Como Mariana Dias quer modernizar o RH

Marie Curie News
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7 min readNov 30, 2018

De trainee na Ambev a cofundadora e CEO da startup Gupy

Mariana Dias foi escolhida como trainee da Ambev em 2011. Além de ser o início de uma carreira em uma das maiores empresas do Brasil, cujo processo para trainee recebe até 3,3 milcandidatos por vaga, o programa permite que estudantes tenham uma imersão de 10 meses e acompanhem o dia a dia da companhia, desde a fabricação de produtos até as estratégias de negócio. Formada em Administração pela Universidade de São Paulo (USP), a carreira da jovem decolou na cervejaria. Dias adorava a empresa e estava satisfeita com suas responsabilidades, que cresciam a cada nova promoção.

Aí, teve um estalo e resolveu criar um negócio. Pediu demissão, vendeu seu carro e transformou seu estilo de vida para criar algo maior. Mas, ela explica melhor:

“Participei do programa de trainees da Ambev, e isso me ajudou muito; me deu uma visão ampla do que acontece em várias áreas de uma empresa. Fui a primeira a receber a antecipação de sociedade da turma que entrou junto comigo. Todos os anos recebi alguma promoção. No dia em que ganhei esse reconhecimento, falei para o meu chefe que estava querendo sair. Dá para imaginar?”

Três anos depois da decisão, a cofundadora e CEO da startup Gupy lembra que o processo foi acompanhado de uma série de dúvidas. Ela chegou até a colocar em uma planilha os prós e contras de uma eventual saída.

— Sabe o que é mais maluco? Hoje a Ambev é uma das empresas clientes.

A gente volta para essa história daqui a pouco. Por ora, vamos lembrar as pessoas que ficaram para trás.

“Nós ligamos para você.”

Essa é uma das frases mais temidas por qualquer pessoa que passa por um processo seletivo. Talvez até mais do que a negativa, porque gera uma expectativa imensa em quem se disponibilizou para o emprego. Em um cenário com mais de 13,4 milhões de pessoas que procuram a assinatura na Carteira de Trabalho sem sucesso, não é raro que um processo seletivo receba 100 ou mais perfis.

A equação desse cenário imaginário é a seguinte: para cada selecionado, como a Mariana Dias foi no programa de trainee, 99 pessoas ficaram no meio do caminho. Para cada “parabéns, você foi aprovado”, existem, na maioria dos casos, 99 silêncios. Pessoas que, provavelmente, criaram esperanças, repassaram etapas, entrevistas e provas sem saber onde poderiam melhorar ou adequar seus perfis à companhia desejada.

Para quem está do outro lado, a tarefa de encontrar alguém que, muitas vezes, tem conhecimentos muito diferentes de sua área de atuação profissional pode dificultar bastante as coisas. Uma seleção mais “tradicional” costuma levar em consideração informações como idade, formação e pontuação no teste de lógica. E foi essa a oportunidade que fez Dias empreender e criar a Gupy, que oferece uma solução voltada exatamente para a área de recrutamento.

Em um processo seletivo, você precisa cortar gente. Mas o que acontece? O recrutador escolhe candidatos de acordo com os padrões que conhece: idade, universidade, nota nos testes de lógica. Só que esses não são os critérios que definem se uma pessoa performa no dia a dia ou não. Muitas vezes, o profissional encarregado do processo nem sabe exatamente o que a vaga precisa ou não tem tanto conhecimento do departamento para o qual está contratando. Isso cria um processo enviesado.”

Nesse momento, você pode estar se perguntando: “afinal, o que a Gupy faz?”.

A startup paulistana desenvolveu uma solução que utiliza inteligência artificial para tornar o recrutamento mais fácil e rápido. Além de gerenciar todas as etapas que vão desde a criação de vaga até os testes de perfil, a companhia pretende mudar a experiência dos participantes. Atualmente, a empresa processa mais de 1 milhão de matches entre candidatos e vagas. São mais de 200 clientes no Brasil e em mais 5 países da América Latina. A Gupy também foi selecionada para o programa de aceleração da Wayra, que é um hub de inovação da operadora de telecomunicações Telefônica.

