Bolsonaro e Netanyahu, uma relação arriscada para o Brasil?
Por Marina Verenicz
Como uma das primeiras medidas do governo do atual presidente brasileiro foi fortalecer laços com o primeiro ministro israelense. Além da visita amigável, os líderes selaram uma aliança política-religiosa Mas quais são as consequências desses atos?
No último 30 de março, o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, embarcou para Israel com objetivo de estreitar relações com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Dois meses antes, o líder semita havia enviado equipes de resgate e equipamento de última tecnologia para ajudar no resgate do desastre de Brumadinho.
Durante a viagem, Bolsonaro anunciou a abertura de um escritório de comércio e turismo na cidade de Jerusalém. Além disso, deixou em aberto a possibilidade de mudar a embaixada brasileira, que hoje se encontra em Tel Aviv, para a cidade sagrada dos muçulmanos, cristãos e judeus.
Algumas horas após o comunicado realizado no dia 1º de abril, o Hamas, grupo palestino que controla a Faixa de Gaza e é considerado terrorista por EUA e Israel, condenou a visita de Bolsonaro ao país. Em nota, o grupo afirmou que a viagem não apenas contradiz a histórica atitude do povo brasileiro de apoio à causa palestina como também viola leis internacionais.
Ainda no comunicado, o grupo extremista exige “que o Brasil recue de imediato desta política que viola a legitimidade internacional e vai contra a posição histórica. Essa política não ajuda a estabilidade e a segurança da região e ameaça os laços do Brasil com países árabes e muçulmanos”.
Em resposta ao pedido de retratação palestino, Flávio Bolsonaro, o filho do presidente, publicou em uma rede social um recado ao Hamas que dizia: “quero que vocês se explodam”. A mensagem foi apagada em seguida, mas contribuiu para aumentar a tensão entre as partes e elevar o tom do debate em torno do acordo.
No âmbito internacional, essa decisão demonstra, cada vez mais, o alinhamento do representante do Estado brasileiro com o presidente norte americano, Donald Trump.
Em 2017, Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, quebrando a neutralidade americana com relação a um conflito em torno da cidade sagrada que já dura mais de 70 anos.
Essa transferência representou também o fim das relações já deterioradas entre Trump e a liderança palestina, Mahmud Abbas.
O fechamento do escritório da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Washington, a extinção do consulado geral dos Estados Unidos para assuntos palestinos em Jerusalém e o fim da ajuda a milhões de refugiados palestinos: estas três atitudes reforçaram a rejeição, por parte dos EUA, de qualquer tentativa de mediação entre os dois lados.
A nova embaixada americana foi inaugurada em 14 de maio de 2018 e coincidiu com um conflito sangrento na Faixa de Gaza, que vitimou 62 palestinos por tiros israelenses.
Como consequência dessa mudança, Benjamin Netanyahu convocou “todos os países a se unirem aos EUA e transferirem suas embaixadas para Jerusalém”.
Seguindo o exemplo, Guatemala e Paraguai também transferiram suas embaixadas. No entanto, a paraguaia retornou a Tel Aviv quatro meses depois, depois da eleição do novo presidente Mario Abdo Benítez.
Austrália e República Tcheca sinalizaram positivamente em relação à transferência, mas, até agora, nenhuma mudança nesse sentido foi anunciada por estes países.
Esse impasse atrai as atenções do mundo para a tensão na fronteira entre Gaza e Israel que, intensificada nos últimos meses, e, que, ao longo dos anos, já vitimou milhares de israelenses e palestinos.
Hoje, a comunidade internacional julga ilegal a anexação da Jerusalém Oriental à Palestina. Por outro lado, Israel considera que este território faz parte de seu país, e que neste momento encontra-se ocupado pelos palestinos.
Na prática, as transferências das embaixadas para Jerusalém representam a assunção de um dos lados no conflito Israel-Palestino. Por um lado, este conflito envolve a reivindicação palestina de tornar Jerusalém Oriental a capital de um futuro Estado. Por outro, conta com a resistência israelense, baseada na proposta de manter a cidade como “eterna e indivisível”.
OS CONFLITOS DA CIDADE SAGRADA
A cidade de Jerusalém, considerada sagrada por católicos, judeus e muçulmanos, está no centro do conflito entre israelenses e palestinos há mais de sete décadas. Tanto Israel quanto a Palestina desejam transformar a cidade na capital de seus respectivos Estados.
