Marielle Semente: Mônica Francisco

Na semana que completa um ano do brutal assassinato de Marielle e Anderson a Mídia NINJA apresenta mulheres incríveis que carregam o legado de uma mulher negra, favelada, bissexual e ELEITA.

Mídia NINJA
Marielle Franco

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Atual deputada estadual do Rio de Janeiro, eleita com 40.631 votos em seu primeiro pleito, Mônica Francisco tem 48 anos, é mãe de dois filhos e avó de Antônio. Criada na Tijuca do Borel, desde cedo sua luta é por um país mais justo e igualitário. É militante pelos direitos humanos, atuou no movimento de favelas, na economia solidária, no empreendedorismo de mulheres e foi fundadora de duas rádios comunitárias no estado do Rio de Janeiro.

Mônica lida dia a dia com os preconceitos que ser uma mulher negra em uma sociedade racista e machista traz. Com muita garra, determinação e consciência de seu papel, ela foi assessora de Marielle Franco e hoje luta na ALERJ para manter o legado da vereadora assassinada vivo e pulsante, com conquistas reais para aqueles que representa.

“Marielle é a grande responsável por essa minha inserção na política institucional.”

Confira a entrevista com Mônica contando um pouco de sua trajetória e sua relação com Marielle Franco.

O que queria ser quando criança?

Quando criança eu não tinha muitas pretensões, mas quando eu comecei a entrar na pré adolescência eu quis ser professora de história, sempre gostei muito de história, meu sonho era isso.

Como e quando se encontrou com o ativismo?

Encontrei o ativismo sem saber que era ativismo, sem elaborar sobre isso, em 1988 quando parte do Borel, favela onde eu nasci e me criei, veio abaixo com a chuva. Eu já trabalhava na época, mas eu não pude ir porque a cidade parou no dia e como eu morava num lugar melhor, fui ajudar quem tava numa condição pior que a minha.

Ali eu me encontro com o ativismo, a partir de uma tragédia que, na verdade, não foi a chuva, mas sim a má gestão da cidade e o descaso que se agravaram com as chuvas.

O que te fez ir para o caminho institucional da política?

O caminho institucional da política é muito recente. Primeira experiência foi com a Marielle, minha primeira vez num mandato parlamentar e que foi muito importante, principalmente por ser um mandato de uma mulher negra.

Entrei pra política a partir da própria Mari, que eu posso dizer que foi a minha mentora. Mesmo eu não tendo tido o privilégio de ter ela ao meu lado durante a campanha e a construção da minha inserção na política institucional, seja no PSOL, seja agora, efetivando o mandato. Marielle é a grande responsável por essa minha inserção na política institucional. Embora eu já estivesse próxima ao partido, não só do PSOL, mas do próprio PT a partir das lutas e dos movimentos sociais aos quais eu fazia parte, a experiência é bem recente.

Quem e o que mais te incentivou e te desestimulou nessa trajetória?

O que mais me estimulou nessa trajetória foi entender que essa inserção na política institucional que a Marielle já antevia era a consequência de um processo de 30 anos de militância de luta, de ativismo ligado à defesa dos direitos humanos. Foi perceber que aquilo não era obra do acaso, era um lugar da consequência da luta e do quanto era necessário estar ali e ocupar esses espaços. Me entender nesse lugar também foi um processo de aprendizado, de entendimento da minha presença.

O que não era objeto de incentivo nesse processo e que por vezes trazia dificultadores, numa tentativa de desestimular mesmo, foram as condições extremamente precárias de infraestrutura.

O quanto que, para uma mulher negra, estar numa campanha é violento. Desde a precariedade de estrutura, não que sejam necessários milhões para uma candidata proporcional, mas infraestrutura adequada com a possibilidade de circulação, de ter inserção nos lugares, de ter opção de deslocamento.

