Hoje é dia de Marie

Marie Curie News
Marie Curie News
Published in
10 min readMar 8, 2019

Um pouco da história da mulher que inspirou a newsletter

Quem é?

Doutora em Física, graduada e Física e Matemática pela Universidade de Paris/Sorbonne

Criadora do termo radioatividade;

Primeira pessoa do mundo a ganhar dois prêmios Nobel;

Eleita a mulher mais influente de todos os tempos.

Um ano de vida. Isso mesmo, gente. Foi nesse dia, só que num agora longínquo 2018 que a gente clicou em “enviar” e mandou a primeira edição da Marie Curie para as caixas de entrada de algumas leitoras que, curiosas com a nossa proposta, haviam se inscrito para entender o que seria essa tal newsletter sobre empoderamento feminino.

Desde então, foram 52 edições e incontáveis horas escrevendo, pensando em pautas, apagando o que tínhamos escrito, pensando em ilustrações, re-escrevendo e conversando com outras pessoas para entender um pouco mais do universo que queríamos apresentar a vocês. E já falamos que escrevemos bastante durante esse tempo?

De lá pra cá, assim como acontece na vida, fomos criando o nosso caminho. Largamos o formato mais direto do primeiro texto e apostamos em matérias maiores e informativas, falando de temas como representatividade, gestão de finanças e autoestima; depois, mesclamos o conteúdo ao realizar entrevistas com mulheres com as mais diferentes vivências e ensinamentos, desde cientistas a artistas de rua. Podemos dizer, sem medo de errar, que cada edição é uma aventura e ficamos muito felizes em ver que vocês, de uma forma ou de outra, toparam embarcar nessa conosco.

Como todo o primeiro ano é uma data para lá de especial, dedicamos essa edição para aquela que inspira cada um dos textos que publicamos por aqui. Ela mesma, a própria Marie Curie.

Escolhemos falar dela não só para explicar porque a elegemos como inspiração para o trabalho que fazemos, mas também para mostrar que, desde sempre, as mulheres buscam se afirmar na história. É curioso notar que vários dos desafios que a cientista precisou encarar são iguais ou semelhantes aos que nossas entrevistadas precisaram superar hoje em dia.

A cientista provou por vezes que seu reconhecimento veio com base em esforço constante. E, mais importante, nunca deixou de fazer aquilo que acreditava por conta de convenções. Elas mudam, o mundo muda. E, mesmo que no estilo “dois passos para frente e um para trás”, a mudança em geral é sempre para melhor. Basta só começar.

Em primeiro lugar, uma revelação: Marie Curie nasceu Maria. No caso, Maria Skłodowska. Cresceu dentro de um ambiente privilegiado, com dois pais professores, em Varsóvia, na Polônia. Seu pai, Władysław, ensinava matemática e física — assuntos que sempre despertaram interesse na filha. E essa afinidade só aumentou quando, por ordem do governo da época, as aulas em laboratório foram suspensas nas escolas polonesas. Para não jogar todo o material fora, seu pai acabou levando boa parte dos equipamentos para casa e ensinou tanto Maria como seus irmãos a usá-los.

Como, na época, apenas homens tinham acesso à educação superior, Maria e sua irmã mais velha, Bronisława, se matricularam numa escola clandestina para continuar estudando. Anos depois, fizeram um acordo: enquanto Maria trabalhava para manter os estudos da irmã na França, Bronisława retornaria o favor quando estivesse formada. Ela trabalhou como governanta enquanto conciliava os estudos secretos com um trabalho no laboratório de química do Museu da Indústria e Agricultura de Varsóvia. Até que, em 1891, Maria finalmente conseguiu se mudar para Paris. E passou a ser chamada de Marie.

instalada na cidade-luz, Skłodowska teve a chance de se dedicar 100% aos seus estudos. Pela universidade de Paris, se graduou em Física e Matemática. Ao procurar um local com espaço suficiente para suas pesquisas, acabou conhecendo Pierre Curie. Com quem se casaria em 1895, após tentar seguir carreira na Polônia e ter sido impedida por que as universidades do país ainda não aceitavam professoras. Juntos, eles se motivavam para continuar realizando suas pesquisas. Após o nascimento da primeira filha, Marie se aventurou num projeto para conseguir algo até então inédito um título de doutora em física, pela Sorbonne.

