Arte minha

Mônica Wanderley
Marie Curie News
Published in
8 min readApr 27, 2019

Artistas para conhecer

Ser reconhecido pela sua excelência profissional é o objetivo de quase todas as pessoas que entram na faculdade com o desejo de praticar o que aprendeu. Mas esse objetivo fica um pouco mais complicado quando se é mulher. Seja em profissões consagradas (como medicina) ou em tarefas majoritariamente femininas, mas que são assumidas por homens ao ganhar um status mais glamouroso (como chefs de cozinha), o número de mulheres que se destacam na sua profissão é sempre bem menor se comparada aos pares do sexo masculino. E no campo artístico isso não é diferente.

As artes plásticas são lar de muitas mulheres talentosas e inovadoras. O Brasil, em especial, vem produzindo e alimentando uma geração de artistas contemporâneas que alcançaram destaque mundial por terem uma produção sui generis e muito autoral.

Os quadros pintados por essa turma têm valores bem gordinhos e os nomes delas figuram entre as referências do cenário artístico mundial. Mas nem tudo é tão colorido assim.

Um grupo chamado Guerrilla Girls — em livre tradução, Meninas da guerrilha –, que existe desde 1984, produziu uma série de 30 cartazes para provocar uma reflexão sobre a participação das mulheres nas artes. Num deles, a pergunta estampada era:

“As mulheres precisam tirar a roupa para entrar no museu?”.

Acontece que a realidade dentro de alguns dos maiores museus do mundo é bastante dura: menos de 5% dos artistas nas seções de arte moderna dos museus são mulheres. Mas 85% das pinturas de nus retratam modelos do sexo feminino.

De um jeito simples, a mensagem das ativistas do Gorilla Girls é: nas artes, o lugar da mulher seria passivamente deitada, posando nua como modelo. E está na hora de sacudir essa ideia tão empoeirada. As artistas estão aí, trabalhando, expondo e apresentando um mundo novo. Vamos a elas:

Carioca, 53 anos.


Já expôs em galerias e museus nacionais e internacionais. Assinou exposições na Bienal de São Paulo, na Tate Modern, em Londres e no MoMa, em Nova Iorque.Tão premiada, quanto controversa, Adriana Varejão trabalha bastante com azulejos. A ideia da artista é promover releituras de elementos da cultura brasileira, mas que chegaram aqui via colonização.

É vista como uma das mais bem-sucedidas artistas do circuito mundial. Em 2011, o crítico de arte Jotabê Medeiros noticiou no jornal O Estado de S. Paulo que sua obra ‘Parede com Incisões à La Fontana II’, foi vendida a USD 1,7 milhão. Se tornou a obra brasileira mais cara a ser arrematada enquanto o autor ainda está vivo. O recorde anterior era de outra mulher: Beatriz Milhazes, que, em 2008, vendeu ‘O Quadro Mágico’ por USD 1 milhão.

Em Inhotim, distrito de Brumadinho, perto de Belo Horizonte, existe uma coleção bem completa das obras de Adriana que podem ser vistas aqui. Além do museu a céu aberto, outra opção é essa coleção aqui, que oferece um panorama bem completo do traço e da proposta da artista carioca.

Baiana. Faleceu em 1991.


Leticia Parente é um caso verdadeiramente especial. Ao mesmo tempo que tocou sua carreira como química, cientista e professora universitária no Ceará, foi uma artista plástica que propôs questões sobre o papel da mulher na sociedade, com destaque para a atuação durante a ditadura militar (1964–1985).

Talvez seu maior destaque tenha sido na videoarte, área que despontou nos anos 1980. Participou de mostras nacionais e internacionais e suas provocações entraram em coletâneas de artistas contemporâneos no final do século 20. Interessou? Aqui você consegue dar uma olhada de parte das obras em vídeo de Letícia.

Mineira. Faleceu em 1988.


Lygia Clark foi outra campeã de público e crítica. Gostava de dizer que não era artista. Ou melhor, que era uma “não-artista”. Em 2013, 25 anos após a morte da artista, a obra ‘Contra relevo’ foi arrematada, em Nova York, por USD 2,2 milhões. Tornou-se, até aquele momento, a obra mais valiosa de um brasileiro já vendida num leilão. Logo depois, em agosto do mesmo ano, a obra ‘Superfície Modulada nº 4’, também foi a leilão e bateu o recorde de sua antecessora.

