O universo de Karín Menendez-Delmestre

Tiago Alcantara
Marie Curie News
Published in
9 min readDec 21, 2018

O que pensa a astrofísica e ganhadora do prêmio Para Mulheres na Ciência

Quem é?

  • Professora e pesquisadora no Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
  • Graduada em Física pela McGill University;
  • Doutora em Astronomia pelo California Institute of Techonology (Caltech);
  • Pós-doutora pelo Carnegie Observatories;
  • Selecionada na primeira chamada do Instituto Serrapilheira em 2017;
  • Vencedora do Prêmio Global L’Oréal-UNESCO-ABC Para Mulheres na Ciência.

Em seu primeiro estágio, Karín Menéndez-Delmestre trabalhava com física ótica. Um ano depois de deixar o grupo de estudos, o líder do projeto do qual ela era parte ganhou um prêmio Nobel . “Dá para imaginar? Isso deveria ter me motivado a continuar na área, mas eu sou maluca”, conta a cientista porto-riquenha que mora no Brasil desde 2011. “A Astrofísica me cativou”.

Astrofísica
É o ramo da física e da astronomia responsável por estudar o universo através da aplicação de leis e conceitos da física, tais como luminosidade, densidade, temperatura e composição química, a objetos astronômicos como estrelas, galáxias e o meio interestelar. Na prática, pesquisas astronômicas modernas envolvem uma quantia substancial da física teórica e experimentos práticos.

Apesar de ser fascinada por literatura e pesquisar um tema tão inspirador quanto a formação de galáxias distantes, a cientista não tem uma justificativa poética para sua escolha de carreira. O estalo não aconteceu ao vislumbrar uma estrela cadente ou nada do tipo. Na realidade, Karín sacou que não iria desgrudar desse mundo durante um estágio, processando dados com a cara na frente da tela de um computador.

Eu não nasci sabendo que ia ser astrônoma. A minha decisão, digamos, foi bem racional”, diz. Seu estudo Galáxias Próximas e Distantes: Uma Abordagem Única para Entender o Enigma da Evolução de Galáxias procura se aprofundar sobre as características de galáxias próximas à nossa ao mesmo tempo em que observa os estágios de formação de sistemas estelares mais distantes. Foi assim, mais na frente de um computador do que inspirada pelos astros, que a cientista ganhou o Prêmio L’Oréal-UNESCO-ABC Para Mulheres na Ciência, em 2015.

Três perguntas para explicar o seu universo

1 — Como virou astrônoma?

“Já no fim da graduação, eu decidi que Astrofísica era o que eu queria fazer. Eu sabia que me interessava em pesquisa no contexto de uma universidade. E a Astrofísica, com as experiências que eu tive nos estágios me cativou. Eu gosto de dizer que não nasci sabendo que que queria ser astrônoma . Tem pessoas que falam que desde os cinco anos olhavam para o céu. Eu também olhava para o céu e gostava, mas era até aí. Não pensava de uma maneira profissional. Então, a minha decisão foi bem racional.

Trabalhei com coisas que não tinham nada a ver com Astronomia. Meu primeiro trabalho foi com física ótica e eu participava de um grupo de projetos. Um ano depois de trabalhar com eles, o líder desse grupo ganhou um prêmio Nobel. Dá para imaginar isso? Eu acho que isso deveria ter me motivado a continuar por aí. Mas, não, eu sou maluca e decidi ‘uau, que ótimo, mas não quero isso não’. No final das contas, foi realmente uma escolha bem racional. Testei algumas coisas que achei interessantes, mas não me apaixonei.

Curiosamente, foi trabalhando com galáxias, tentando entender uma população específica de galáxias que têm buracos negros supermassivos no centro. Eu estava tentando entender isso, uma coisa básica. Mas o projeto ia além disso. Eu passei muitos dias e noites trabalhando nesses dados e, no final, pensei que queria mais. Foi no computador, em vez de ficar olhando para céu e ficar achando lindo, que eu decidi que gostava disso e queria mais.