Para ser aprovada no doutorado, a cientista escolheu estudar o que era a emissão de luz descoberta por Henry Becquerel dentro de pedras de urânio. A escolha do tema foi mais por interesse do que pela perspectiva de se fazer uma grande descoberta, já que o entendimento dos profissionais da época é que a energia não passava de uma fosforescência inofensiva. Mas, ao realizar testes para entender os efeitos que o urânio causava quando exposto à eletricidade, percebeu que o material se comportava de uma forma diferente do que até então tinha sido registrado.

Reparem bem, isso é parecido com o que a gente já leu em algum lugar…

10 de dezembro de 2018

O desafio de se criar algo do zero

Depoimento de Nathaly Archilha

“Para fazer os espelhos de raio-X, que são uma parte essencial do acelerador de partículas, fiquei trabalhando junto com o diretor científico por meses porque esse tipo de ferramenta nunca foi feita no mundo. E como a ótica da linha de luz é o coração de todo o equipamento, essa é a parte mais difícil de todo o projeto.

Foram quase dez meses de simulações. Algo dava errado, a gente voltava e repensava, tentando unir a criatividade e a física para desenhar o melhor produto possível. Terminamos no início do ano e enviamos para produção, que leva 12 meses para ser concluída. E algo ainda pode dar errado [risos]. Mas não vai dar!

O estresse, por vezes, é grande, não dá para negar. Mas pensar nos resultados é algo que anima bastante. Se os cálculos que a gente fez estiverem corretos, vamos ter acesso ao dobro de energia que o acelerador de partículas da Suíça possui. E isso vai dar para gente muitas possibilidades novas de pesquisa.”

Ao estudar a reação dessa e de outras pedras à eletricidade, a profissional criou a hipótese que mudaria a sua vida: será que, na verdade, existiria outro componente que provocasse essa reação que até então ninguém conhecia? Nessa altura das pesquisas, o próprio Pierre Curie abandonou seu projeto para se dedicar à descoberta. A dupla passou os anos seguintes fazendo milhares de testes para provar a existência desse novo elemento, colecionando vários fracassos. Até que, em 1898, eles conseguiram a prova definitiva de que havia um elemento, de fato, inédito nos materiais que estavam analisando, ao qual deram o nome de rádio. A tarefa agora seria isolá-lo.

Até ter seus estudos reconhecidos, no começo dos anos 1900, Marie dedicou grande parte da sua rotina para conseguir isolar de vez o componente. Isso implicou tanto um esforço mental como físico, já que o trabalho era bem mais manual do que atualmente. Entre 1898 e 1902, os Curie publicaram mais de 30 artigos sobre seus estudos com o rádio e a descoberta da radioatividade, palavra criada pela cientista. Nesse meio tempo, o casal fez importantes descobertas da ação do rádio, como sua capacidade de destruir células doentes e preservar as saudáveis.

1903 foi o ano em que os esforços da dupla trouxeram resultados. Marie, finalmente, recebeu seu título de doutora pela Sorbonne. No mesmo ano, os Curie e Henry Becquerel receberam o Prêmio Nobel de Física pela descoberta. De início, a instituição responsável pela premiação queria dar o prêmio apenas para Pierre e Becquerel, mas ambos recusaram o acordo e a terceira e fundamental participante da pesquisa foi incluída.

6 de setembro de 2018

O papel das mulheres na ciência

Depoimento de Karín Menendez-Delmestre

“Desde o pós-doutorado, estou envolvida com o tema mulheres na ciência. Eu queria enfatizar que eu senti muito essa diferença no tratamento de homens e mulheres quando fiz o pós-doc nos EUA, porque não é algo que acontece só aqui no Brasil. Lá, minha turma era pequena, tinha seis alunos e eu era a única mulher. A Caltech é dominada por homens, quando havia uma mulher no campus é como se todo mundo ficasse ‘nossa, temos uma mulher aqui.’ A Caltech é, principalmente, voltada para ciências exatas, engenharia. Então, tudo era liderado por homens, no geral.

Eu tive situações específicas, no dia a dia. Por exemplo, era difícil me fazer escutar em reuniões. Eu falava uma coisa, depois alguém repetia o que eu tinha falado e aí todo mundo ficava ‘ah, é mesmo, como falou aquele cara’, e eu rebatia: ‘mas eu falei primeiro, ninguém me escutou.’ De uma forma geral, eu passei a ser um pouco mais insistente verbalmente, porque não me escutavam. Eu só fui me dar conta disso, aliás, por que fui perguntar o que acontecia para as pessoas não me ouvirem. Me disseram que era típico da academia e me deram a sugestão: repete, fala um pouco mais alto. Então, eu me tornei mais insistente.”

