Dá trabalho ser mãe

Tiago Alcantara
Marie Curie News
Published in
5 min readMay 9, 2019

O mundo corporativo precisa entender a maternidade

Para algumas mulheres, amanhã o dia será comemorado no trabalho com uma lembrança pelo Dia das Mães, que acontece no fim de semana. Para outras, a data reserva sentimentos mais controversos, algo como um misto de frustração e dúvidas; a principal delas é: será que vou conseguir me recolocar no mercado de trabalho para poder sustentar minha criança?

Kelly Jamal não esconde que a maternidade foi uma das melhores coisas que aconteceram na sua vida. E, também, o maior desafio da sua carreira. Depois de vários anos em uma grande empresa do ramo de comunicação, ela precisou encarar as mais diferentes desculpas em processos seletivos, mas lembra que todas vinham após a famosa pergunta: “você tem filhos?”.

“Me recolocar no mercado foi uma tarefa extremamente complexa. O que abriu portas foi eu sempre estar me renovando como profissional. Quando você trabalha em cima de um orçamento e cuida do seu filho sozinha, o importante é inovar. É o que eu tenho feito diariamente. Nos fins de semanas e nos feriados, fui para o mercado de festas, que é uma coisa de que eu gosto e que me deu uma renda extra extremamente importante.”

Apesar de não contar com a ajuda do pai de Guga (4), a jornalista e autora do blog Mãe de Botas se sai melhor do que grande parte das mães solo que conhecemos: conseguiu fazer uma pós-graduação e encontrou alternativas para complementar seu orçamento. E o suporte da família foi essencial para que ela encarasse essa nova jornada.

Sabemos que nem todas têm a mesma chance.

O motivo para tantas dificuldades é que o mercado de trabalho ainda olha para as mães como profissionais de segunda classe. A história das mulheres que não conseguem voltar para os postos tradicionais de trabalho e são obrigadas a empreender não é nova. Não à toa, algumas delas esperam vários anos até estarem estabelecidas financeiramente para se darem o direito de gerar uma nova vida.

Sabemos que a criação de um filho não é uma responsabilidade só das mães, mas há coisas que precisamos reforçar. Mesmo com a rotina puxada de uma agência, a publicitária Luciana Cattony diz que se manteve no emprego após a maternidade por conta de sua posição sênior e pela estabilidade financeira. No entanto, um episódio trágico a fez empreender.

“Quando meu filho fez 1 ano, perdemos uma priminha de 2 anos. O enterro foi numa quinta-feira. Na sexta eu pedi demissão. Naquele momento, achei que estava fazendo isso por ele, mas a verdade é que estava fazendo por mim, porque eu precisava me sentir mãe. Foi aí que eu comecei a conhecê-lo de verdade.”

Cattony fundou, ao lado da engenheira de produção e especialista em RH Susana Zaman, o Maternidade nas Empresas. A consultoria tem como objetivo ajudar as organizações a avançarem no tema equidade de gênero. A dupla oferece uma série de soluções para trabalhar com um dos principais fatores que impedem a evolução profissional das mulheres: sim, a maternidade.

A resistência existe, mas também existe a mudança. Acreditamos que existem empresas que acreditam no que fazemos.

Zaman conta que um dos mantras da iniciativa é “a maternidade precisa ser vista como impulso, e não como obstáculo”. Ela aponta pesquisas que indicam que as mães desenvolvem mais produtividade e várias das chamadas soft skills — muitas das quais são necessárias no ambiente de trabalho, como liderança e priorização de tarefas.

Durante o trabalho no Maternidade nas Empresas, a dupla colabora com variados tipos de profissionais, em diferentes momentos, para entender como tornar os ambientes mais humanos e acolhedores para as mães e questiona a tal “falta de talento” apontada por muitos gestores. “O que a gente não percebe é que essas organizações expelem do mercado talentos valiosos. Ao mesmo tempo, fala-se de escassez de mão de obra qualificada”, comenta Cattony.

Por outro lado, parte do trabalho da dupla também tem relação com a forma como a própria mulher se enxerga ao voltar para o mercado. Entender que o estereótipo da Mulher-Maravilha não ajuda em nada nesse momento é um ponto crucial.

“As mulheres acreditam que são menos, que emburreceram ou esqueceram suas habilidades para a função que desempenhavam. A mulher tem que despertar essa consciência, esse orgulho de mãe para que esteja confiante na entrevista e no retorno ao trabalho”, comenta Zaman.

Antes de partir, ficamos com esta baita lição compartilhada pelas fundadoras do Maternidade nas Empresas.

PS: só mais uma palavrinha.

Sabemos que a maternidade não se delimita ao trabalho, por isso, vamos dedicar mais três newsletters para esse assunto. Afinal, mãe é assunto sério. Contamos com a colaboração de vocês com comentários, críticas e sugestões .

A gente se vê na semana que vem, Maries.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 9 de maio de 2019. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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