Respeita as mães

Mônica Wanderley
Marie Curie News
Published in
11 min readApr 26, 2019

Por que elas são sempre tão julgadas?

As provas bimestrais estão na ordem do dia. Este ano, muitas escolas anteciparam as avaliações para liberar os estudantes durante os jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo. Talvez, pela mesma razão, a antecipação das provas, a professora Mariana Aydar, especialista em língua portuguesa e literatura, esteja recebendo mais ligações de mães pedindo aulas particulares para seus filhos de idades variadas.

As mães acham professores particulares quando entendem que as notas dos filhos não estão boas. Ou que podiam estar melhores. Mas Mariana já entendeu que, na verdade, as mães ligam quando a culpa bateu. Elas acham que deviam ter se dedicado mais, que deviam ter estudado com os filhos, que deviam ter percebido as dificuldades antes. Aliás, que tipo de mãe deixa a situação chegar a esse ponto, não é?

Criar um bom ser humano é, no final das contas, um dos principais objetivos de pais e mães. E faz sentido: pessoas cordiais e trabalhadoras ajudam a manter a ordem e garantem a continuidade da nossa espécie. Só que existe algo de bastante errado e delicado na maneira como encaramos o tema hoje em dia: a noção de que, seja para o bem ou para o mal, a mãe é 100% responsável pelo resultado final do tipo de pessoa que sua cria se tornar.

Essa noção começa desde cedo. Quando a mãe, ainda no pós parto, recebe diversos “conselhos” sobre como lidar com o bebê para não “acostumá-lo” mal. A supervisão só vai piorando ao longo dos anos. Especialmente nos primeiros, quando o senso de limite e compreensão da criança ainda está em formação e, como consequência, as birras se tornam muito mais frequentes.

Precisamos falar sobre a birra

Provavelmente você já presenciou uma cena assim, seja no almoço da família, no shopping ou no supermercado. Uma criança chorando desesperadamente por algo, se atirando no chão e fazendo o maior barulho possível. A reação adulta pode variar de indiferença a pedidos para que o pequeno ou a pequena volte a se comportar. Só que agora é tarde: as outras pessoas (em especial, outras mães) já viram o momento de descontrole. Independente de como você lidou com a situação, o julgamento já está feito. E, na maioria dos casos, o júri te declara culpada.

Uma história real: Diego foi pai de primeira viagem aos 23 anos. Sempre fez questão de brincar e dividir o máximo de tempo fora do trabalho com a filhota. Passavam boa parte do tempo no tapete da sala, mergulhados em uma confusão de brinquedos, canetinhas, papel picado e Galinha Pintadinha. Os parentes notavam que a pequena Amanda estava se tornando agitada e barulhenta. Não demorou muito para identificarem que o motivo era o tipo de brincadeira que o pai mais gostava de fazer: bater panelas, latas e cantar aos gritos com a filha. Não era para menos, como cobrar calma de uma criança cujo maior estímulo era de fazer barulho? Vendo a situação, a avó paterna resolveu dar um jeito na situação: deu uma bela bronca… Em sua nora .

Cada pessoa é única e tem sua personalidade formada pelas várias influências que recebe ao longo dos anos. Basta conhecer irmãos (até mesmo gêmeos) para ver que eles reagem de forma diferente ao mesmo estímulo. Mas tudo isso é esquecido ao vermos uma birra. O fato é que meninos e meninas que se portam mal em público, que fazem confusão, falam alto, ou não cumprimentam os adultos são, invariavelmente, taxados de mal-educados. Nesses casos, eles são assim porque a mãe não fez a sua parte, não educou, não doutrinou aqueles espíritos livres demais.

Não é preciso nem dizer quanto isso cruel e injusto . A maioria das mães dá o melhor que pode e ainda mais um pouco para criar bem seus filhos. Sem falar do quanto precisam sacrificar para serem profissionais competente e de sucesso, para manter o casamento feliz. Ainda assim, parece que não basta. A primeira birra das boas no corredor do shopping já coloca aquela mulher no panteão das fracassadas.

E esse estigma vai junto com ela para outras esferas da vida.

E com quem você vai deixar?

“Naquela hora, vi que não importava o que eu fizesse, não importava se eu entregasse mais ou igual a todo mundo. Há uma percepção de que, quando a mulher se torna mãe, ela automaticamente se torna uma má profissional, um fardo para a empresa.”

