos grupos, mais capazes de se perceberem como compatriotas que foram vítimas da mesma perseguição.

Embora muitos psiquiatras não endossassem o tratamento punitivo de pessoas que em sua opinião precisavam de terapia em vez de penas de prisão, a preocupação com o homossexual durante a guerra foi uma criação dos psiquiatras. Essa preocupação se tornou uma das obsessões do país durante os anos 50.

A campanha para barrar homossexuais das forças armadas, de empregos públicos no governo federal e de empregadores privados que faziam negócios com o governo federal após a Segunda Guerra Mundial é bem conhecida (Berube 1990; D’Emilio 1983; D’Emilio e Freedman 1989 ; Epstein 1994; Howard 1995). Quando Eisenhower assinou a Ordem Executiva 10405 em abril de 1953, que identificou a “perversão sexual” como base para não contratar e para demitir trabalhadores federais, ele estava estendendo um processo de exclusão e vigilância já em andamento ao nível nacional. (3) Alimentados por ansiedades inspiradas pela guerra fria a respeito de inimigos internos e invisíveis e por ansiedades pós-depressão econômica e pós-guerra sobre normas familiares e de gênero, os ataques a homossexuais e locais de encontros homossexuais espalharam-se pelas esferas local e estadual. (4)

O fator mais importante operando para escolher um grupo dentre vários foi a natureza modificada da repressão pós-guerra. Antes da guerra, a polícia local, os políticos e os reformadores urbanos pensavam no problema como um problema de fairies e butches — o homem visivelmente efeminado e as mulheres masculinas — e as incursões periódicas em bares e prisões por acusação eram conduzidas com esses tipos em mente. Além disso, a maioria das prisões e assédio ocorria em áreas da classe trabalhadora e fazia parte de uma tentativa geral de policiar a cultura da classe trabalhadora e aplicar noções da classe média de moralidade familiar e pública sobre imigrantes e afro-americanos (Chauncey 1994; Mumford 1996). Como Chauncey (1994: 177) argumenta, em Nova York isso “deixou a maioria dos homens em segurança, escondidos, e facilitou o encontro de amigos em restaurantes por toda a cidade sem provocar a atenção de pessoas de fora”. Também reforçou as diferenças entre subculturas de gays na cidade.

Após a guerra, a natureza da vigilância mudou. Embora os gays ainda fossem estereotipados com base na inversão de gênero, a definição de elite de homossexual havia mudado. Os psiquiatras conseguiram avançar a visão do homossexual desconectada do estilo de gênero e dependendo da escolha de objetos sexuais. (5) Em essência, essa nova definição ignorava as diferenças nas subculturas e incluía todos em seu abraço pérfido. Além disso, no contexto das ansiedades acima mencionadas e do aumento das capacidades de vigilância do governo, isso significava que todas as pessoas que tinham desejo pelo mesmo sexo estavam em risco e precisavam ser erradicadas. Em essência, o objeto de ataque passou daqueles que “sem passabilidade” para aqueles que passavam. Ambos os grupos agora eram vistos como incorporando um tipo de personalidade distinto. Para definir esse tipo de personalidade, os governos locais adicionaram leis de psicopatia sexuais à lista de leis que proibiam a aquisição e o uso de roupas inapropriadas ao próprio gênero. Estas eram leis de sodomia que permitiam encarceramento indefinido por doença mental e que exigiam registro do encarcerado como agressor sexual.

As forças de controle social desencadeadas pela Segunda Guerra Mundial e o ataque pós-guerra a populações, grupos e culturas dissidentes e desviantes tiveram duas consequências dramáticas para pessoas com desejo pelo mesmo sexo. Primeiro, essas forças os trataram da mesma forma e, portanto, deram-lhes causas comuns. Segundo, essas forças conseguiram concluir um processo que já estava em andamento nas subculturas da classe média de homens e mulheres gays; isto é, definiram o grupo de maneira semelhante à compreensão usada pelos homens e mulheres ‘queer’ da classe média nas décadas de 1920 e 1930. Obviamente, essa definição foi acompanhada por uma série de significados negativos que não existiam nessas subculturas emergentes. (6)

Como veremos abaixo, essas forças e significados afetaram inclusive as primeiras organizações de defesa política e social duradouras para lésbicas e gays. A Mattachine Society, a organização para homens, e as Daughters of Bilitis, a organização para mulheres, distanciaram-se das pessoas, interesses e estilos de muitas das subculturas eróticas e aceitaram as categorias de homossexuais de classe média. No entanto, eles forneceram apoio social e recursos organizacionais para reformular o significado da categoria de um rótulo negativo para um positivo (ou pelo menos moralmente neutro).

