Elas nas urnas

Tiago Alcantara
Marie Curie News
Published in
8 min readMar 7, 2019

O mundo dos palanques nunca foi um espaço convidativo para as mulheres

Brace yourselves: as eleições estão aí

No dia 16 de agosto começou oficialmente o período de campanha para as eleições de 2018, que nesse ano abrange os cargos de presidente e vice-presidente da República, governador e vice-governador de estado e do Distrito Federal, senador, deputado federal e estadual. Cargos estratégicos para o país, cada um à sua maneira, e que têm o poder de afetar direta e indiretamente as nossas vidas.

E, por serem esses posições tão importantes, no mundo ideal elas seriam ocupadas por pessoas com as mais diferentes vivências, para garantir garantir que a maior parte da população teria suas necessidades básicas atendidas . Só que a situação atual está bem longe dessa realidade, especialmente quando falamos do aspecto de gênero.

O atual Congresso Nacional, eleito em 2014, tem apenas 10,94% de parlamentares do sexo feminino. Bem abaixo da média mundial da representação feminina, que fica em 23,8%. Com esse déficit, o Brasil ocupa o 152º lugar entre os 193 países do ranking da Inter-Parliamentary Union.

Não é novidade que o mundo dos palanques nunca foi um espaço convidativo para as mulheres, que tiveram que brigar (e não foi pouco) pelo direito de ir às urnas.

Mas é importante entender o porquê dessa discrepância e o que pode ser feito para mudar, nem que seja um pouco, o panorama geral. Principalmente porque, como dissemos no começo, esses são os poderes que influenciam qual o futuro que teremos pelos próximos anos.

Não é todo mundo que sabe, mas o termo “Feminismo” foi cunhado para descrever a batalha das mulheres pelo direito do voto e propriedade, entre o final do século XIX e o começo do XX. Assim como não podiam eleger representantes, também não podiam ser donas de terras e imóveis, nem ter bens em seu nome . Segundo a pesquisadora Beatriz Preciado, a palavra foi usada pela primeira vez numa tese médica francesa sobre tuberculose, publicada em 1871. Falava sobre como homens diagnosticados com a doença tinham traços “infantis e feministas”, como “cílios longos e pele macia.”

Foi quando as sufragistas do Reino Unido traduziram o termo do francês e começaram a usá-lo para descrever seu movimento. Elas questionavam, basicamente, o fato de as mulheres serem consideradas aptas para liderar a monarquia, mas não poderem exercer o voto. A palavra “feminismo”, assim, ganhou sentido positivo, significando união, justiça social e defesa dos direitos das mulheres.

As sufragistas foram as líderes daquilo que ficou conhecido como a Primeira Onda Feminista, que se espalhou por todo o mundo: Estados Unidos, Reino Unido, Suécia, Pérsia (atual Irã), Holanda, Dinamarca, Austrália, Nova Zelândia.

-> O primeiro país a tornar o voto feminino obrigatório, aliás, foi A Nova Zelândia, em 1893.

Quem liderou a Primeira Onda Feminista foram, majoritariamente, mulheres brancas e de classe média. Importante lembrar que estamos falando do final do século XIX, a escravidão havia sido abolida há pouco de boa parte dos países e a representatividade negra era tratada com preconceito e violência. Entre as décadas de 1960 e 1970, as negras comandaram e participaram em maior número da Segunda Onda Feminista*, que brigava, entre outras coisas, por maior participação feminina na política, na economia e na lei.

Com a união feminina exigindo direitos, nasceu, também, uma oposição a ela , formada tanto por homens, como por mulheres. Diversas propagandas, veiculadas em pôsteres, jornais e revistas nos lembram de como o mundo seria “caótico”. Mulheres indo longe o suficiente para ter o direito de votar, eventualmente, deixariam o cuidado da casa e dos filhos para seus maridos. E “this ain’t no man’s job”, como dizia um dos anúncios.

Alguns exemplos:

No Brasil

As notícias do movimento estrangeiro trouxeram motivação para esses lados: em 1910, surgia o Partido Republicano Feminino do Brasil, fundado pela professora Leolinda de Figueiredo Daltro.

Antes dela, porém, a luta já existia. A primeira mulher a receber o direito ao voto no Brasil foi Isabel de Mattos Dillon. Em 1880, ainda nos tempos do Império, ela evocou uma lei, que determinava que os brasileiros detentores de títulos científicos tinham o direito de votar. Como era dentista, conseguiu incluir seu nome na lista de eleitores do Rio Grande do Sul.

Então, veio a República. A legislação de 1891 determinava que “Apenas cidadãos maiores de 21 anos poderiam votar”. Obviamente, a regra excluía as mulheres.