A Semana Número 62

Ao longo do século passado, as mulheres alcançaram diversas conquistas que, além de fornecer acesso a novos direitos, deu ao público feminino a oportunidade de se envolver de forma muito mais profunda na sociedade. E com isso, ter conquistas para chamar de suas e que não se limitassem ao conforto do lar. Porém, o mundo não acompanhou essas mudanças no mesmo compasso que as mulheres. Ou melhor, até já aceita, só que não se ajusta à realidade vivida pela maioria das trabalhadoras, que também são mães, donas de casa e chefes de família.

E esse descompasso custa caro: primeiro elas sofrem para manter o emprego após a licença maternidade, uma situação que atinge de forma direta a autoestima e valorização da mulher enquanto indivíduo. E depois, caso consiga ficar empregada, chega a hora de experimentar uma nova dor, muito mais complexa: lidar com as indiretas e olhares tortos que surgem quando é necessário sair mais cedo ou mesmo se ausentar por conta do filho. É uma situação que faz com que várias mães, que sofrem esse assédio velado, a se restringirem do convívio público. Ou seja, se isolam por conta da necessidade de manterem um emprego, deixando os momentos de liberdade apenas para situações necessárias (como uma ida ao médico), se privando de festas e comemorações.

E a situação se torna mais absurda quando percebemos que, tomando exatamente as mesmas atitudes, as ações feitas pelos pais são encaradas de uma forma totalmente oposta à vivida pelo lado materno:

Luiz Miguel tem dois filhos. De vez em quando, precisa sair de uma reunião para buscar a filha mais nova na escola, ou para levar o mais velho ao dentista. Sempre que acontece, os comentários dos colegas são algo como “Nossa, que paizão, que sorte da esposa dele”. Ele não ouve essa conversinha, contudo sente que suas demandas são recebidas de forma positiva.

Essa realidade só começou a acontecer com frequência quando Thais, esposa de Luiz Miguel e mãe das crianças, cansou de ouvir indiretas maldosas e ameaças veladas cada vez que precisava se ausentar para atender a um dos filhos. “Mulher que tem filho pequeno tem de escolher trabalhar ou cuidar das crianças”, foi o comentário da chefe direta. O último, antes de Thais acertar com o marido que ele é quem fugiria do trabalho para cuidar dos pequenos em situações excepcionais.

Procura-se: em.pa.ti.a

“Forma de identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa, uma ideia ou uma coisa”

A gente fala muito sobre empatia e o quanto ela é importante, mas existe uma questão relevante sobre o desenvolvimento dessa qualidade que quase nunca é falada: a necessidade de sair de si mesma para presenciar a realidade do outro . Isso não é fácil, especialmente num mundo que preza pelo individualismo. Criar uma relação de identificação com o outro é o primeiro passo para conviver em harmonia.

Especialmente, quando esse convívio implica lidar com uma situação que causa desconforto pessoal. Voltando ao exemplo da birra: é muito mais simples reclamar dessas mães e suas dores imaginárias. Afinal de contas, você passou um mês procurando um dia e horário que ficasse bom para todas as suas amigas, reservou o restaurante e não conseguiu conversar direito por causa de um choro ao fundo.

Será que as pessoas não têm noção?

Porém, são em momentos como esses que nos dão a oportunidade para agir, de fato, de forma empática. Tudo bem se você não gosta de crianças ou se o choro incomodar, a essência da empatia se encontra na postura que você adota para lidar com o imprevisto. Ah, tem três coisas que você precisa saber sobre elas:

1 — a não ser que você seja um clone, você já foi uma;

2 — crianças são crianças, se estiverem sérias e quietas, pode ser sinal de problemas;

3 — ninguém paga a mais por um pouco de bom humor e simpatia.

Você passa a agir com empatia quando, mesmo durante a algazarra, deixa de julgar tanto mãe quanto a criança e entende que esses momentos fazem parte do processo de criação. As vezes, veja bem, só calhou de você estar perto o bastante para “testemunhar” um acontecimento. E pense que, se a situação não está confortável para da sua mesa, o lugar da mãe também não deve ser, digamos, a cadeira mais desejada do local .

Existem exceções à regra? Como sempre, sim. E, como sempre, precisam ser encaradas como o que são: exceções.

