Fala a idade, sim!

Mônica Wanderley
Marie Curie News
Published in
14 min readApr 30, 2019

Viver não deveria ter prazo de validade

No artigo Porque viver mata, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel dá uma razão científica, mas não menos poética, para o caminho que todos os seres humanos percorrem ao longo de suas vidas:

“Envelhecer é simples, é bonito e é paradoxal . Para a biologia atual, o que nos leva à morte é exatamente o que nos mantém vivos: o metabolismo à base do oxigênio que nossas células respiram.

O que nos envelhece e inexoravelmente leva à morte é o próprio oxigênio que nos mantém respirando: ao mesmo tempo fundamental à vida, mas às custas de nos levar à morte. A vida é, portanto, necessariamente autocontrolada. Para morrer basta estar vivo, de fato.”

Não tem como ser mais direto do que isso. Senhoras e senhores, todo mundo vai morrer. Saber disso deveria nos fazer observar os mais velhos de forma mais doce. Mas, na verdade, eles nos lembram dessa mortalidade. A busca pela juventude eterna, talvez, tenha grande inspiração na ficção. As culturas populares pelo mundo ainda estão cheias de representações para a morte. Em geral, uma mulher idosa, assim como a bruxa que persegue a Branca de Neve.

Envelhecer é inevitável e é um processo que se desenvolve desde o nascimento, mas chega uma época em que a ficha começa a cair.

Um estudo feito pela Dra. Alexa Kimball, da Harvard Medical School e do Massachusetts General Hospital, se propôs a descobrir qual a idade em que as mulheres “descobrem” que estão envelhecendo. Há pouco tempo, especialistas acreditavam que isso acontecia por volta dos 35 anos, quando todos os processos de renovação celular da pele começam a reduzir o ritmo ao mesmo tempo. Mas a pesquisa revelou que não é exatamente assim. Acontece que diferentes processos mudam a cada década, até que você começa a ver o efeito cumulativo da perda de velocidade deles ao mesmo tempo. Essa noção do envelhecimento varia de mulher para mulher e de etnia para etnia. A Marie Claire fez um apanhado sobre os resultados.

Mas o ponto que a gente quer tratar aqui é como essa percepção do envelhecimento é sentida pelas mulheres.

Então fomos perguntar:

“Eu percebi que envelheci quando, antes de sair de casa, minha mãe disse para eu trocar aquela saia, porque, com 32 anos, eu já não tinha idade para uma saia tão curta. Não tirei a saia.”

*

“Eu estava na praia com minhas amigas, fomos tirar uma selfie de perto e foi aí que notei que os pés de galinha haviam chegado para ficar. Porque eu nem estava sorrindo e eles apareciam na foto. Na real, eu não fiquei triste com a chegada deles, sabe? Acho até que eles vieram tarde, estou com quase 40 anos. E vou dizer: sou muito mais feliz comigo hoje do que era com meus 20 e poucos anos. Então, dane-se.”

*

“Acho que foi quando minha filha me chamou de velha, durante uma discussão. Claro que adolescentes falam qualquer coisa para machucar, mas ‘velha’ foi pesado. Eu tinha 46 anos. Apesar de ter filhos grandes, uma ruguinha aqui e outra ali, nunca havia me visto como velha até então. Isso é engraçado, né? Existe uma ideia geral do que é ‘ser velha’, mas não é possível que ela descreva cada santo ser humano na terra que está envelhecendo. Todo mundo está envelhecendo.”

*

“Para mim, alguém de 37 anos é jovem, mas não se essa pessoa quer ser mãe. Nos exames de pré-natal, todo mundo perguntava a minha idade. Falavam que eu era uma exceção, diziam que o bebê poderia nascer com tais e tais questões. Nós, mulheres, lidamos desde sempre com o medo de envelhecer porque temos um relógio biológico tiquetaqueando no nosso ouvindo, dizendo que só vamos poder ser férteis até determinada idade.”

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“Honestamente, foi quando vi meu marido e os amigos dele olhando para uma mesa com mocinhas da faculdade que estavam na mesa ao lado do bar. Fui ao banheiro, me olhei no espelho e senti uma mistura de raiva com tristeza. Depois, quando contei para ele que havia notado os olhares, ele tentou reparar dizendo: ‘amor, você é linda para a sua idade’. O que ser ‘linda para uma idade’ significa, afinal? Sou menos linda porque tenho mais idade?”.

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“Vou resumir assim: entrei na menopausa e entendi, finalmente, o significado de falta de libido.”