Muitas vezes se deslocar com transporte público para fazer várias agendas no mesmo dia acaba dificultando, porque a distância entre os lugares é grande e você não tem um sistema de transporte eficaz que ligue toda cidade por exemplo, nem que ligue o estado de maneira eficaz. Os trens poderiam fazer isso, mas são um dificultador as vezes, é um excelente meio mas a demora, os atrasos, a redução dos horários de funcionamento no final de semana atrapalha muito.

Então, tem toda essa questão da infraestrutura, que é o mais básico, que vai da alimentação, porque muitas vezes durante a campanha a gente não conseguia se alimentar direito, até a própria violência do machismo, do racismo, de entender como os homens brancos não querem abrir mão do poder, principalmente pra uma mulher negra, porque estarmos nesse lugar significa que eles terão menos espaço pra um projeto extremamente patriarcal e machista, mesmo sendo projetos de esquerda, porque o machismo e o racismo ainda estão muito entranhados nesse processo.

Já pensou em desistir?

Se eu já pensei em desistir? Todos os dias, todo momento. As vezes com mais intensidade, as vezes com menos. Isso é do processo da luta, da vida, das dificuldades, a gente pensa em desistir e no dia seguinte você fala vou à luta, vou em frente porque tem centenas de pessoas que contam com a sua luta.

Vemos o quanto a representatividade é importante, o quanto é importante que a gente esteja nesses lugares, mas a vontade de desistir é dia sim e outro também, é parte do jogo.

O que a Marielle significou e significa pra você?

O melhor desse lugar da política institucional. Uma amiga, uma figura incrível que eu pude conhecer antes desse processo violento de política, eleição. Uma saudade, cada vez mais a certeza de que ela não está aqui fisicamente mas ela significa. A resposta a essa pergunta é muito difícil porque ela significa tantas coisas, significa luta, força, resistência, afeto, honestidade, compromisso, resiliência, trabalho, significa amizade. É muito forte essa relação.

Quem são seus aliados e quem são seus inimigos?

As minhas aliadas e aliados são todas e todos que resistem e lutam contra as opressões do racismo e do patriarcado. Que estão no enfrentamento e na resistência a esse projeto de morte.

Os meus inimigos todos aqueles que estão exatamente produzindo esse sistema de morte, de opressão, de expropriação, de desumanização.

Esse projeto racista de morte, esses são os meus inimigos, aqueles que detém esse projeto e que o levam e colocam em curso, que produzem o extermínio e a morte das minorias que são maiorias sociais nesse país.

Do que você tem medo?

Tenho medo natural, humano, mas não o medo que paralisa. Engraçado né, porque eu não consigo encontrar uma resposta pra essa pergunta rápida desse jeito porque o medo é presente mas pra mim ele representa prudência, cuidado, não o medo que me paralisa. Eu acho que eu tenho medo de, não sei… não sei responder essa pergunta porque parece que inconscientemente o medo não faz parte da minha caminhada, mas eu tenho medo… de barata, de rato, de… não sei, mas é não medo, é prudência, cuidado.

Você já recuou por medo?

Recuar por medo? Tô tentando achar aqui, não, eu não me lembro de ter recuado por medo. Talvez eu tenha tido um pouco mais de prudência e cuidado em algumas situações, mas recuar por medo não.

O que te motiva a seguir em frente?

O dever e a responsabilidade histórica e ancestral que eu tenho de estar nesse lugar de luta. Não nesse lugar da política institucional, mas de ser uma militante que luta, alguém que dá a voz, alguém que possibilita que outras pessoas tenham voz. Alguém que possa de alguma maneira ampliar e buscar respostas junto, então isso é fundamental pra mim.

Se você pudesse mandar um recado pra Marielle hoje, o que você falaria?

Eu diria que ela tá fazendo muita falta pra mim. Diria que queria muito saber o que ela faria em algumas situações e diria que eu não gostaria de mandar recado, gostaria que ela tivesse perto.

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