Até 1922, a região da Palestina estava sob o domínio do Império Turco-Otomano, que se estendia por uma vasta região, abrangendo o Oriente Médio, o Norte africano, a Península Arábica e parte da Ásia.
No entanto, no final do século XIX, os judeus, defendendo seu direito sagrado de morar em Israel, começaram a comprar terras dos otomanos na Palestina, visando construir um Estado Nacional para si.
Alguns anos depois parte dessas terras já estava ocupada pelos judeus, criando, assim, uma infraestrutura para o retorno de seu povo.
O motivo principal do êxodo judaico da Europa e da construção de seu próprio Estado advém do histórico de perseguições sofridas pelos judeus desde a Antiguidade.
Durante o período entre as duas Guerras Mundiais, as terras compradas foram transformadas em áreas inalienáveis, só podendo ser vendidas a judeus — fato que passou a incomodar os árabes locais.
A insatisfação entre as duas partes aumentou sensivelmente quando o grão-muftī (líder espiritual dos muçulmanos) de Jerusalém, Hajj Amin al-Husseini, se aproximado de Adolf Hitler, deixando clara a sua adesão às ideias antissemitas.
Como resultado dessa tensão, deu-se início a primeira revolta árabe de grande proporção contra os judeus na Palestina, que ocorreu entre os anos de 1936 e 1939. Essa revolta árabe foi a primeira de outras três, que deram início à guerra árabe-israelense, em 1948.
No final da guerra árabe-israelense a cidade de Jerusalém foi dividida entre os dois povos. A Israel coube o controle sobre Jerusalém Ocidental e à Jordânia, o de Jerusalém Oriental — que inclui partes da antiga cidade e importantes localidades sagradas para judeus, cristãos e muçulmanos.
Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, oriunda das tensões entre os países árabes e Israel, a cidade de Jerusalém esteve quase sempre sob o controle de grandes impérios, como o Bizantino, o Otomano e o Britânico, retornou ao controle de um estado judeu.
Alguns anos mais tarde, em 1980, visando impor sua hegemonia sob o território sagrado, Israel aprovou uma lei anexando Jerusalém Oriental, onde construiu vários assentamentos, realocando mais de 200 mil judeus.
Tal medida foi vista por parte da comunidade internacional, inclusive pela ONU, como ilegal, não tendo sido esse território reconhecido como pertencente ao estado judaico. A instalação de assentamentos foi condenada pelo Tribunal Internacional de Haia em 2016, sob a alegação de que tal ação por parte dos israelenses inviabilizam uma solução pacífica para os dois povos.
“O direito internacional, especialmente a Convenção de Genebra, proíbe a transferência de civis para regiões sob ocupação militar. Desde a guerra dos seis dias, Israel ocupou a Cisjordânia e a Jerusalém Oriental. E aos poucos vem transferindo população civil, por meio dos assentamentos. Junto com os assentamentos foram criados check-points que impedem o livre trânsito entre cidades. Tudo isso vem matando, em doses homeopáticas, a possibilidade da solução de dois estados: o israelense e o palestino” explica o professor de relações internacionais da FAAP, David Magalhães.
Durante o julgamento pelo tribunal internacional, o EUA de abstiveram da votar, tanto contra quanto à favor da condenação. Isso seria razoável do ponto de vista dos americanos estarem assumindo uma atitude neutra no conflito.
Isso até ano passado quando o presidente norte-americano transferiu a embaixada de seu país para o território em conflito, reconhecendo Jerusalém como capital única de Israel.
Essa decisão preocupa a comunidade internacional já que compromete a neutralidade dos EUA na mediação do conflito. Para a entidade, a cidade deveria ser partilhada entre israelenses (porção ocidental) e palestinos (porção oriental).
No entanto Israel afirma que a cidade toda, unificada, é sua. Toda essa disputa se dá em um território onde vivem 810 mil habitantes em apenas 150 quilômetros quadrados — um décimo da cidade de São Paulo ou um oitavo do Rio. Encravada entre Israel e a Cisjordânia (território palestino ocupado por Israel), Jerusalém funciona como um microcosmo do conflito israelense-palestino.
A FAIXA DE GAZA
Faixa de Gaza é um território, cedido por Israel para os palestinos em 2005, composto por uma estreita faixa de terra localizada na costa oriental do Mar Mediterrâneo, no Oriente Médio, que faz fronteira com o Egito no sudoeste (11 km) e com Israel no leste e no norte (51 km). O território tem 41 quilômetros de comprimento e apenas de 6 a 12 quilômetros de largura, com uma área total de 365 quilômetros quadrados.