Se, ao ver uma mãe numa situação um pouco mais complicada — lidando com um bebê e uma criança pequena, por exemplo — você não souber (ou tiver vergonha) sobre qual abordagem adotar, a dica de ouro é: ofereça ajuda . Muitas mães se encontram tão envolvidas na tradição que as manda contornar sozinhas todos os problemas que nem pensam em pedir ajuda. Ao verem que existe alguém disposto a facilitar um pouco sua vida, a gratidão costuma ser enorme e instantânea.

Para exemplificar, trouxemos alguns depoimentos colhidos na internet com mães que receberam ajuda em uma situação delicada:

Eliana Figueredo é aluna do 8º período de direito e mãe de Matheus, de 3 meses. Como ele ainda está em fase de amamentação, a estudante prefere levar o filho para a faculdade e manter a dieta do bebê 100% a base de leite materno. Matheus não costuma chorar muito, mas quando isso acontece e o volume fica alto, ela se retira da sala. Durante uma aula no final de maio, parecia que esse seria o caso, com o filho chorando de forma insistente. Quando ela estava se preparando para sair da sala, o professor pediu para segurar o menino e o embalou durante 15 minutos, enquanto continuava ministrando a aula.

Ao ser entrevistado sobre sua atitude, o professor Alessander Mendes fez o seguinte comentário: “Eu sou mediador de conflitos e uma das técnicas foi usar a empatia para valorizar e entender aquela mãe, que queria assistir aula. Como professor, não devemos estar disputando e sim auxiliando. Ela estar com um bebê porque precisa não é motivo para eu impedir o conhecimento”, avaliou.

Andrea Byrd trabalha como comissária de bordo em uma companhia aérea americana. Durante uma viagem entre Minneapolis e Atlanta, nos Estados Unidos, ela viu homem levantar do seu banco e oferecer ajuda a uma mulher grávida, que estava preocupada que filho mais velho, bastante inquieto, pudesse incomodar os outros passageiros durante o voo. Para auxiliar, o homem pediu para ninar a criança, dando voltas com ela pelos corredores da aeronave. De acordo com Byrd, “ele apenas disse que era um pai e gostaria de ajudar uma mãe para que ela descansasse.”

Kesha Barnard estava em um voo quando viu uma mãe, acompanhada dos três filhos, tentando acalmar os dois mais novos, que começaram a chorar em conjunto. Barnard conta que muitas pessoas ao redor começaram a bufar ou mesmo tapar os ouvidos e fazer caretas em direção às poltronas ocupadas pela família. Foi quando ela decidiu tomar uma atitude: “Andei algumas fileiras e perguntei à mãe se ela precisava de ajuda. Ela imediatamente me deu o bebê. Então, peguei a criança e sentei com ela para a decolagem. O choro parou! Então, estou aqui, sentada segurando esse bebê lindo que acaba de cair no sono”.

Já falamos sobre como a sociedade julga as mães com crianças pequenas e como nós, que estamos de fora, podemos ajudá-las a aliviarem um pouco a carga. Mas não poderíamos encerrar essa edição sem falar para as próprias mães terem empatia consigo mesmas .

Em quase 100% dos casos, o papel que o mundo cobra das mães — de uma figura constantemente atenta à vida do filho — é inversamente oposto ao que se encontra na vida real. O mundo no qual as mães precisam trabalhar para arcar parcial ou totalmente com as despesas da casa. Não à toa, o número de mulheres responsáveis financeiramente pela família mais do que dobrou no período entre 2001 e 2015, chegando atualmente a mais de 29 milhões de mulheres. Mesmo que o trabalho seja uma necessidade, o tempo gasto fora de casa, para muitas, é encarado como um sinônimo de ausência na vida dos filhos.

É preciso entender que os tempos mudaram e que a própria criança também se dará conta disso enquanto cresce. Como explica a psicóloga Lilian Andrés , as mães precisam fazer as pazes consigo mesmas para entenderem que estão fazendo o seu melhor e terem a firmeza necessária para educar seus filhos sem que o fantasma da culpa fique na relação:

É importante a mãe buscar seu próprio equilíbrio para impor limites sem se sentir culpada, que diga não sem precisar “mendigar” o afeto dos filhos depois.

Nesse diálogo entre mãe e filho que se estabelece a base para aprendizados como respeito, confiança, generosidade, paciência, temperança e perdão. São lições que permearão toda a vida da pessoa em formação e tornarão mais amena a vida em sociedade.

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 14 de junho de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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