*

É perto dos 50 anos que as pessoas começam a se deparar com a perspectiva do fim de sua vida. No entanto, não há uma data marcada de quando essas mudanças psicológicas acontecem. Trabalho e vida familiar influenciam mais do que a idade cronológica, segundo pesquisadores.

Em seus estudos, o sociólogo do Boston College, David Karp, detectou uma diferença na perspectiva que a fase pós-50 oferece para mulheres e homens. Enquanto os homens estão no auge da carreira e começam a pensar em quando vão ter mais tempo para aproveitar suas vidas, as mulheres finalmente criaram os filhos e não veem a hora de sair de casa, estudar ou iniciar um projeto novo. Ele ainda acrescenta sobre o sentimento masculino: “é uma época de liberação, um tempo no qual eles são capazes de contemplar suas vidas de forma mais ampla”.

E, sejamos honestas, a questão é que: “não é divertido envelhecer se você é mulher”. Essa opinião está no livro Fear of Dying, de Erica Jong, ainda sem edição brasileira. A obra trata tanto do medo de morrer propriamente dito — Frank, a protagonista, perdeu os pais e seu marido está gravemente doente — e do medo de envelhecer. Frank diz que odeia envelhecer, mas odeia muito, porque foi criada para acreditar que ela e sua geração estariam cada vez melhor e melhor.

Agora vem a questão: o que é “melhor”?

O conceito de “melhor” pode se referir a inúmeros aspectos: mais bonita, mais ativa, mais rica, mais inteligente? A idade nos impede de sermos “melhores”?

Talvez a mudança mais sensível sentida pelas mulheres seja mesmo na aparência. Ficamos discutindo essa impressão aqui na redação. A Gabi, da equipe de marketing, por exemplo, fala que sente que está envelhecendo porque não fica mais até as 4h da manhã na rua, durante o final de semana. E tudo bem. Mas, no auge de seus 29 anos, acredita que vai realmente perceber o envelhecimento quando encontrar o primeiro fio de cabelo branco ou a primeira ruga. Diz que vai ficar arrasada. Sabendo dessa fragilidade, várias marcas de cosméticos até mesmo envelopam seus produtos com rótulos de anti-idade e anti-envelhecimento. Mas…

Como alguma coisa vai ser “anti”um processo natural do corpo humano?

Ok, sabemos: a ideia por trás desse branding é só mostrar que o produto pode retardar o aparecimento das rugas ou mesmo suavizá-las. Mas, vamos combinar, esse “anti” passa a ideia de combate. Combate à idade, ao envelhecimento. Por que é que a gente precisa combater essas coisas mesmo?


A psicóloga Lilian Andrés opina:

“Embora alguns setores da mídia venham despertando para a necessidade de mostrar corpos reais de homens e mulheres, ainda vivemos sob a ideologia do corpo feminino como capital que gera recursos para uso próprio e comum. As imagens de mulheres jovens e belas (muitas vezes retificadas pelo Photoshop), plantam no imaginário social um ideal de sucesso, saúde e felicidade em níveis inalcançáveis para a pessoa comum. E, com isso, geram um vazio de ideais consistentes a serem alcançadas. É como se a sociedade tivesse feito um pacto de paralisação do desenvolvimento psíquico. Acatamos o que celebridades elegem como bom e certo, tal qual os ‘príncipes e princesas’ dos contos de infância. A indústria da beleza movimenta milhões e promete nos restituir o corpo de um tempo passado — um ledo engano que traz frustração e sofrimento. Para enfrentar o tempo, só nos resta rejuvenescer a alma!”

Por que Cecília Meireles apresenta o envelhecimento como o ato de “desaparecer”? O que assusta as mulheres quando o assunto é o passar dos anos?

Essa última pergunta foi feita no site da apresentadora Oprah Winfrey, que é visitado por 4 milhões de pessoas todos os meses. Meninas de 13 anos a mulheres de 77 anos contaram quais eram suas maiores preocupações. Aqui vão algumas delas:

“E se eu nunca me casar e tiver filhos?”

Basicamente, a preocupação é a de que a vida não vai se desenrolar da maneira planejada. Rachel Remem, 67 anos, pesquisadora da Universidade da Califórnia especializada em medicina familiar, diz que são essas são as principais angústias de uma boa parte das mulheres com quem já falou, independente da idade. Principalmente, quando elas são portadoras de deficiência, não podem engravidar ou foram diagnosticadas com algum tipo de doença crônica.

“A vida é cheia de ovos quebrados. A arte é encontrar a sua própria receita para fazer um bolo, mesmo assim. As últimas palavras de minha mãe foram: ‘eu estou satisfeita com a vida que vivi’. Como podemos viver para que, ao final de tudo, possamos dizer essa frase com sinceridade?”.