A população da Faixa de Gaza é de cerca de 1,7 milhão de pessoas. Apesar da maior parte da população ter nascido na Faixa de Gaza, uma grande parte se identifica como refugiados palestinos, que fugiram para Gaza durante o êxodo palestino após a guerra árabe-israelense de 1948. Hoje, a população que ocupa o território é predominantemente muçulmana sunita.
Com uma taxa de crescimento anual de cerca de 3,2%, a Faixa de Gaza tem a sétima maior taxa de crescimento demográfico do mundo, além de ser um dos territórios mais densamente povoados do planeta. A área sofre uma escassez crônica de água e praticamente não tem indústrias.
Apesar da desocupação do território de Gaza em 2005 por Israel, o país continua mantendo um bloqueio que restringe a circulação livre de mercadorias, serviços e pessoas, por ar, mar e terra entre os países árabes e o território palestino isolado.
“Em 2006 houve eleições na Palestina, convocadas pelas autoridades internacionais por entenderem que a população muçulmana tinha um déficit de representatividade. O Hamas venceu as eleições, a comunidade internacional não aceitou alegando que não se tratava de um partido, mas de uma organização terrorista”, conta o professor de relações internacionais.
Ele continua, “em 2006 o Hamas decidiu tomar pela força a Faixa de Gaza. E Israel vai, a partir desse momento, estabelecer um cerco, por terra céu e ar à Gaza entendendo que só assim poderia aniquilar definitivamente o Hamas, não considerando ele como um governo”.
Em 2007, o grupo extremista Hamas passou a controlar a Faixa de Gaza, depois de atacar outro grupo palestino local, o Fatah, considerado mais moderado por ser mais político e menos militar. O Fatah controla a Cisjordânia. Gaza, já sob controle total do Hamas, seria pesadamente atacada em 2009, 2012 e 2014 por Israel.
Em todo esse período, houve enfrentamentos letais, mas de menor escala. No entanto, desde março de 2018 mais de 200 palestinos foram mortos por forças israelenses ao tentarem voltar para territórios hoje ocupados por Israel.
Para David, “Israel está crescendo o cerco, e a fazer um cerco contra o Hamas, ele condenou toda uma população que mora em Gaza, que não tem nada a ver com o Hamas. Recentemente, inclusive, a população de Gaza foi a rua contra o governo do Hamas, e foi reprimida também. A população de Gaza apanha do Hamas e apanha de Israel quando o Hamas joga os foguetes do outro lado das fronteiras”.
A demora na criação de um Estado palestino independente, o bloqueio de Israel a Gaza e a construção de assentamentos israelenses na Jerusalém Oriental, condenada pelo Tribunal Internacional de Haia, complicam o andamento de um processo de paz.
A situação em Gaza vem se agravando progressivamente nos últimos anos, assim como o ressentimento da população e da crise econômica que assola a região, escassa de recursos naturais.
Com o desemprego em torno de 44%, o difícil acesso a água potável e cortes de energia de 12 horas por dia prejudicam o funcionamento dos hospitais, a faixa está prestes a entrar em colapso, segundo um alerta das autoridades das Nações Unidas.
Em 2018, o Catar, visando fortalecer o estado palestino, ofereceu ajuda financeira ao Hamas. Para que isso fosse possível a monarquia árabe acordou com Israel o trânsito de dinheiro por seu território em troca de uma relativa calma na fronteira da Faixa de Gaza por parte do grupo extremista.
Para o professor, “as monarquias do golfo partilham da mesma vertente do Islã e compartilham a mesma visão do Hamas. A gente chama de ideologia do arabismo. Eles financiam essa ideologia onde quer que elas estejam, seja na vertente do Estado Islâmico (ISIS), seja no projeto político do Hamas na Palestina”.
“Essas monarquias do Golfo, não só o Catar, mas, por exemplo, a Arábia Saudita, há indícios de que eles estão por trás do financiamento do Hamas, e seria por conta de uma visão político-religiosa em comum, que pode ser traduzida no arabismo. O Arabismo são essas linhas xiitas que visam reconstruir a sociedade, construir um estado islâmico onde quer que ele esteja, a partir das sharias. “
Em novembro de 2018 o Catar transferiu cerca de 90 milhões de dólares para Gaza. Desse valor, 15 milhões foram usados para pagar cerca de 40.000 funcionários do Hamas, e pelo menos um terço foi destinado a pessoas em situações precárias.
