Você partiu meu coração

Mônica Wanderley
Marie Curie News
Published in
12 min readMay 1, 2019

Por que se trai?

quatro anos, meu marido admitiu que tinha me traído. Foi com uma mulher desconhecida, num bar. Ele estava completamente bêbado e disse que só aconteceu uma vez. Nós temos dois filhos juntos e eu o amo muito. Então, estou tentando esquecer e fazer as coisas darem certo em casa.”

“Descobri que ele me traía quando eu estava grávida do nosso primeiro filho. Fiquei completamente devastada. Decidimos continuar juntos e ele prometeu que não faria de novo. Um ano depois, quando fiquei grávida pela segunda vez, descobri que ele ainda mantinha contato com uma das amantes. Não consegui perdoar. Dois anos depois, ainda não sou capaz de olhar na cara dele sem sentir nojo quando ele vem buscar as crianças.”

“Meu marido achou que estava apaixonado pela amante, então saiu de casa e foi morar com ela. Ela pensa que conquistou ele, só porque ele me abandonou. Mas, hoje, ele trai ela comigo. Nós fazemos viagens juntos e ele passa muito mais tempo comigo do que com ela. A vingança é doce.”

“Meu ex-marido e eu ficamos juntos por 10 anos. Durante cinco deles, eu o traí com um amigo de infância por quem sempre fui apaixonada, que também era casado. Em várias ocasiões tentamos acabar com o affair, mas nunca deu certo, porque sentíamos falta um do outro. Estávamos apaixonados, mas não queríamos machucar nossas famílias. Eu, particularmente, tinha muito medo de me separar para ficar com ele, porque não sabia se confiaria nele. No final, acabei confessando tudo para o meu marido, durante uma discussão. Nos separamos. E eu decidi que não queria tentar ficar com esse meu amigo de infância. Quis começar um novo capítulo da minha vida, do zero.”

“Eu comecei a trair meu namorado quando descobri que ele me trai. Na verdade, ele me conta sobre todas as vezes que fica com alguém na balada ou durante uma viagem e eu finjo que não ligo. Mas aí, eu vou lá e fico com outro cara, só de raiva.”

“Eu traí, basicamente, todos os caras com quem já fiquei. Toda vez que um relacionamento começa a ficar sério, eu sinto um medo enorme de as coisas darem errado. Então, começo a paquerar outros caras.”

É difícil pensar que alguém entre num relacionamento com a intenção de trair. Mesmo assim, casos extraconjugais acontecem. A gente decidiu escrever sobre o assunto depois de uma conversa, aqui na redação. Apesar de virmos de lugares diferentes, termos criações diferentes, há um ponto em comum que mudou a história de nossas famílias: uma esposa que foi traída.

Sim, temos plena noção de que os homens não são os únicos que traem. Mesmo assim, pensando sobre nossa experiência pessoal e as histórias que ouvimos em nosso círculo de amigos e parentes, os relatos de traição quase sempre envolvem um homem traindo e uma mulher sendo traída. Quase todo mundo tem uma história assim para contar. Então, decidimos pesquisar:

Repare no gráfico acima. Ele mostra a porcentagem de americanos, homens e mulheres, que já traíram seus parceiros. Na horizontal, lá embaixo, estão as faixas de idade nas quais os entrevistados reportaram terem sido infiéis. É entre os 18 e 29 anos que as mulheres são mais propensas a trair — a pesquisa mostra até que o fazem mais vezes do que os homens, nessa faixa etária. Entrando no grupo de 30 a 39 anos, o “traição index” delas começa a cair, volta a subir por volta dos 40 e 49 anos e vai para baixo de vez a partir dos 60 e 69 anos. Para os homens, o indicador segue num crescente que só retrocede, pouco, mas retrocede, a partir dos 70 e 79 anos.

Outra pesquisa, esta feita pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, revelou que, no Brasil, os homens também traem mais. Depois de ouvir três mil pessoas, de todo o país, entre 18 e 70 anos, a psiquiatra Carmita Abdo constatou isso daqui:

  • 50% dos homens admitem já terem sido infiéis.
  • 30,2% das mulheres admitem já terem sido infiéis.

A faixa etária onde a traição foi revelada com maior frequência foi a de 41 a 50 anos: 53,8% dos entrevistados admitiram terem sido infiéis. Segundo Abdo, a disparidade já era esperada. Na cultura latina, diz ela, o homem não considera que relações de caráter exclusivamente sexuais coloquem em risco os relacionamentos com os quais planejam uma vida.

“O homem diz que isso faz parte da natureza masculina, que ele não vai abrir mão da oportunidade”, diz a psiquiatra. Já as mulheres, costumam trair quando não estão felizes com suas relações. “Geralmente, há uma insatisfação sexual ou afetiva, por isso, ela se permite.”

Mas, afinal, a pergunta que não quer calar é:

A monogamia não virou regra na sociedade ocidental por causa do amor. O homem precisava confiar na fidelidade da mulher para ter certeza de que os filhos eram seus e determinar quem ficaria com a herança da família.