Como Foucault (1990) e outros apontaram (Namaste 1994; Weeks 1989), a categoria “homossexual” era primariamente uma categoria imposta externamente — primeiro na sexologia e depois nos campos do conhecimento judicial e psiquiátrico. Ela é imposto como parte de um projeto de construção de Estado muito maior de uma classe média profissional. Como demonstra a dinâmica interna das organizações gays, essa categoria foi extremamente poderosa na organização da identidade coletiva inicial e contínua do movimento. Como demonstrado acima e como elaborado abaixo, essa categoria imposta externamente ecoou pelo menos em um segmento de “pessoas queer” nos Estados Unidos do meio do século XX.

Esse processo de rotulagem não foi fácil ou automático; forças repressivas tiveram que lidar com comunidades já existentes e definidas, pelo menos em parte, em oposição a essas forças repressivas. De fato, muitos relatos do desenvolvimento de comunidades lésbicas e gays locais documentam a formação de culturas de oposição e atos de resistência diante dos sempre presentes agentes de controle social (Beemyn 1997; D’Emilio 1981; Garber 1989; Kennedy e Davis 1993 Nestlé 1987). Esses relatos ilustram, no entanto, que era mais fácil resistir aos significados negativos inerentes ao rótulo do que resistir ao próprio rótulo. Aqueles que criaram a categoria homossexual — os psiquiatras — tinham o poder de manter o rótulo, uma vez que eram apoiados pelo poder do governo, da polícia e dos tribunais. Essa situação apresentava aos homossexuais um dilema: se eles queriam contestar coletiva e publicamente os significados negativos associados à categoria, eles precisavam fazê-lo usando a categoria compreendida publicamente, uma categoria que que possuía inflexões de classe em sua criação e operação. ( 7)

Ação coletiva e identidade de grupo na classe média

As primeiras organizações de lésbicas e gays dedicadas a mudar o status do homossexual na sociedade nos anos cinquenta e sessenta aceitaram muitas das definições e entendimentos usados ​​pelo establishment psiquiátrico. Tanto a Mattachine Society quanto as Daughters of Bilitis entendiam a ‘pessoa homossexual’ de maneira semelhante aos psiquiatras — como um problema, situação ou condição individual (D’Emilio 1983; Timmons 1990). De fato, uma das principais atividades da Mattachine Society durante os anos cinquenta e sessenta foram palestras de psiquiatras e médicos simpátizantes sobre como entender e aceitar a homossexualidade. As Daughters of Bilitis (DOB) eram principalmente uma estrutura de apoio às lésbicas de classe média que lutavam com as questões de emprego, casamento, papéis de gênero e isolamento (Gorman, 1985). Para a DOB, a noção de lésbica não incluía lésbicas da classe trabalhadora do tipo butch/ femme. De fato, um dos fatores motivadores para a formação da DOB foi a criação de um espaço onde as mulheres pudessem se encontrar, que não os bares frequentados por lésbicas da classe trabalhadora (Tobin e Wicker 1975: 50). Assim, o enquadramento inicial das organizações de gays e lésbicas contribuiu ainda mais para desmembrar os homossexuais como um grupo das várias comunidades nas quais os homossexuais estavam enraizados e reforçou ainda mais as distinções implícitas no binário hétero/homo.