“As pessoas que se dizem infelizes são as pessoas que ficam presas em fazer as coisas somente de um jeito. É preciso ter um senso de possibilidade. Claro que é uma experiência emocionante, capaz de mudar toda uma vida, ter seus próprios filhos biológicos. Como uma ex-pediatra, eu vi pessoas se transformarem com essa experiência. Mas você ainda pode criar pessoas, mesmo que elas não venham de seu próprio corpo.”

“Tenho medo de perder minha beleza e me sentir pressionada a fazer uma plástica.”

Nas palavras da poeta Maya Angelou: “a superfície, o superficial, a imagem da pessoa é muito valorizada em nossa sociedade. Quando a pele começa a ceder, muitas mulheres preferem o Botox. Por que você deixaria alguém enfiar uma agulha na sua cara só para se livrar disso? Aqui está a verdadeira questão: o que temos de fazer para dar mais valor à idade? Temos que nos valorizar não pelo que parecemos ou pelas coisas que possuímos, mas pelas mulheres que somos.”

Ou Barbara Ehrenreich, 64 anos, ensaísta política, crítica social e autora de Nickel e Dimed: “Eu tinha medo de que meu corpo mudasse e lidei com isso tornando-me uma espécie de atleta. Durante meus 40 anos, eu pensava: ‘esta é uma trajetória descendente, a menos que eu mude minha vida’. Então, um amigo me arrastou para a academia -algo que eu nunca considerei fazer. Uma vez que comecei, pensei: ‘isso é ótimo’. Eu estou realmente muito mais forte e mais ativa agora do que há 20 anos.”

Ou Abigail Thomas, 63 anos, autora de Safekeeping: “Por muito tempo, tudo em que eu pensava era: quem está olhando para mim? Quem está interessado em mim? Eu nem mesmo considerava como me sentia quando estavam olhando para mim na rua. Isso é o que eu chamo de poder sexual. Cerca de dez anos atrás, o que eu temia aconteceu: meu ‘poder sexual’ mudou. Por muito tempo, a minha aparência parecia ser tudo para mim. Representava o que eu era, meu poder, como eu me envolvia com as pessoas. Quando isso acabou, descobri tantas outras coisas. Eu comecei a escrever. Eu comecei a ver que eu não estava à disposição do mundo — as escolhas são minhas e o que me interessa é o que me interessa. Um dia, aos meus 50 anos, eu acordei e percebi que não queria mais me preocupar com isso. O calor se foi e o que o apareceu no lugar foi um ávido desejo pela vida.”

“Tenho medo de não poder trabalhar quando envelhecer — e da sociedade acabar me jogando fora.”

Ainda da sra. Thomas: “a sociedade tem pouco a ver com isso. É você que acaba se jogando fora. Você decide que é irrelevante. O truque de envelhecer é encontrar algo que você não sabe fazer — algo que você quer melhorar. Desde que comecei a escrever, quero ficar melhor. Você tem de encontrar a próxima coisa a fazer, a sua paixão, algo que vem de dentro. Sem paixão, viramos seres vazios.”

Agora, Joan Borysenko, 59 anos, PhD e cofundadora de programas clínicos que operam em dois hospitais de ensino da Harvard Medical School: “eu não planejo me aposentar. Por outro lado, não quero ter de trabalhar 60 horas por semana. Então, é preciso ter um plano financeiro, algo que te permita se aposentar quando quiser. De qualquer jeito, temos de reconhecer que o modelo no qual temos um emprego até os 65 anos está morto. Prepare-se para ser o seu “eu” mais completo a cada passo do caminho — para fazer as coisas que mais combinam com os seus valores.”

Os mais diversos produtos de comunicação contam histórias sobre protagonistas jovens. O arquétipo de heroínas e protagonistas sempre os retrata durante a juventude em quase todas as novelas, filmes, propagandas, outdoors e posts em mídias sociais. Mesmo quando os autores fogem do lugar comum e incluem mulheres mais velhas em suas tramas, caímos em um outro estereótipo que ilustra bem a forma como a sociedade diferencia homens de mulheres: o do galã experiente e conquistador.


A atriz Nicole Kidman, de 51 anos, já falou diversas vezes que precisa se virar e fazer um tremendo esforço para conseguir bons papéis agora. Enquanto isso, seu contemporâneo George Clooney, 6 anos mais velho, continua sendo visto como galã. Não faltam ofertas de papeis principais a ele, que é tratado pela mídia e pelo público como um “tipão”.