Segundo a psicanalista Regina Navarro, a ideia do amor romântico, que defende que uma pessoa pertence à outra para sempre, só entrou nos casamentos a partir dos anos 1940, muito por conta dos romances retratados nos filmes de Hollywood.

“O amor romântico propõe a fusão, os dois se transformarem num só. Entre suas expectativas, que não se cumprem, estão a de que o amado terá todas as suas necessidades atendidas pelo outro, que nada mais vai lhe faltar. E a mais mentirosa de todas: a crença de que quem ama não sente tesão por mais ninguém”, disse ela, em entrevista ao UOL.

A psicóloga Esther Perel trabalha há anos com casais que foram abalados pela infidelidade. Para ela, um dos pontos mais curiosos sobre a traição é o fato de ser algo extremamente comum, mas pouco compreendido.

“Ao longo da história, os homens praticamente tiveram licença para trair com poucas consequências e eram amparados por uma série de teorias biológicas e evolucionistas que justificavam sua necessidade de sair por aí. Portanto, o duplo padrão é tão antigo quanto o próprio adultério. Mas quem realmente sabe o que acontece debaixo dos lençóis, certo? Porque quando se trata de sexo, o homem é pressionado a se gabar e exagerar, mas a mulher é pressionada a esconder, minimizar e negar, o que não é surpresa se considerarmos que ainda há nove países onde mulheres podem ser mortas por ter um caso extraconjugal.”

Esse cenário mudou com a entrada da mulher no mercado de trabalho. Independente economicamente, ela pôde descobrir a própria sexualidade e buscar parceiros que proporcionassem satisfação sexual. Algumas vezes, fora de casa.

Outra mudança que balançou a estrutura da sociedade foi a tecnologia. Com ela, a definição de infidelidade se expandiu para além do ato sexual em si. Pode significar uma troca de mensagens, assistir vídeos pornográficos, usar aplicativos de paquera. Para dar uma ideia: segundo esta entrevista do advogado Fabricio Posocco, quase 30% dos processos de separação e divórcio hoje estão relacionados às redes sociais.

Com um leque tão grande de tipos de infidelidade, definir o termo se torna quase impossível. Assim, não existe, atualmente, uma definição universal do que constitui a traição num relacionamento.

“Nunca foi tão fácil trair, e nunca foi tão difícil manter um segredo. E nunca a infidelidade demandou um custo psicológico tão alto. Quando o casamento era um empreendimento econômico, a infidelidade ameaçava nossa segurança econômica. Mas agora que o casamento é um acordo romântico, a infidelidade ameaça nossa segurança emocional.”

Ao contrário do que se pode imaginar, a desaprovação à infidelidade está crescendo. Segundo a General Social Survey (a pesquisa do gráfico que mostramos acima), 78% dos americanos e 84% das americanas veem a traição conjugal como errada, não importa a circunstância. Nos anos 1970, esse indicador ficava em 70,63% para os homens e 73% para as mulheres.

Mas só sexo?

Num artigo publicado no Psychology Today, o sociólogo especializado em infidelidade Robert Weiss discute o que motiva homens e mulheres a trair. Diz que, no geral, os homens conseguem compartimentalizar o sexo e as conexões íntimas. Isso significa que, para eles, sexo é sexo, enquanto relacionamentos ficam num outro degrau. Um não sobrepõe o outro, necessariamente.

Já para a maior parte das mulheres, o sentimento de intimidade é tão importante quanto o sexo — muitas vezes até mais. É por isso, talvez, que elas traem menos. “Elas tendem a não trair, a menos que se sintam infelizes no relacionamento ou que criem uma conexão íntima com o amante — o que pode fazer com que elas decidam sair do relacionamento principal”, diz ele.

Am❤ demais

Na pesquisa conduzida pelo Hospital das Clínicas, 3,4% dos homens e 2,6% das mulheres revelaram não ter um acordo de fidelidade com o parceiro. Fazem parte de um grupo crescente que defende relacionamentos abertos ou poliamorosos.

“O amor romântico está saindo de cena, levando com ele a sua principal característica: a exigência de exclusividade. Sem a crença de que é necessário encontrar alguém que lhe complete, surge a possibilidade de variadas opções amorosas”, diz Regina Navarro.

“Depois de seis anos de namoro, apartamento próprio quitado, viagens para todo canto do mundo, Fernanda e Luiz Felipe decidiram mudar o relacionamento que tinham. Em fevereiro do ano passado, começaram a ter uma relação aberta. “Eu ainda o amo muito, ele é meu parceiro de vida, mas eu me interesso por outras pessoas. E o mesmo acontece com ele”, diz Fernanda. “Começou quando ele foi passar uma temporada fora do país. A gente conversou sobre o assunto várias vezes para determinarmos algumas regras. Do tipo: contar para o outro quando está interessado em alguém, avisar que vai passar a noite fora e com quem. Claro que a gente não divide todos os detalhes do encontro, mas damos o mínimo de informação para o outro saber o que está acontecendo.”