Evidentemente, isso não quer dizer que a Mattachine ou as Daughters of Bilitis aceitassem inequivocamente a visão patológica dos homossexuais mantida por muitos membros do estabelecimento médico e da sociedade em geral. Alguns capítulos o fizeram (7b); alguns não. Aqueles que o fizeram acabaram tornando-se essencialmente grupos de apoio que procuravam demonstrar para si mesmos e para os outros que, apesar de sua patologia, podiam ser “bons” cidadãos. Os que não o fizeram aderiram à noção de que o preconceito social era a causa raiz do problema do homossexual. O que todos aceitaram, no entanto, foi a característica definidora do grupo que alegavam representar. Como declarou a liderança da classe média da Mattachine em 1954, “a variante ‘sexo’ não é diferente de ninguém, exceto no objeto de sua expressão sexual” (citado em D’Emilio 1983: 81). Da mesma forma, uma das fundadoras da Daughters of Bilitis observou que “a única diferença dela [da lésbica] reside na escolha da parceira amorosa” (citado em D’Emilio 1983: 113). Para defender esse caso, essas organizações aproveitaram todas as oportunidades: a pesquisa de Kinsey, que tratava a atividade homossexual e a atividade heterossexual no mesmo continuum sem juízo de valor; A pesquisa de Evelyn Hooker, que mostrou que os homossexuais não eram mais propensos a sofrer de transtornos mentais do que os heterossexuais. As organizações também repreenderam os elementos da subcultura que ameaçavam minar sua visão: a representação butch/femme na comunidade lésbica; a teatralidade camp e a drag na comunidade homossexual masculina; o mundo submundo dos bares e locais públicos de cruising (Seidman 1993: 126–127; Streitmatter 1995). Com toda essa atividade, o homossexual era visto como um indivíduo, não como um membro de um grupo.

O fato de essas novas organizações homofílicas adotarem uma definição que surgiu pela primeira vez na classe média profissional nas áreas urbanas nas décadas de 1920 e 1930 não é surpreendente, dada a composição de classe de seus líderes. Os fundadores da Mattachine “reconstituída” em 1954, Ken Burns e Hal Call, tinham formação superior e ocupavam cargos profissionais: Burns como engenheiro; Call como jornalista. As duas fundadoras das Daughters of Bilitis, Del Martin e Phyllis Lyon, também tinham formação superior e trabalhavam como editoras de um periódico profissional quando se conheceram no início dos anos cinquenta (Tobin e Wicker 1975: 51).

Ao insistir que “a única diferença” era o objeto do desejo, ambas as organizações ignoraram implícita ou explicitamente a diversidade de classes, raça e erótica que existia nas subculturas dos homossexuais. Com os poucos recursos que possuíam durante os quinze anos anteriores a Stonewall, Mattachine e DOB puderam iniciar boletins e revistas, realizar reuniões regulares e formar conferências em todo o país; em uma palavra, foram capazes de afirmar e explicar uma definição do grupo que era atraente para pelo menos algumas pessoas com desejo pelo mesmo sexo. (9)

O movimento dos direitos civis nos EUA forneceu ao nascente movimento gay a linguagem e a política de grupos minoritários. Além disso, o movimento pela igualdade dos negros se mostrou bastante sedutor para muitos homens e mulheres de classe média que foram cativados por sua energia e pela atenção que receberam. Alguns dos membros das Daughters of Bilitis e da Mattachine Society foram participaram das lutas pela liberdade dos negros, e esses ativistas começara, a usar a linguagem da discriminação, direitos civis e das oportunidades iguais em suas marchas para protestar contra a discriminação aos homossexuais nas forças armadas e no governo federal (Marcus 1992; Streitmatter 1994; Timmons 1990: 220). Adotar um modelo de grupo minoritário não mudou a definição do grupo como “pessoas com desejo pelo mesmo sexo”. Em vez disso, incentivou uma leitura da homossexualidade não como uma categoria interna ou psiquiátrica, mas como uma categoria externa ou política. Nada captura melhor essa mudança do que a declaração de “sair do armário” para anunciar a homossexualidade. Em vez de ocultar a “condição de homossexualidade” (isto é, tratá-la como uma característica de nível individual), o movimento gay promoveu o preenchimento dessa categoria médica de homossexualidade com características de identidade positivas baseadas em características de grupo. O binário hétero/homo permaneceu intacto, mas os significados associados à categoria homossexual passaram a ser desfiados ou, pelo menos contestados.