Por se autodenominar uma não-artista, Lygia Clark gostava que sua arte fosse usada. Por isso, suas esculturas podem ser manuseadas e manipuladas livremente. Aqui, dá para ver um pouquinho da obra da mineira, que explorou superfícies e ritmos, além do concretismo clássico e das materialidades.

Mineira. Faleceu em 1974.

Nascida em 1924, retratava a vida doméstica e rural, além de danças, festas, carnaval e demais temáticas populares brasileiras.

A artista foi bem ousada ao produzir autorretratos que demonstravam a sua luta contra o câncer, que acabou levando Maria Auxiliadora cedo demais, aos 50 anos. Nesta coluna da revista Raça dá para conhecer mais a vida e a obra dessa artista negra que o Brasil nem sempre homenageia como deveria.

Sérvia, 71 anos.


Uma das artistas mais conhecidas e reverenciadas no mundo, a sérvia traçou relações com o Brasil. Fez, inclusive, um filme ano passado por aqui: ‘Espaço Além’.

Reconhecida como a avó da arte performática, explora a relação do artista com o público, provocando os limites do corpo e da mente. As performances de Marina Abramović são sempre muito polêmicas. Brincou com facas, dançou com uma estrela de fogo, ficou sob efeito de drogas e se colocou à disposição dos espectadores. Tudo isso para trabalhar as relações entre os seres humanos.

Em 2010, uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York ocupou todos os seis andares com uma retrospectiva da carreira da artista. Imagine que Marina ficou, durante os três meses de exposição, disponível ao público. Quem quisesse podia passar um minuto em silêncio, sentado, olhando para ela. O nome dessa obra é ‘O Artista Está Presente’.

Carioca, 75 anos.

Foi uma das primeiras pessoas a trabalhar com vídeos no Brasil, e uma das primeiras mulheres a fazer do audiovisual uma plataforma para as artes. O foco de Regina é a cultura popular e afro-indígena, com as quais trabalhou usando diferentes recursos e formatos ao longo dos anos.

Além dos vídeos, a artista também se embrenhou no com mail-art e na poesia visual. Nas suas instalações ‘Retrotempo’ e ‘Orora’, de 1995 e ‘Cosmologies’, de 1999, dá para ver bem essa faceta. E neste vídeo aqui, é possível conhecer um pouco mais as propostas dessa multiartista, ou interartista, como preferem os críticos de arte.

Japonesa, 85 anos.

Viúva de John Lennon — mas não apenas isso -, tem obras bem interativas e que costumam engajar bastante o público. No ano passado, a mostra “O céu ainda é azul, você sabe…” trouxe cerca de 50 obras da artista para São Paulo. O público fazia fila para ver e também para tocar, mexer, reformular. Yoko trata de guerra e paz, de reconstrução e de novos olhares para os restos, para o que é abandonado e os visitantes adoram, porque são convidados a criar junto com a autora.

Da arte, meio de vida

Se é difícil encontrar um lugar no mercado de trabalho quando se é economista, engenheira, médica, cientista, imagine quando você é artistas. As mulheres das artes, longe de serem reconhecidas como as referências de suas áreas de especialidades, travam uma batalha diária para passar sua mensagem e fazer chegar ao público suas propostas e sua visão de mundo.
Em 2014, o jornal Correio Braziliense trouxe uma reportagem retratando a vida de artistas de Brasília que viviam exclusivamente da sua arte.


“Viver de arte em Brasília, para alguns artistas, é um desafio quase impossível de ser superado. Vontade e empenho nem sempre significam êxito em projetos de manutenção de vida exclusivamente pelas artes plásticas. Dedicação e traquejo são importantes para manter a relação com o público consumidor de arte, que é muito específico em Brasília. (…) Abandonar uma carreira formal, uma função estável como servidor público ou professor, por exemplo, requer mais que vontade, mas a paixão e a certeza de que a arte dará em troca o que for dado por ela é estimulante.

Para alguns, a entrega à arte passa a ser vital, gênero de primeira necessidade, e que ainda precisa atrelar ao processo criativo e libertário a compreensão das exigências do mercado.”

Artistas mulheres sofrem as mesmas dificuldades que os artistas homens e mais uma, que é se colocar nessas listas e figurar como especialistas e referências.

Uma boa medida para começar a virar essa história é prestigiar, sempre que possível, o trabalho das artistas plásticas e multi-artistas que expõem aí na sua cidade. Quanto mais gente conhecer os nomes e as obras, mais as mulheres ganham destaque e mais circulam pelo Brasil e pelo mundo. Prestigiar é uma forma de jogar luz sobre a arte feminina.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 12 de julho de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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