Marie continuou a se dedicar aos estudos da radiação, enquanto Pierre recebeu o convite para trabalhar na Universidade de Paris. Com a morte do marido, em 1906, a cientista acabou assumindo sua cadeira no departamento de química, sendo a primeira mulher a ocupar esse posto. É assustador que uma cientista com um Nobel no currículo tenha que “esperar” por uma vaga em qualquer coisa, não é mesmo. Mas, estamos falando do início do século XX.

Assim que chegou ao posto, Curie deu início a uma série de iniciativas para garantir que mais pessoas tivessem acesso às suas descobertas. Além de um laboratório próprio dentro da universidade, ela liderou o Instituto do Rádio (agora, batizado de Instituto Curie), também focado nos estudos do elemento.

Em 1910, Curie conseguiu, finalmente, isolar o rádio de outros componentes. Pela conquista, recebeu seu segundo Nobel, dessa vez de Química. Com isso, ela se tornou a primeira pessoa a ganhar duas vezes a premiação. E uma das duas únicas, até hoje, a receber os prêmios em campos de estudo diferentes.

Porém, nem todo esse sucesso foi suficiente para que ela não fosse vítima de preconceitos. Marie, por exemplo, nunca foi aceita como membro da Academia Francesa de Ciências — a primeira cientista foi Marguerite Perey, em 1962. Além disso, sua origem polonesa sempre foi usado como pretexto para desmerecer o seu trabalho: ela só começou a receber mais crédito dentro do país após ganhar prêmios internacionais. E, quando se descobriu que ela, viúva, teve um relacionamento com um homem casado, Curie foi retratada de uma forma tão violenta que precisou se esconder com as filhas na casa de uma amiga.

22 de novembro de 2018

Como é ser uma estrangeira em um país não muito receptivo

Depoimento de Marifer Vargas

Há 1 ano e 4 meses morando fora no Brasil, a educadora venezuelana já sofreu algum preconceito, mas faz questão de contemporizar a situação.“Claro que também conheci gente que dizia ‘você é estrangeira, você não tem que estar aqui’”, conta.

O que mais magoa e preocupa Marifer, no entanto, é o choro da filha. Na escola, a adolescente ouviu de um amigo que teria que voltar para a Venezuela depois que um candidato fosse eleito. “Disse para ela que estamos seguras, e a verdade é que, infelizmente, não posso voltar. Era uma funcionária pública lá e fico marcada pelo sistema. [Ao deixar o país] é como se fosse uma traidora da pátria.”

Felizmente, a protagonista dessa edição conseguiu dar a volta por cima. Até a sua morte, em 1934, Marie Curie foi reconhecida mundialmente como a descobridora do rádio. Seu Instituto formaria mais quatro ganhadores do prêmio Nobel: dentre eles sua filha,Irène Joliot-Curie. Também teve importante participação na Primeira Guerra Mundial, sendo a diretora do Serviço de Radiologia da Cruz Vermelha e ensinando outras mulheres a operar os equipamentos para levar ajuda aos combatentes feridos.

Como se todos esses feitos já não fossem incríveis, a profissional nunca tentou ganhar dinheiro patenteando o processo de isolamento do rádio, responsável pelo seu Nobel em Química, insistindo que a descoberta pertencia à Ciência, e não a ela.

Com toda essa história de vida, acho que já deu para perceber que não tinha como escolher outra pessoa para ser a embaixatriz de uma newsletter que fala de mulheres que mudam o mundo.

E chegamos a 08 de março de 2019. Apesar de avanços significativos, indo do direito de trabalhar à pílula anticoncepcional — passando por todo o movimento de conscientização do papel da mulher — ainda há um longo caminho pela frente para vivermos numa sociedade que seja, de verdade igualitária. E não só para mulheres, mas para todas as pessoas que recebem algum tipo de descrédito apenas por serem quem são.

Durante todo o 2018 procuramos falar por aqui dos principais temas que, achamos, eram mais relevantes na vida de quem lê a gente, além de dar espaço para as vozes de mulheres que fazem um trabalho digno de nota. E, neste ano, queremos fazer a Marie Curie que você gostaria de ler. O que você acha que fazemos de melhor? E de pior? Como podemos nos tornar mais relevantes não só na sua quinta de manhã, mas em outros momentos da sua rotina? Conta pra gente!

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 8 de março de 2019. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

--

--