Apesar do breve interlúdio da libertação gay de 1969 a 1973, que questionou os entendimentos dos grupos minoritários e deu origem a um conjunto de entendimentos inerentemente desestabilizadores, o modelo dos grupos minoritários emergiu como dominante desde meados da década de 1970 até o início dos anos 90 (Epstein 1987; Seidman 1993). Fundada em 1973, a National Gay Task-Force (Força-Tarefa Nacional Gay), por exemplo, subscreveu-se à noção de gays como um grupo minoritário e definiu sua agenda estritamente como sendo a luta pelos direitos civis dos gays, com pouca ou nenhuma referência a questões que haviam se mostrado provado tão centrais (e tão tumultuadas) para os libertacionistas gays: raça; classe; poder; estilo sexual; ou performance de gênero (Duberman 1996; Marcus 1992: 257259). Os fundadores da organização, Bruce Voeller e Ron Gold eram brancos de classe média que estavam frustrados com a desorganização e postura da política libertacionista e pensavam que o foco em questões de classe, raça e estilo sexual era parcialmente responsável pela desorganização e falta de sucesso da libertação gay (Duberman 1996: 62). Eles pensaram que um foco mais restrito em questões de discriminação e preconceito seria uma estratégia mais produtiva para o movimento e facilitaria a coleta de recursos necessária para uma organização nacional. A consequência, é claro, foi que essa estratégia reforçou a natureza de classe média do movimento e reabilitou o binário hétero/homo que havia sido brevemente questionado pela libertação gay. (10)

Libertação gay e a desestabilização da identidade de grupo

Como o movimento de libertação gay de 1969 a 1973 emergiu da nova política de esquerda (new left), do feminismo e do ethos de libertação sexual e pessoal da contracultura, surgiram diferentes entendimentos do “homossexual”. Havia também desafios diretos para a autoridade da polícia, do estado e dos estabelecimentos médicos (Altman, 1993; Teal, 1971). No processo de desafiar muitas das instituições dominantes durante esse período, foram criadas várias outras compreensões da identidade gay que estavam enraizadas na opressão, libertação sexual e no heterossexismo (Valocchi, 1999). Não surpreende que a composição de classe desse breve interlúdio liberacionista fosse muito diferente do que veio antes e do que veio depois.

O epítome organizacional da libertação gay, a Frente de Libertação Gay (GLF, por suas siglas em inglês), via a opressão gay como simplesmente uma face de uma opressão abrangente que afetava pessoas que trabalham, minorias raciais e mulheres. Aos olhos da GLF, os gays não deveriam ser vistos como um único grupo coeso, mas como uma coletividade frouxa cujo “desvio” ligava seus membros a outras pessoas com pouco poder e cujos interesses seriam atendidos por uma reestruturação total das instituições sociais. (Altman, 1993). Outra organização que surgiu após Stonewall, a Aliança de Ativistas Gay (GAA, em inglês), tinha membros especialmente afetados pela contracultura e ampliou a definição de seu grupo para incluir travestis e transexuais (Marotta 1981). Pegando em outros temas contraculturais, alguns ativistas de ambas as organizações consideraram o grupo ainda mais poroso e maleável ao falar da necessidade de libertar o homossexual em todos nós — promover um “erotismo corporal difuso” (Seidman 1993: 113 Wittman 1992). As mulheres definiram o grupo primeiro em termos de gênero — ou seja, por seu feminismo. Para algumas, o lesbianismo tornou-se a prática política associada à libertação de instituições e práticas patriarcais (Echols, 1989). Muitas preferiam, ao rótulo de lésbica, o de “mulher identificada com mulheres” (Jay e Young, 1992). Em essência, esses entendimentos e análises desafiaram a noção central do homossexual, definida pela escolha de objeto sexual, e a noção correspondente de um binário hétero/homo.