Essa ajuda pode ser vista tanto como uma ajuda humanitária quanto um fortalecimento do Arabismo. No entanto, aos olhos da comunidade internacional, a intermediação do Catar no conflito pode significar diminuição das tensões entre os dois estados.
Em consequência deste acordo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi criticado por seus rivais políticos, principalmente por aqueles que assumem uma postura mais radical contra a existência do Hamas.
Em janeiro, após reiterados episódios de violência na fronteira, o trânsito dos pagamentos do Catar foi bloqueado temporariamente por parte da autoridade de Israel. Algum tempo depois, os repasses foram autorizados novamente. Apesar disso, o Hamas rejeitou o recebimento dos valores, acusando Netanyahu de mudar os termos do acordo.
Em resposta, o Catar anunciou que deixará de pagar os salários dos funcionários do Hamas, e que os pagamentos acordados seriam destinados apenas para famílias necessitadas.
Em fevereiro, Israel afirmou que começou a reforçar sua cerca na fronteira com a Faixa de Gaza. Essa medida também visa afetar os túneis subterrâneos utilizados pelos palestinos para cruzar a fronteira, segundo o Ministério da Defesa de Israel.
Apesar dessas medidas que tem como objetivo restringir o trânsito de pessoas na Faixa de Gaza, em março deste ano, Israel reduziu as restrições impostas aos pescadores palestinos que vivem na Faixa de Gaza, que estava em vigor há mais de 10 anos, desde que o movimento islamita Hamas assumiu o poder do território.
As decisões israelenses acontecem em um contexto de discussões indiretas entre Israel e Hamas com a intermediação do Egito para reduzir a tensão entre as partes.
No entanto, a transferência da Embaixada americana para Jerusalém, como consequência do reconhecimento da cidade sagrada como capital do Estado judaico, acirrou ainda mais os conflitos, lesando de morte a solução de dois estados proposta pela ONU.
Para o professor de relações internacionais, existem poucos sinais da realização desta proposta. “Só sobrou uma possibilidade, que é a solução de um estado, que não deixa de ser difícil”.
Ele explica: “a ideia é a criação de um estado que fosse do mediterrâneo até o Jordão. Para que fosse possível, seria necessário dar direitos políticos a população palestina, que hoje vive sob lei marcial de Israel. E isso poderia mudar o equilíbrio demográfico na região e dar a possibilidade dos palestinos votarem um líder árabe. Isso acaba com o projeto sionista”.
O projeto sionista nasceu de uma demanda judaica para que eles deixassem de ser minoria na história. No entanto, a criação de um Estado que englobe os dois povos teria que deixar de lado a vontade da existência de um estado judaico, de um etno-estado.
“Só a refundação de Israel sob novas bases, poderia mudar o conflito, ou seja, a aceitação de um estado binacional. Fora isso eu vejo poucas possibilidades de Israel decidir remover os assentamentos na Cisjordânia e remover também o bloqueio à Faixa de Gaza.”, afirma o professor.
A TRANSFERÊNCIA DA EMBAIXADA E O ALINHAMENTO ENTRE O GOVERNO BOLSONARO E ISRAEL
Para o professor de relações internacionais da FAAP, David Magalhães, a saída adotada pelo presidente brasileiro pode ser vista como uma solução mais branca para atender às demandas externas e internas.
“O Brasil estaria, se movesse a sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, contrariando todos os consensos internacionais, estabelecido em resoluções da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança, e de uma série de outros organismos internacionais. No entanto, o governo brasileiro escolheu um caminho intermediário e esse caminho não traz esse elemento simbólico como a transferência da embaixada traz”, afirma o professor.
A abertura de um escritório sem um status diplomático, apesar de representar um recuo por parte da autoridade brasileira, “desagradou tanto gregos quanto troianos”, segundo David.
Para ele, “a decisão não trouxe benefícios nem para os setores comerciais que estavam preocupados com as relações com o mundo árabe, e tão pouco atendeu as demandas ideológicas dos grupos neopentecostais”.
No âmbito da política interna, essa aproximação entre o Brasil e Israel atende ao pleito de grupos pentecostais e neopentecostais, apoiadora do atual presidente. Esse grupo evangélico se baseia em interpretações bíblicas para afirmar que Jerusalém deve ser “protegida” e habitada pelos judeus.
No que diz respeito à política externa, a decisão do presidente altera a posição adotada historicamente pelo Brasil. “Ao que tudo indica, o governo Bolsonaro, flerta com o abandono com a solução de dois estados e considera basicamente que a demanda palestina é completamente ilegítima. Nesse sentido há uma mudança radical no comportamento do Brasil”, explica o professor.
