Marielle Semente: Ludimila Teixeira

Na semana que completa um ano do brutal assassinato de Marielle e Anderson a Mídia NINJA apresenta mulheres incríveis que carregam o legado de uma mulher negra, favelada, bissexual e ELEITA.

Colunista NINJA
Marielle Franco
8 min readMar 15, 2019

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Ludimila Teixeira é baiana de Salvador. Ela é criadora do grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (MUCB), que deu origem a maior manifestação de mulheres dos últimos anos, o #EleNão.

Seu ativismo começou antes, participando de mobilizações no grêmio da escola, DCE na universidade e depois no movimento sindical. Ser uma mulher negra da periferia a levou a sempre estar atenta e o cuidado que lembra na infância, das pessoas ao redor, se estende a sua militância, onde junto a outras nove mulheres, administra e organiza o MUCB, espaço que recebe e acolhe, além de discutir política e proporcionar protagonismo às pautas atuais.

Como Marielle, Ludimila também foca nas mulheres e em seu fortalecimento, como forma de dar voz e estímulo para que lutem e sigam na resistência.

Confira a entrevista completa com Ludimila Teixeira:

Onde você nasceu?

Salvador, Bahia.

O que queria ser quando criança?

Jornalista, realizei esse desejo em parte. Me tornei Bacharela em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, estudei na Universidade Católica do Salvador (UCSAL).

Como e quando se encontrou com o ativismo?

Sou uma mulher negra da periferia pobre de Salvador. Nasci em Cajazeiras, um dos maiores bairros da América Latina. O transporte público era tão precário, que o ativismo das pessoas da localidade, como eu, começou indo trabalhar ou estudar. Não tem opção se não lutar e resistir! Também tem a questão do assédio sexual dentro dos transportes públicos, assisti a um homem ser expulso do ônibus por ejacular em uma amiga minha aos 14 anos. Ser negra em Salvador também não é fácil.

Apesar de tudo, lembro que lá as crianças eram criadas todas juntas e as famílias humildes se ajudavam. Devo muito do meu conhecimento as pessoas da minha convivência na infância e na adolescência.

Recordo que na adolescência ainda em Cajazeiras participei da Juventude Alternativa de Cajazeiras (JACA). Nos reuníamos em vários lugares, espaços públicos do bairro, associações de moradores nos nossos bairros. Já debatíamos anarquia, política, os amigos tinham bandas de rock. Era natural na escola me aproximar das manifestações. Na época da universidade até colaborei na organização de uma greve de alunos na UCSAL. Depois disso até me aventurei às eleições do Centro Acadêmico de Comunicação Social e do DCE da mesma universidade. Infelizmente não obtive nenhum êxito naquela época, mas valeu muito a experiência.

Ingressei no INSS através de Concurso Público em 2003, ainda na época da universidade. Tinha então 20 anos, e logo fiz o primeiro contato com a greve da minha categoria. Outras greves ocorreram, mas em 2009 entrei de cabeça no Movimento Sindical. Lá com certeza foi a minha grande escola institucional. Entrei na oposição do sindicato de classe. Algumas vezes fui escolhida delegada da base, participei do Comando de Greve, quando tive a oportunidade de ir pela primeira vez a Brasília.

Participei de plenárias, fui a congressos da federação da Seguridade Social. Voltei a Brasília muitas outras vezes. Participei de manifestações, de audiências públicas. Tomei bala de borracha e spray de pimenta. Bati em porta de gabinete de ministros, deputados e senadores. Em 2015 participei de outra grande greve, mais uma vez integrei a equipe do comando de greve. Na minha categoria procuro estar presente nas mobilizações, tenho muita história para contar!

O cyber ativismo através do MUCB é mais uma frente de batalha que se abriu na minha vida.

O movimento é uma grande possibilidade de romper as barreiras físicas e ter contato com as pessoas. A plataforma digital permite a troca de informações de forma muito rápida. Todo mundo meio que se torna ativista também. Usada de maneira certa as plataformas digitais são ferramentas espetaculares e de protagonismo.

O que te fez tomar uma atitude contra o Bolsonaro?

O crescimento das intenções de voto ao então candidato, o qual era tão absurdo quanto perigoso, pois como na experiência norte americana em eleger Trump, comecei a vislumbrar essa possibilidade. Então, após uma conversa à noite com minha amiga Rosana Lima (que aliás pode ser considerada co-fundadora do grupo) sobre o que nós enquanto sociedade civil e mulheres de luta poderíamos fazer para barrar essa candidatura. Pensamos em organizar uma manifestação de rua, até então só com objetivo de alertar a população e mostrar que as mulheres não queriam um presidente machista e misógino. Daí dei a ideia de fazermos um grupo ou página pra criar um evento e marcar o ato pelo Facebook. Rosana disse na época que ia pensar no assunto e amadurecer a ideia no futuro. Ansiosa que sou, tive uma noite inquieta.

Na manhã seguinte, após checar minhas próprias redes sociais, percebi que as pessoas estavam indignadas de forma isolada. Senti que era chegada a hora de UNIR e fazer algo de forma coletiva.

Fiz uma pesquisa no Facebook e vi que existia um único grupo contra Bolsonaro, o “Brasil Contra Bolsonaro”. Entrei e li, não era um grupo político de fato, tinha de tudo nele. Daí pensei: Vou criar um grupo no Facebook exclusivo para mulheres com o objetivo de debater política, estratégias e marcar eventos para nos manifestarmos. Optei por criar um grupo e não uma página pelo simples fato de podermos todas publicar. Convidei todas as minhas amigas e inclui algumas delas na administração e na moderação do grupo.