Também durante esse período, o movimento “mordeu a mão que o nomeou”, construindo críticas e lançando ataques políticos dirigidos contra o governo, a medicina e a polícia. Parte dessa ofensiva tratava simplesmente de mudar o significado da categoria ‘homossexual’, uma vez que as organizações de gays e lésbicas afirmavam o direito do homossexual de ser livre de discriminação e assédio no emprego, em casa e em espaços públicos. Outra parte, no entanto, foi um esforço por parte das próprias organizações para assumir o controle sobre o processo de nomeação. Parafraseando uma declaração feita durante um dos ataques à psiquiatria em 1970, “estamos convencidos de que um piquete e uma dança farão mais pela grande maioria dos homossexuais do que dois anos no sofá [do psiquiatra]” (citado em Altman 1993: 118) Está implícita nesta declaração a afirmação de que o estabelecimento médico não poderá mais definir quem somos; em vez disso, essa definição virá de processos e atividades dentro do próprio grupo.

Não é de surpreender que o momento de libertação gay que produziu esses entendimentos desestabilizou o binário hétero/homo, e talvez tenha sido o momento com mais diversidade de classe na história do movimento. Os homens e mulheres que se tornaram a linha de frente do movimento de libertação gay nesses primeiros anos (1969 a 1973) foram retirados de muitos lugares, alguns do antigo movimento homófilo, alguns do feminismo, alguns da nova esquerda e outros da a contracultura (Bravmann 1997; Duberman 1993; Jay e Young 1992). Como Jay e Young (1992) apontam, os liberacionistas gays vinham da classe trabalhadora e da classe média e incluíam afro-americanos entre suas fileiras. Além disso, e importante em termos de composição de classe, muitos liberacionistas gays eram jovens e mergulhados na contracultura (Binkey, 1994). Implícita nessa contracultura havia uma crítica de classe, como também aspirações de classe. Independentemente de suas futuras posições de classe, muitos liberacionistas gays na época rejeitaram ativamente o privilégio de classe e viram a libertação gay como parte dessa rejeição generalizada. Assim, por um breve período de tempo, a natureza com inflexões de classe da identidade lésbica e gay foi ativamente contestada.

Discussão e conclusão

A identidade gay que Allan Berube aprendeu no início dos anos 1970 foi o resultado de um processo de quase um século em que forças de controle social externo emanavam dos imperativos do capitalismo reformista combinados com ansiedades de gênero nas comunidades de classe média para produzir a ideia do homossexual como sendo definido pelo desejo pelo mesmo sexo e pela divisão essencialista do binário hétero/homo. Em resposta às mudanças econômicas e sociais do início do século XX, os ‘queers’ e os ‘heterossexuais’ da classe média começaram a se distanciar de seus colegas da classe trabalhadora e das minorias. Para os queers, esse distanciamento assumiu a forma de reivindicar a homossexualidade exclusiva, sem as armadilhas de gênero ou estilo sexual associadas ao desejo pelo mesmo sexo em outras comunidades. Esse entendimento de classe média se encaixava nas categorias médicas que se desenvolviam ao longo do século XIX e início do século XX, um processo que teve suas raízes nos esforços dos profissionais da classe média para reivindicar a solução dos problemas sociais que acompanham uma sociedade de mercado capitalista. Uma vez que essa nova definição de homossexualidade da classe média obteve o apoio explícito do estado com a Segunda Guerra e a Guerra Fria, o rótulo foi inscrito na cultura, na lei e na consciência popular. Como Berube intuiu, e como argumenta a análise aqui, a criação da identidade coletiva gay era um processo com inflexões de classe — um processo que não pode ser investigado à parte da dinâmica do capitalismo e do papel do Estado no monitoramento, assistência ou alteração dos processos do mercado capitalista.