Tinha sido aceita pela Caltech, estava muito empolgada porque é uma universidade muito boa e eu não entendia ainda como eles tinham me escolhido. Pensava, que alguém tinha se equivocado. Síndrome do impostor, conhece? Acho que muitos de nós passamos por isso e ainda estamos nessa. O programa de doutorado tem cinco anos e foi aí que eu comecei a trabalhar com galáxias distantes e estruturas que existem em galáxias. Nos últimos três anos, a minha tese foi sobre galáxias no universo distante e que estamos observando como elas estavam há oito bilhões de ano.”

2 — Como é a questão do gênero na ciência?

“Desde o pós-doutorado, estou envolvida com o tema mulheres na ciência. Eu queria enfatizar que eu senti muito essa diferença no tratamento de homens e mulheres quando fiz o pós-doc nos EUA, porque não é algo que acontece só aqui no Brasil. Lá, minha turma era pequena, tinha seis alunos e eu era a única mulher. A Caltech é dominada por homens, quando havia uma mulher no campus é como se todo mundo ficasse ‘nossa, temos uma mulher aqui.’ A Caltech é, principalmente, voltada para ciências exatas, engenharia. Então, tudo era liderado por homens, no geral.

Eu tive situações específicas, no dia a dia. Por exemplo, era difícil me fazer escutar em reuniões. Eu falava uma coisa, depois alguém repetia o que eu tinha falado e aí todo mundo ficava ‘ah, é mesmo, como falou aquele cara’, e eu rebatia: ‘mas eu falei primeiro, ninguém me escutou.’ De uma forma geral, eu passei a ser um pouco mais insistente verbalmente, porque não me escutavam. Eu só fui me dar conta disso, aliás, por que fui perguntar o que acontecia para as pessoas não me ouvirem. Me disseram que era típico da academia e me deram a sugestão: repete, fala um pouco mais alto. Então, eu me tornei mais insistente.

Aqui, no Brasil, a física também tem mais homens. Tem uma expressão que a gente usa, tubulação vazada, que mostra o nível em que as pessoas vão sendo eliminadas durante a graduação, pós graduação, doutorado, para professores júniores, pós-docs. Existe uma tendência de eliminação de mulheres . Isso acontece por vários motivos. Tem muito a questão da família, porque, geralmente, é a mulher quem termina tirando mais tempo do trabalho. Infelizmente muitas vezes ela vai deixar a academia porque a academia não é um ambiente que apoia esse tipo de coisa. Você tem que ser ‘só pesquisa, só pesquisa’. Nos EUA, isso acontece muito também.

O que tem de bom aqui é o vigor das leis trabalhistas, que permitem e facilitam a permanência da mulher na academia. Eu tenho seis meses de licença maternidade . Isso é algo que não existe nos EUA. Então, isso me ajudou. Eu tive uma filha há dois anos e meio e estou com outra a caminho, porque estou grávida de quatro meses. Eu fico calma sabendo que a sociedade vai me permitir usar seis meses para ela. Eu não tenho de escolher ser pesquisadora ou mãe. Eu posso ser as duas.”

“Ao mesmo tempo, se você olha os números, a tubulação vazada é grande. Quando você olha os cargos de professor júnior ou pesquisador e observa conforme esses níveis sobem, vai notar que as mulheres representam menos na ponta do funil. É o que se fala daquele teto de vidro, sabe? E eu sinto isso. Só que, ao mesmo tempo em que eu sinto isso, eu vejo os números. Ver os números também me faz sentir. Isso me torna engajada, quando estou dando uma aula, por exemplo, e vejo que uma aluna não é ouvida. Eu estou alerta, com os olhos e ouvidos abertos.”

3 — O país enfrenta várias dificuldades, como corte verbas e falta de prioridade em políticas públicas. Está mais difícil inspirar novos astrônomos?