No quesito tecnologia, Bolsonaro já afirmou que se utilizará das parcerias para a transferência de conhecimento científico. Os processos de irrigação para o setor agrícola, os de dessalinização de água em áreas de seca e a segurança cibernética para uso no combate ao crime organizado, integrantes da agenda que o elegeu como presidente, poderiam ser afetados positivamente.
Já em termos econômicos, a transferência pode ter efeitos negativos, uma vez que as transações com países árabes têm maior peso financeiro do que aquelas realizadas com Israel. É possível que a aproximação entre os governos gere retaliações do mundo árabe, o que afetaria, principalmente, o setor do agronegócio, como de produção de açúcar, carne de boi e frango e milho.
Segundo dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior Brasileiro (Siscomex), os países árabes são o 5º principal destino de produtos brasileiros. Juntos, esses países compraram cerca de US$ 10 bilhões de dólares de janeiro a setembro de 2018.
Países árabes e o Irã respondem por quase 6% de todas as exportações brasileiras e cerca de 10% das exportações do setor agropecuário do Brasil. E a tendência, até pouco tempo, era de crescimento.
Essas retaliações do mundo árabe também poderão afetar o Brasil no cenário político-diplomático, uma vez que a nova parceria impacta na forma como o país é visto internacionalmente. Atualmente, é com países árabes que o Brasil tem contado em votações internacionais importantes, tanto na Organização Mundial do Comércio (OMC) e nas Nações Unidas (ONU).
Para o cientista político americano Peter Hakim, do centro de pesquisas The Inter-American Dialogue e um dos maiores pesquisadores de política externa da América Latina, a atitude do governo brasileiro também traz riscos para a imagem do país ante a comunidade internacional, especialmente entre os países comprometidos com a paz no Oriente Médio.
Com clima tenso entre Brasil e países árabes após promessas do presidente Jair Bolsonaro sobre Israel, o Planalto realizou uma reunião com trinta e quatro embaixadores árabes islâmicos em Brasília, com o objetivo de apaziguar os ânimos de ambas as partes, numa tentativa de minimizar as consequências.
Ali Houssein el-Zoghbi, vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), entidade responsável pela certificação da carne halal brasileira, que também participou da reunião, afirmou que o risco de que os mercados árabes suspendam o comércio com o Brasil caso se consolide a mudança de embaixada em Israel existe, apesar de não haver certezas sobre as consequência da mudança diplomática.
Apesar disso, o caminho intermediário tomado pelo presidente brasileiro parece ter sido eficiente para acalmar os ânimos dos envolvidos. Após o anúncio do governo brasileiro da abertura de um escritório de negócios em Israel, o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Rubens Hannun, falou a Rede Brasil Atual, que espera haver equilíbrio no comércio com o bloco árabe.
“Esperamos que possa haver no mínimo um tratamento igualitário, que escritórios como esse também sejam abertos nos países árabes, inclusive na Palestina. A neutralidade é importante para os negócios.”, afirmou o presidente à Rede.
No mais, uma outra questão envolvendo segurança faz parte desse conflito. Uma fonte graduada do governo brasileiro revelou, em novembro de 2018, ao GLOBO que diplomatas que se encontram em embaixadas localizadas nos países árabes estão preocupadas com a segurança. Existe certo temor de que o Brasil seja alvo de grupos radicais contrários à posição de Bolsonaro de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.
O professor afirma ser a segurança internacional uma preocupação do vice-presidente General Mourão. “Ele entende que qualquer movimento nesse sentido pode colocar o Brasil no radar do terrorismo internacional, principalmente do Hamas e das jihads islâmicas, e de qualquer outra organização que advogue para o estado palestino e que seja fundamentalista”.
Além disso, para David, as movimentações pró-governo de Netanyahu tem um teor mais ideológico do que pragmático. “A primeira viagem que o Bolsonaro fez foi para afirmar uma relação com esse governo populista, com Netanyahu. É com uma Israel específica”.
“É de Jerusalém, não é com a Tel Aviv circular, moderna e liberal, é com a Jerusalém conservadora, que tem o projeto da grande israel. É essa Israel com o qual o governo brasileiro está se relacionando”, conclui.
Ainda para o professor essa aproximação com o estado israelense se relaciona mais com a política interna do que com a externa. Ela se conecta com a ideologia de grupos internos e atenderia as demandas da direita conservadora do Brasil e de grupos evangélicos.