A linguagem de grupo minoritário adotada por Berube e por outros durante os anos setenta para redefinir e politizar a identidade gay era bem adequada ao estilo americano de política de grupos de interesse, em que grupos definem seus interesses no campo político e depois se juntam às lutas para que uma política pluralista atenda a esses interesses (Epstein 1987; Gamson 1995). Além disso, essa linguagem era adequada à era do capitalismo reformista que atingiu seu ápice contraditório na década de 1960. À medida que o Estado se tornava uma instituição cada vez mais importante na abordagem de problemas econômicos e sociais — um processo iniciado pela classe média profissional nas duas primeiras décadas do século e depois empurrado em uma direção mais igualitária pelas insurgências populares da década de 1930 — tornou-se o alvo natural para grupos politicamente marginalizados. O grupo principal, é claro, era afro-americano. Com a mobilização parcialmente bem-sucedida dos negros na década de 1960, sua linguagem se tornou muito atraente para outros grupos em posições semelhantes de subordinação. A linguagem dos grupos minoritários falava bastante alto para afro-americanos de classe média no movimento dos direitos civis, mulheres de classe média no movimento feminista e homens e mulheres de classe média no movimento de lésbicas e gays; envolvia apelos à incorporação, proteção estatal ou mudanças nas práticas estatais, para que os membros do grupo subordinado pudessem usufruir plenamente dos benefícios da sociedade capitalista.

Para os gays desde a década de 1970, essa linguagem de grupo minoritário interagiu com o ethos consumista do capitalismo para reformular a dinâmica de uma identidade coletiva de lésbicas e gays. Como sugerido acima, a linguagem do grupo minoritário reforçou a noção de classe média de uma identidade gay essencializada e a distinção entre gays e heterossexuais. Diferentemente da situação dos afro-americanos, para os quais uma das principais fontes de repressão estava restringindo o acesso ou negando oportunidades a uma população já visível e segregada, os gays operavam com a opressão do “armário”, pela qual as proibições estatais e culturais incentivavam as pessoas a esconder seus próprios desejos sexuais, relacionamentos e redes. O movimento lésbico e gay dos anos setenta foi construído para quebrar o armário — na noção de sair e reivindicar a identidade essencializada. Como essa identidade tinha pertencido ao âmbito privado por tanto tempo, a principal tarefa do movimento foi construir um conjunto de instituições sociais, práticas e tradições culturais que afirmavam uma identidade pública (Adam, 1987). A esfera pública era uma esfera comercializada e, dessa maneira, novas oportunidades pareciam permitir ganhar dinheiro comercializando a identidade, criando bares, lojas e bairros que atendiam às pessoas que possuíam essa identidade e desenvolvendo produtos, imagens e entretenimentos que tornavam-se a personificação dessa identidade (Escoffier 1997). As categorias que forneceram a Allan Berube a matéria-prima para sua identidade gay foram criadas pela dinâmica contraditória do capitalismo reformista; as categorias disponíveis agora derivam da dinâmica do capitalismo de consumo.

À medida que os anunciantes olham para os nichos de mercado, aprendem que a identidade pode ser mercantilizada, comercializada e vendida. Basta olhar para as revistas nacionais da imprensa gay para ver essa dinâmica em operação. Tudo, desde Absolut Vodka, Olivia Travel, Tzabaco Clothing e Kiehl’s Skin Care Products, envia a mensagem de que, se você compra o produto ou consome o serviço, está fazendo isso junto com muitas outras pessoas gays: na verdade, se você é realmente ‘gay’ ou ‘lésbica’, você consumirá essas mercadorias. Obviamente, nem todos os gays têm renda suficiente para fazer isso, confundindo implicitamente renda com uma identidade gay valorizada. Assim, como Gluckman e Reed (1997: 7) afirmam: “… o mercado está cortando todos os segmentos da comunidade gay que não são de classe média alta, (principalmente) brancos e (principalmente) homens”. Essa “fatia do mercado” reforça a ideia de uma população definida de maneira restrita e com uma agenda definida de maneira restrita. Mais importante, ele muda sutilmente a natureza da identidade gay de uma categoria política que requer análise e ação para uma categoria de consumidor que requer dinheiro e atenção constante aos ventos cambiantes da moda e estilo gays.