“Estou aqui há sete anos, cheguei em 2011. No concurso, me avisaram que eu estava vindo para um país com um pouco menos de dinheiro para pesquisas. É verdade que nunca tive de escrever tantas propostas para receber financiamento. As chances de receber o financiamento são até melhores do que nos EUA, só que os financiamentos são assim [pequenos]. Nos EUA, você tem verbas de USD 1 milhão ou USD 500 mil. São mais difíceis de adquirir, mas quando você consegue, você pode fazer um monte de coisas com esse dinheiro. Aqui, não. Você consegue um pouquinho para ir até um congresso, mais um pouquinho para ir a outro. Isso é muito diferente, a burocracia acadêmica é muito diferente.

Atualmente, posso falar de uma luta pessoal que estou tendo. O problema não é tanto não ter dinheiro para fazer as coisas, mas o fato de o ambiente geral do país não estar apoiando a ciência. Por isso, há muitos pesquisadores jovens (alunos de doutorado, pós-doutorados) que estão deixando o campo. Eles falam: “eu sei que não vou conseguir trabalho em astronomia, na academia, então vou sair já”. Estou vendo mais pessoas desiludidas com a perspectiva, porque o país tem tido muitos cortes. Acho que as pessoas mais jovens, entre os 25 e 35 anos ficam nessa dúvida se vale a pena continuar fazendo ciência.

Os cortes deixam uma perspectiva pobre para as pessoas que estão começando a encarar uma carreira. Eu não posso tentar convencer as pessoas. Não posso dizer “continua aí, continua passando fome por uns 15 anos para não conseguir trabalho”. Acho que, realmente, se você é bom pode aplicar para alguns concursos, mas são poucos os que abrem regularmente. As pessoas ficam frustradas e o ambiente não promove a esperança de continuar com emprego e ser bem-sucedido na academia. Eu fico com o coração partido por isso.”

#3 Coisas sobre astronomia

Que você, provavelmente, não sabia

“Não olha para o céu, meu amor”

— Os astrônomos passam algum tempo no telescópio. Mas é bem menos do que se espera. São apenas cinco ou seis noites por ano. Em todo o resto do tempo, o trabalho é feito em laboratórios, à frente do computador.

“O mundo é muito pequeno para os astrônomos”

— No mundo, deve ter uns 15 mil astrônomos (levando em consideração quem é mesmo especializado na área). É um grupo muito pequeno. Você está separado por duas ou três pessoas do mundo inteiro. É uma comunidade pequena, internacional e uma família bem espalhada.

“Signo errado”

— Não tem nada a ver com astrologia. É uma ciência exata. Então, prepare-se para muita Física e Matemática. Não adianta só olhar para o céu e achar bonitinho, porque não vai dar certo.

Por fim, me conte uma curiosidade
(explicação para criança de cinco anos edition)

O que é um buraco negro massivo?

“A maior parte das galáxias grandes, como a nossa, estão compostas por muitas estrelas que podemos ver a olho nu. Mas muitas galáxias possuem em seu centro uma grande concentração de massa que não é visível a olho nu, porque não é composta de estrelas. E essa concentração é muito compacta. Está tudo juntinho, apenas em um ponto, com uma incrível quantidade de massa. Por isso, não conseguimos visualizar diretamente esse material. Mas a gente sabe que ele está ali porque conseguimos ver estrelas orbitando ao redor e as órbitas, ou seja, a trajetória que essas estrelas fazem ao redor desse centro apontam que tem uma concentração muito alta de massa ali. Acredita-se, na teoria, que é respaldada pelos dados que temos, que buracos negros são o resultado final da implosão de uma estrela de muita massa. Chega um ponto no qual não há suficiente pressão interna fusionando vários elementos, já não existem mais elementos (como hélio e hidrogênio) que consigam fusionar para gerar energia. Então, ela implode. E o que sobra é um buraco negro. O ‘supermassivo’ vem do fato que esses buracos negros nos centros das galáxias têm muita massa. Eles se formam de uma forma um pouco diferente e são muito grandes. Começando em cerca de um milhão de massas solares.”

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