Um caso ainda mais absurdo aconteceu com a atriz norte-americana Maggie Gyllenhaal, de 37 anos. Ela foi considerada muito velha para interpretar a amante de um homem de 55 anos. Em entrevista ao The Wrap, a atriz contou sobre este incidente. Disse que ficou atônita e, ainda se viu obrigada a aceitar o julgamento. “No início isso me fez sentir mal, depois fiquei com raiva. No final, me fez rir”.

A hipocrisia é ainda maior quando falamos de uma indústria cultural que ainda hipersexualiza crianças.

O que há de errado nisso? Deveria ser óbvio, mas as meninas crescem vendo esses parâmetros e se sentem cada vez mais velhas, mesmo com pouquíssima idade.

O padrão imagético é cruel. A mulher se martiriza por envelhecer. Se tem uma coisa que a gente aprende ao longo do tempo é que o estado das coisas favorece alguém. A realidade em que vivemos é uma construção feita por decisões de anos e anos a fio.


Longe dos holofotes de Hollywood, o mercado de trabalho é igualmente injusto. Até pouco tempo atrás, os homens mais velhos eram tidos como profissionais experientes e apostas certas. Já as mulheres, taxadas como obsoletas, ultrapassadas. Acontece que as coisas estão mudando em nosso tempo. A cada dia mais vozes se juntam ao coro de igualdade.

Mas o ambiente de trabalho ainda tem um longo caminho pela frente. Primeiro, porque as mudanças tecnológicas fazem com que gestores ignorem os conhecimentos de homens e mulheres mais velhos.

Só que há um baita plot twist por aqui: até 2014, a idade média mundial era de 29 anos. A estimativa é de que bata os 37 anos em 2050. Ou seja, como é que vamos lidar com a questão de “aptidão para o trabalho” à medida que a população mundial envelhece?

A vida é uma experiência única e tentar replicar no presente um corpo do passado é uma luta que já começa perdida. Cada marca, cada ruga, cada mancha, cada cicatriz, é testemunha de uma história que foi vivida e curtida. Para ter paz de espírito e leveza para aproveitar a jornada é importante aceitar o que o espelho diz, com gratidão e disposição para tocar o barco.

A bagagem não precisa ser pesada e é possível fazer trocas vantajosas. Sai a pele de bebê, entra o humor inteligente. Sai a melanina, entra o olhar certeiro e o riso cheio de sabedoria. Sai a competição com as mais novas, entra a amizade com as amigas da vida inteira.

“Devemos nos preparar para o envelhecimento, desde agora. Fortalecer os laços sociais é uma forma eficaz de aprimorar a resistência. Laços afetivos ajudam a diminuir a resposta biológica ao estresse do abandono, e nos tornam mais corajosos para enfrentar o desconhecido que a vida apresenta neste momento.”, diz Lilian Andrés.

“Somos seres múltiplos, em constante transformação e, embora uma emoção, capacitação ou imagem predomine num determinado momento de nossa vida, ela não é única, nem perene. Envelhecer bem, talvez, seja a capacidade de aceitar as etapas da vida, sem ser derrotado por ela e nem se lançar ao escapismo, buscando extrair um sentido para sua existência.”

Sem falar que ficar mais velho não significa estacionar na vida. Sim, a gente é criado para achar que precisamos fazer TUDO o que queremos até os 30 ou vamos ficar “atrasados”. Só que essa noção, mesmo que forte, não é verdadeira. A história está cheia de casos de pessoas que conquistaram respeito e reconhecimento após a “idade limite”.

Quer prova disso? Aqui vão algumas:

E esse padrão só tende a aumentar. Até 2050, praticamente um quinto da população (ou seja, eu e você) terá mais de 60 anos. E duvido muito que, independente da idade, a gente vá se contentar só de ver a caravana passar.

Enquanto estávamos produzindo essa edição, ficamos pensando em qual seria a imagem que ilustraria esse email.

Ampulheta e relógio e outros itens ligados à passagem do tempo estavam descartados porque eles costumam transmitir um sentimento de urgência que não “conversava” com o que a gente queria apresentar por aqui. Daí passamos a procurar outros temas, mais interessantes, porém igualmente ligados ao tempo. Deu um certo trabalho, mas encontramos:

O bonsai, aquele tipo de árvore em miniatura natural do Japão.

Ao crescerem, seus galhos são frágeis e suas raízes não estão muito fixadas ao solo, o que faz com que eles precisem de supervisão constante para conseguirem se desenvolver. E esse tipo de planta só adquire sua aparência mais bela, com galhos robustos e saudáveis, com o passar do tempo. Porque é a experiência que faz com que seus ramos e raízes se desenvolvam de forma plena.

Assim como acontece com a gente.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 26 de abril de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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