Assim como o capitalismo reformista forneceu a base sobre a qual uma geração anterior de lésbicas e gays resistiu a alguns dos significados negativos associados ao desejo e práticas do mesmo sexo, o capitalismo de consumo pode conter as sementes de uma resistência semelhante. A descoberta dos ‘gays’ pelos anunciantes e pela indústria do entretenimento levou a uma proliferação de imagens explicitamente gays e lésbicas na sociedade em geral e a um nível sem precedentes de visibilidade cultural para lésbicas e gays. Essa visibilidade poderia servir de trampolim para a organização de novos movimentos sociais e para novos repertórios de ação coletiva do movimento. Além disso, algumas estratégias de publicidade podem inadvertidamente suavizar as margens de categorias sexuais discretas e, assim, abrir novas oportunidades para que o movimento se afaste de uma política de identidade estreita para uma política de coalizão mais inclusiva. Em suas tentativas de expandir seus mercados, os anunciantes geralmente tentam expandir o nicho do consumidor e codificar a publicidade para que ela fale simultaneamente com heterossexuais e homossexuais. Clark (1993: 188) refere-se a essa estratégia como publicidade da vitrine gay, onde os anunciantes pesquisam dados demográficos, hábitos de compra e variáveis de atitude e criam estilos de vida generalizados para os consumidores que são lucrativos. Isso é realizado com mais frequência no mundo da moda, música e entretenimento, onde um interesse coletivo em estilo e performance pode servir para embaçar as fronteiras entre gays e heterossexuais e normalizar o que foi visto como uma identidade sexual desviante. As identidades tornam-se não algo inerente às pessoas, mas algo escolhido como moda (Clark 1993: 199). É certo que essa é uma base fina sobre a qual resistir ao binário hétero/homo, mas as políticas recentes de grupos como Queer Nation e ACT UP, com ênfase em apagar os limites e em uma política da performance, sugerem que existe esta possibilidade. O desaparecimento desses grupos em meio a acusações de racismo, sexismo e classismo, no entanto, sugere, todavia, que a natureza da identidade coletiva gay ainda étem inflexões de classe. Também nos lembra que será necessário ir além das possibilidades inerentes ao capitalismo de consumo para construir ativamente noções mais de maior coalizão e de oposição à identidade coletiva de lésbicas e gays.

Agradeço aos revisores anônimos do Social Problems por seus comentários e sugestões. Um agradecimento especial a Josh Gamson por sua cuidadosa leitura de vários rascunhos deste artigo e por seus úteis comentários e críticas ao manuscrito. Correspondência direta para: Steve Valocchi, Departamento de Sociologia, Trinity College, Hartford, Connecticut 06106. E-mail: stephen.valocchi@mail.trincoll.edu

Notas:

1. Algumas pesquisas veem o movimento gay como emblemático de um novo movimento social não enraizado na subordinação econômica, mas enraizado na necessidade pós-escassez de reconhecimento pessoal e cultural (Cohen, 1985; Kriesi et al., 1995). Não surpreendentemente, esta pesquisa vê o movimento gay, bem como outros novos movimentos sociais, como possuindo uma natureza de classe média, movimentos que recebem seu ímpeto daqueles que têm os recursos da classe média de tempo, dinheiro e acesso. Esta pesquisa pressupõe o que deve ser explicado: Por que as pessoas da classe média tendem a dominar especialmente quando havia outras pessoas que reconheciam e resistiam à “opressão”? Além disso, como essa dominação afetou as maneiras pelas quais o movimento estruturou seus problemas e definiu sua identidade coletiva?

2. Vemos os interesses de classe afetando o processo de mobilização de outros movimentos sociais, notadamente o movimento pelos direitos civis e o movimento feminista (Bloom, 1987; hooks, 1981; Moraga e Anzaldua, 1981).

2b. Nota da tradução: Mantivemos os nomes no original, por tratar-se de termos ligados especificamente ao contexto cultural e à gíria das comunidades transviadas estadunidenses. Traduzindo literalmente, temos: pansies e fairies (amor-perfeito e fadas), husbands (maridos), trade (operário), jockers (esportistas) e queers (transviados). No contexto das comunidades de mulheres, teremos ‘kikis’, butches (masculinas), as femmes (femininas) e as “crossing women” (mulheres cruzadas).

3. Essa ordem se aplicava a todas as agências e departamentos do governo federal e a todas as empresas ou corporações privadas com contrato governamental. Berube (1990: 269) estima que a ordem se aplicou a mais de 20% da força de trabalho em 1953.