“Eu aprendi muito com essa mudança. Não vou dizer que quero ter um relacionamento aberto pelo resto da minha vida, mas essa experiência me ensinou demais sobre as minhas próprias inseguranças, sobre os ciúmes que eu sentia. A sugestão de abrir o namoro foi minha, na verdade. Eu fiquei interessada por outra pessoa, mas sabia que era só uma paixãozinha, que não era a mesma coisa que eu sentia pelo Felipe. Mesmo assim, essa outra pessoa não saía da minha cabeça. Eu conversei com ele e a gente até considerou terminar. Só que aí o desenrolar da história passou pela minha cabeça: eu ia sair com aquele cara, ia ser bacana ou não, e no final eu ia querer voltar com o Felipe. Foi quando sugeri abrirmos o namoro.”

“Claro que não funciona desse mesmo jeito quando se tem filhos. E antes que todo mundo ache que eu sou dessas mulheres super desapegadas, poliamor, todo mundo junto, saibam: não sou. Da primeira vez que o Felipe saiu para um encontro, eu quis morrer, não parava de olhar o celular, não conseguia me distrair. Acabei enchendo a cara de vinho para pegar no sono. Acordei no dia seguinte com ele trazendo café na cama e dizendo que estava tudo bem, tinha sido ‘legal’, e pronto.”

Este texto é para quem já amou

Fora a crise no relacionamento e eventual separação, um dos efeitos da infidelidade é uma espécie de crise de identidade. Acontece que confiar em outra pessoa é algo que leva tempo e trabalho. É que, à medida em que a confiança cresce, mais essa pessoa se torna previsível para nós. E a perda dessa previsibilidade mostra que não temos controle sobre o que irá acontecer.

“A previsibilidade é importante porque ter uma ideia do que acontecerá nos faz sentir no controle de nossas vidas. À medida que observamos como nosso parceiro pensa e age em determinada situação, desenvolvemos um senso de como ele pensará e agirá em situações futuras. Se ele é consistente e tem nossos melhores interesses no coração, podemos acreditar que ele continuará a tomar as mesmas decisões no futuro. E, assim, confiaremos nele”, diz o psicólogo Louis H. Primavera. Em sua descrição, ele vai além e explica que a confiança num relacionamento é quase como um ato de fé.

Assim, quando uma pessoa é traída, toda a previsibilidade vai embora. No lugar, entram dúvidas — “será que conseguirei confiar no meu parceiro de novo? Será que conseguirei confiar em alguém de novo?”-, que mostram que não temos controle de nossas vidas.

Questões como essas tornam mais difícil que a vítima da traição consiga perdoar o parceiro. Um terço dos casais que tiveram problemas de fidelidade se divorciam e 33% acabam se separando depois de um tempo, porque a relação piora.

“Então como nos curamos de uma traição? O desejo é algo profundo. A traição é algo profundo. Mas pode ser curada. Algumas traições são uma sentença de morte para relacionamentos que já estavam morrendo aos poucos. O fato é que a maioria dos casais que vivenciam traições continuam juntos. Mas alguns irão apenas sobreviver, e outros serão realmente capazes de fazer da crise uma oportunidade”, diz Esther Perel.

Mas a verdade é que nem sempre é possível.

Por isso, vamos terminar a news de hoje com o depoimento de uma leitora, Marília L.:

“Logo quando deixei meu ex-marido, achei que tudo ia ficar magicamente melhor. Sabe, eu tinha criado força para sair, fiz o mais difícil. Mas o divórcio é algo mental e emocionalmente devastador. Os quatro anos seguintes da minha vida foram como se eu tivesse caído dentro de um poço. Levou um bom tempo até eu perceber que o meu erro foi ter deixado o que aconteceu comigo me definir. Eu me culpei, achei que ele havia me traído porque eu tinha engordado, porque eu já não era a jovem interessante que fui, porque a vida sexual havia caído na rotina. Pior, deixei a falta de confiança que tinha no meu relacionamento anterior afetar meus próximos relacionamentos. Vê o que eu estava fazendo? Pegando a culpa para mim.

Se eu pudesse dar um conselho a qualquer mulher que foi traída, seria esse: não se torture. Não vale a pena e nem faz sentido. Não fique procurando justificar o comportamento de outra pessoa colocando você mesma debaixo do trem. Aconteceu. É duro, eu sei, mas aguenta firme. Pelos seus filhos, seus pais, pelo que for que você tenha como mais valioso. Por você mesma. As coisas melhoram e o tempo cura, se você deixar. O segredo é esse: deixar. Sinta o luto, mas não se afunde na dor. Veja os amigos, vá ao teatro, leia mais, trabalhe mais, ouça música, ouça muita música, se encha de pessoas boas, nem que seja só para chorar. Porque uma hora passa. Acredita em mim.”

Marie Curie é uma newsletter que traz conteúdo para mulheres. Toda semana, discutimos algum tema ou trazemos uma entrevista que tenha impacto na maneira como você trabalha, se posiciona e se relaciona com a sociedade.

A versão original dessa matéria foi publicada em 02 de agosto de 2018. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

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