Dias conta que o sistema desenvolvido por seu time aprende o que mais funciona para cada vaga com base em comportamentos e big data. É possível quantificar, por exemplo, os candidatos que se mantêm na posição após um determinado período. É assim que a companhia espera retirar qualquer viés nos processos seletivos. E o algoritmo também estabelece um ranking de afinidade com a vaga.

“Nós fazemos um trabalho quase educacional com os profissionais, para que eles entendam a razão para esse ranking e como tornar o processo mais diverso”, explica a CEO da Gupy.

Tá na hora da entrevista. Mas esta não é de emprego.

Como é empreender sendo mulher? Os desafios são maiores?

Os desafios não são maiores. Nunca vi como barreira ser mulher. Na realidade, até chama mais atenção o empreendedorismo feminino, então acaba ajudando. Porém, o que que eu percebo é que, apesar de as barreiras serem parecidas para os empreendedores, as mulheres não têm tanta autoconfiança. A mulher precisa ter 90% de certeza que vai dar certo, enquanto o homem arrisca com 60%.

Qual é o momento atual da Gupy?

Considero que estamos bem no começo, temos um potencial de crescimento grande para o mercado brasileiro e América Latina. As contratações por aqui ainda são feitas de forma tradicional, não existe um processo de melhoria contínua. Seguimos selecionando as pessoas da mesma forma que na época dos nossos pais.

Todo mundo quer uma pessoa boa no time. Nossa missão é ver os candidatos realizados.

Na média, uma vaga é fechada em 70 dias, mais de 2 meses. Com a tecnologia, esse conhecimento de contratação é retido na empresa e segue melhorando sempre por meio do algoritmo, que se adapta às necessidades do time. Esse prazo passa para semanas ou dias.

Como estabelecer diversidade no trabalho e atrair mais mulheres?

Atualmente, temos cinco desenvolvedoras mulheres, e o interessante é que, após contratar a primeira DEV, as outras quatro vieram por indicação. Porque nós criamos esse ambiente para que elas possam se sentir à vontade e se desenvolverem. E o mais importante é que isso fez bem para negócio. Essa primeira programadora chegou com outro olhar, que complementou o time, uma preocupação em deixar o código mais limpo, eficiente.

Isso se resolve também com comunicação. Outro caso é que, há algumas semanas, entrevistamos uma candidata grávida. Ela avisou que estava grávida e tinha várias dúvidas sobre como a gente ia lidar com isso. Eu disse que também não sabia, porque nunca havia passado por essa situação. Mas é conversando sobre essas questões que a gente vai achar soluções e resolver. No final do processo, ela foi contratada.

Aproveitando o tema, conte também sobre uma experiência difícil…

Quando a gente começou a falar sobre inteligência artificial e algoritmos, a maioria das pessoas de recursos humanos achavam que isso ia tirar o emprego delas. E a gente tinha um trabalho muito grande de explicar que não; que, na verdade, as pessoas teriam mais tempo de fazer planejamento estratégico, ajustar times, atividades essenciais na área. Hoje, em 2018, vejo que estávamos certos de, há 4 anos, pesquisar sobre algoritmo e inteligência. Eu percebo a evolução dessa área e penso ‘que bom que a gente não desistiu’.

Para finalizar, o que ninguém diz sobre fundar uma empresa?

Todo mundo acha que preferimos ficar com o dinheiro sempre que recebemos um aporte ou coisa do tipo. Mas nosso foco mesmo é pegar o investimento e contratar pessoas. Aqui na Gupy tem gente que ganha o dobro que eu. Isso porque estou em outro momento, de fazer o bolo crescer. E eu ainda não ganho meu salário da época da Ambev. Tenho uma empresa com mais de 50 funcionários, e há muita gente aqui que ganha mais ou até o dobro que eu.

A função de um fundador é puxar a empresa, manter a energia alta e as pessoas, motivadas. Você tem que acreditar fortemente em alguma coisa para se manter firme em tempos de incertezas. E empreender é mesmo uma montanha-russa, mas você precisa passar pelos momentos difíceis sem desistir. Um CEO, além de ser a visão de uma empresa, deve ser capaz de transmitir o que deseja para o negócio a médio e longo prazo e fazer quem está junto compartilhar desse objetivo também.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 15 de novembro de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui

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