4. Várias mudanças políticas, econômicas e culturais criaram essas ansiedades: a destrutividade da bomba atômica; a ameaça soviética; aumento do emprego das mulheres fora de casa; o crescimento do estado; e mudanças populacionais (D’Emilio e Freedman 1988; Epstein 1994; Faderman 1991).

5. A mudança na definição dominante da homossexualidade ocorreu muito rapidamente. Em pesquisas realizadas durante a década de 1930, psiquiatras e psicólogos “assumiram que o comportamento sexual estava ligado à expressão de masculinidade ou feminilidade do indivíduo” (Terry, 1990: 318). Em 1943, essa definição havia mudado de uma que enfatizava a inversão de gênero para outra que enfatizava a escolha de objetos sexuais (Berube e D’Emilio 1984: 761).

6. D’Emilio e Freedman (1988: 292–293) observam que as autoridades médicas, a psiquiatria e o estado nesse período concordaram que “os homossexuais não tinham estabilidade emocional e que sua fibra moral havia sido enfraquecida pela indulgência sexual. A homossexualidade assumiu a forma de uma doença contagiosa que põe em risco a saúde de quem se aproximou “.

7. Gamson (1995) aponta para um dilema semelhante para o movimento queer dos anos 90. Para uma discussão geral desse dilema, veja Epstein (1987).

7b. Nota da tradução: As organizações regionais da Mattachine Society e da DOB se chamavam ‘capítulos’.

8. A Mattachine Society “se reconstituiu” em 1954 como uma rejeitando a abordagem de minoria cultural ao “problema homossexual”. Essa abordagem via as condições dos homossexuais como análogas às da classe trabalhadora e dos afro-americanos. Os dissidentes rejeitaram essa analogia e os líderes da organização que insistiram nessa analogia (ver Hay 1996). (Nota da tradução: A primeira abordagem da Mattachine Society era fruto das análises de seu fundador, Harry Hay. Hay, que tinha sido membro da direção e continuava ligado informalmente ao Partido Comunista dos EUA tentava analisar a homossexualidade a partir das análises políticas do PC nos anos 1930. Num esquema um tanto mecanicista, a análise, que tratava os homossexuais como uma ‘minoria’, colocava, não obstante, esses numa rota de possível coalizão com as lutas da classe operária lideradas pelo PC. Hay foi expulso da Mattachine Society por suas posições comunistas quando houve o que Valocchi chama de “reconstituição”, que marcou a guinada essencialista e de classe média nas análises da Mattachine.)

9. Os materiais de arquivo disponíveis para a Mattachine Society de Nova York, bem como para a variedade de conferências regionais patrocinadas pela Mattachine New York ao longo da década de 1960 fornecem amplo testemunho da natureza de classe média do movimento na época. Os homens e mulheres envolvidos nessas atividades, em sua maioria, tinham empregos de colarinho branco, horários flexíveis, acesso a material de escritório, equipamento mimeográfico e assim por diante. As organizações eram dirigidas de acordo com as Regras de Roberts do procedimento parlamentar. Mesmo durante as poucas manifestações públicas patrocinadas por Mattachine e DOB, um rigoroso código de vestimenta da classe média (ternos e gravatas para homens; vestidos e saltos para mulheres) foi aplicado. (Nota da tradução: As ‘Regras de Roberts’, ou, em inglês, Robert’s Rules são um conjunto de regras e procedimentos parlamentares usado pelo congresso estadunidense.)

10. Durante a década de 1970, o NGTF (sigla em inglês para a Força-tarefa Nacional Gay) seria acusada periodicamente de ser elitista e ‘desconectada das necessidades de lésbicas e gays comuns. . . e pouco disposta ou incapaz de adotar culturas não-brancas ou da classe trabalhadora “(Duberman 1996: 74). Essa acusação ressoou ainda mais quando o conservador gay e empresário de Seattle, Charles Brydon, foi eleito para o conselho da NGTF em 1979 (Duberman 1996: 75; Marcus 1992).

Referências

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