Quem e o que mais te incentivou e te desestimulou nessa trajetória?

Quem mais incentivou? É difícil citar nomes porque tivemos cerca de 20 administradoras e 200 moderadoras que ajudaram a construir esse grupo com trabalho voluntário, carinho e muita dedicação. Atualmente creio que o mais correto seja citar as 9 administradoras que estão ao meu lado tanto nas trincheiras virtuais como nas ruas e em eventos paralelos: Adriana Monteiro, Ana Cleia Cordeiro, Andrea Coutinho, Camila Bessa, Daniele Paiva, Gisele Figueiredo, Jaci Galante e Sibely Santos. Sem falar na importância de cada uma das moderadoras e “membras” do MUCB.

Nosso trabalho é divido por equipes e cada uma dessas mulheres tão igualmente poderosas coordenam uma. Adoraria que todos as conhecessem, eu represento a todas, mas tudo é fruto de um grande trabalho coletivo. O que mais incentiva todas nós com certeza é a rede de solidariedade que se formou, no grupo elas compartilham experiências e se ajudam. É uma rede de amor e sobretudo acolhimento.

É muito bonito ver como elas buscam e dão suporte umas às outras, compartilham histórias, ajudam a educar e desconstruir preconceitos. Sem dúvida formamos um grande canal para temas que envolvem o nosso gênero e a nossa luta diária.

Quem e o que mais desestimulou? Os bolsominions e as mulheres infiltradas que tentam continuamente desestabilizar o grupo. Destilam ódio e preconceito, ofendem nossas participantes com comentários maldosos, racistas. Para driblar esse mal criamos uma uma equipe para combater esse mal estar, mas somos humanas e temos sentimentos. Muitas vezes esse olhar preconceituoso e ofensivo que se esconde atrás de um computador mina nossas forças, por isso é importantíssimo o suporte uma às outras. Ninguém solta a mão de ninguém é nosso lema!

Já pensou em desistir?

Muitas vezes, principalmente quando sofremos ataques de infiltradas, ataques hackers ou quando haters vão nas minhas redes sociais me xingar ou nas fotos dos meus parentes. Tenho medo como todo mundo de sofrer represálias, de estar em risco, de virar um alvo do fascismo e da extrema direita por defender aquilo que mais acredito.

O que a Marielle significou e significa pra você?

Confesso que como muitas brasileiras não sabia muita coisa sobre a Marielle até ela ser fatalmente assassinada. Sou de Salvador, temos grandes referências de mulheres negras na política e na luta também. Mas a forma brutal como a Marielle foi morta despertou em mim como em muitas outras pessoas um senso de justiça e luta espantosos.

Acredito que a história de vida dela e tudo que falava são fontes de inspiração para toda mulher e pessoa que se propõe a lutar pela democracia.

Quem são seus aliados e quem são seus inimigos?

Aliados são todas as pessoas que se proponham a combater o fascismo, as desigualdades sociais, todas as formas de preconceito, o genocídio do povo negro, indígena, que defenda demarcação das terras indígenas, a reforma agrária, a moradia justa para todos, que defenda a previdência social, o ministério e a justiça do trabalho, os animais. Quem defende os Direitos Humanos e a democracia são meus aliados!

Meus inimigos? A tradução da sigla do grupo que eu defendo fala por si só quem são meus inimigos, não?

Do que você tem medo?

Tenho medo de sofrer represálias ou ser mais uma vítima da violência. Sabemos que o nosso país não é mais seguro para ativistas. Mas também tenho medo de que as pessoas deixem o ego, a vaidade e as disputas partidárias tradicionais desvirtuarem a nossa luta.

Você já recuou por medo?

Não posso deixar o medo me paralisar, não pemitirei que ele silencie e assassine a minha voz.

Não posso deixar o medo me paralisar, há muito trabalho a ser feito. Tento não pensar sobre isso, mas óbvio que venho tomando providências para garantir a minha proteção, da minha família e também do grupo que represento.

O que te motiva a seguir em frente?

Como já falei antes, saber que essa rede de apoio formada a partir do MUCB está transformando a vida de muitas mulheres, pois estão se tornando protagonistas das suas próprias histórias, sabendo que podem ter voz dentro da nossa rede, que lá encontram apoio, isso me motiva e muito. Assim como o desejo de que possamos muito breve institucionalizar o grupo, assim nos ajudarmos ainda mais a participar ativamente da política. Além de orientar e incentivar outras mulheres também a lutarem por nossos direitos e de outras minorias. Ver os grupos paralelos se formando e as meninas se reunindo pessoalmente também é maravilhoso! O ativismo virtual caminhando para ações reais e concretas, é desafiador e muito animador!

Se você pudesse mandar um recado pra Marielle hoje, o que você falaria?

Muito obrigada por não ter tido medo e não ter desistido de lutar. Sua breve vida foi espetacular e sua história é fonte de inspiração para todas as mulheres, sobretudo as negras, pobres e de periferia como eu. Continuaremos sim a sua luta e faremos ecoar nossas vozes! Batalharemos juntas por justiça e para que nenhuma mulher sofra de violência e que seu algoz não fique impune.

Você plantou a semente e nós vamos regá-la! #MariellePresente

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