Foi só em 1932 que as brasileiras ganharam o direito ao voto. Mas nem tanto. Enquanto a lei determinava que os homens alfabetizados eram obrigados a votar, as mulheres poderiam isentar-se da obrigação a qualquer momento. Como elas não eram exatamente independentes naquela época, isso significava que elas poderiam votar se seus pais ou maridos autorizassem.

Ainda demorou para que os direitos ficassem iguais. Quatorze anos depois, o voto foi definido como obrigatório para todos, menos para mulheres que “não exerciam atividades remuneradas.” No início daquela década, a mulher representava 19% da força de trabalho do país.

-> Apenas em 1965 os direitos e obrigações eleitorais se tornaram iguais para homens e mulheres. Considerando que tivemos o Golpe Militar, que durou de 1964 a 1985, é só fazer as contas para ver há quanto tempo mulheres puderam participar da política.

* Para saber mais sobre a Segunda Onda Feminista, assista ao documentário She’s Beautiful When She’s Angry (disponível na Netflix), que conta a história de algumas das líderes do movimento feminista nos Estados Unidos.

“Todo o poder emana do povo”

Não é necessário ir muito longe na Constituição Federal para se deparar a frase acima. Na verdade, ela está bem no primeiro artigo, logo ali em “Princípios Fundamentais” da carta que deveria reger nosso país.

Há uma crise de representatividade em todas as esferas do poder brasileiro. As mulheres, que são maioria da população passam longe de uma porcentagem aceitável no Legislativo, Executivo e também no Judiciário. A jurista Carmen Lúcia Antunes Rocha, por exemplo, é apenas a segunda mulher a ser nomeada ministra do Supremo Tribunal Federal e a primeira a alcançar o cargo de presidente do tribunal mais importante do país.

Fato é que falta diálogo e abertura. Mesmo instrumentos desenvolvidos para equilibrar a situação são utilizados de forma deturpada. Em 1997, a lei eleitoral Nº9.504 passou a exigir que partidos e coligações tenham 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras municipais. No entanto, um levantamento do G1 visando as eleições de 2018, revela que, ao menos, 10% de todas as coligações do país foram registradas sem contar com a quantidade mínima de candidatas em suas chapas.

Pior ainda: há candidatas registradas apenas para que essa quantidade mínima seja preenchida. Como “laranjas” mesmo. Ou seja, os partidos não trabalham em prol da campanha, não há movimentação de dinheiro e nem mesmo votos para a candidata. Nem mesmo o próprio voto dela.

Segundo a especialista em direito eleitoral e professora da Faculdade de Direito do Instituto de Direito Público de São Paulo, Karina Kufa, é difícil identificar
essas candidaturas falsas.

“Tem mulheres que são iludidas pelos partidos, que o partido fala que vai dar suporte e não dá. Tem também mulheres que concordam em ser candidatas para ajudar parentes e amigos. Aí ela fica em casa sem fazer nada, mas se envolve na situação”.

Os resultados dessa falta de incentivo até mesmo para compor uma chapa verdadeira faz com que as mulheres sejam pouco mais de 10% da Câmara dos Deputados, em Brasília. Nos municípios, a proporção é ainda menor: A cada sete vereadores, uma é mulher. Prefeitas também são um artigo raro no Brasil: apenas 10% dos municípios são administrados por mulheres.

Uma das consequências de termos menos mulheres na política é que temos menos propostas e projetos que olhem por nós. Estamos falando de leis que instituam, por exemplo, creches obrigatórias em ambientes de trabalho ou que cobrem das empresas que homens e mulheres recebam o mesmo salário pelo mesmo ofício. Mas não é só isso.

Pense na última vez em que você reclamou dos políticos ou de algo que não funciona bem na sua cidade. Há algum tempo, o país olha para seus representantes sem se reconhecer em cada voto, em cada projeto de lei apresentado. Será que não é o momento de mudar essa abordagem? O tal “poder” emana do povo porque só ele pode votar diferente, participar, se mobilizar.

Tem outra coisa. Não dá para a “pauta das mulheres” ser apenas uma pergunta para um candidato na sabatina para prefeito, governador ou presidente. Da mesma forma, silenciar o conhecimento e a opinião de mulheres sobre economia, saúde e segurança é um baita tiro no pé. Temos brilhantes economistas, sociólogas, professoras, cientistas, mentes, no geral, que são mulheres. Por que não há espaço para elas?

Não precisa ser nenhum gênio para sacar que limitar metade do seu eleitorado a uma nota de rodapé é danoso para a democracia.

O site M de Mulher publicou o que alguns dos principais candidatos à presidência falaram sobre políticas públicas para a mulher, numa sabatina liderada por Luiza Trajano. Vale muito a pena conferir.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 30 de agosto de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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