Estamos vivendo sob um estado religioso?

Como a moralidade religiosa se faz presente no governo do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro

Marina Verenicz
Marina Verenicz
4 min readDec 4, 2019

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Por Marina Verenicz e Diego Bonetti

Presidente fazendo sinal de ‘arminha’ na Marcha para Jesus. (Arquivo Blasting News)

De outsider a líder da nação. Jair Bolsonaro foi eleito o novo presidente da República sob a perspectiva da idolatria. A construção desse fenômeno pode ser atribuída tanto a seus apoiadores e mídia — assumidamente direitista -, quanto pelos seus adversários políticos que ao tentar desmoralizá-lo apenas conseguiram reafirmar a figura construída.

Nietzsche, em sua obra, “O crepúsculo dos ídolos” (1889), já escrevia sobre o problema de a sociedade atribuir rótulos de ídolos, mitos e quase deuses em figuras públicas. Para o escritor, tal idolatria representa a imagem que projetamos nas pessoas, em consequência da decadência do pensamento.

É natural que a sociedade eleja heróis em tempos de crise. Ainda que Nietzsche tenha feito uma ampla crítica quanto ao pensamento ocidental, a sociedade política brasileira pode, facilmente, ser enxergada no raciocínio do pensador alemão.

Ao final da primeira gestão do governo de Dilma Rousseff, o Brasil vivenciou um dos piores momentos de sua história, no que se refere ao seu quadro político, realidade econômica e institucional.

A pauta da corrupção ocupou quase por completo os noticiários, com as principais entidades do país sendo diretamente ligadas a um dos maiores esquemas de desvio de dinheiro público da história.

As instituições perderam sua credibilidade, assim como toda estrutura política. No entanto, por vias democráticas, os brasileiros optaram pela solução de buscar o herói que salvaria a nação de tantos problemas estruturais.

Na criação de mitos e idolatria por figuras pouco conhecidas, surgiram aqueles que seriam responsáveis por tirar o país da lama, a quem muitos atribuíram uma confiança cega.

De forma repentina, Jair Bolsonaro, figura irrelevante por tantos anos de sua vida pública, ganhou o rótulo de mito por boa parte da sociedade. O resultado foi o grande apoio popular durante a campanha presidencial, refletindo posteriormente em sua vitória nas urnas.

Bolsonaro representava uma nova política. Honesta e isenta de improbidades, que valoriza os padrões da “família tradicional brasileira”. Para além disso, o atual presidente tenta resgatar valores que confrontam a pauta progressista.

Sob os conceitos de Edmund Burke, no que se refere à imaginação moral, Bolsonaro não demonstra intimidação ao tratar de assuntos como identidade de gênero, escolas sem partido e casamento com pessoas do mesmo sexo. O mandatário, constantemente, legitima os valores conservadores enraizados na sociedade com seu discurso.

O resgate dos princípios da “família tradicional brasileira” está diretamente ligado à ideologia cristã. Muitos eleitores foram seduzidos pela narrativa, em sua campanha eleitoral, por atingir a imensa maioria da população brasileira que adere a religião, de que retomando valores religiosos, retomaríamos um caminho legítimo e livre de corrupção como sociedade.

Tal conduta também pode mostrar nas entrelinhas uma intolerância religiosa presente no país, ao passo que considera aqueles valores determinados pela doutrina cristã como único meio capaz de nos levar à um caminho justo. Desta forma, pode-se entender que outras religiões, tão presentes no Brasil, são rodeadas de imoralidade e a única religião a ser respeitada é a cristã.

Entretanto, se por um lado a bandeira dos bons costumes e proteção aos valores da família são defendidos, por outro decisões e condutas pouco republicanas são evidenciadas no primeiro ano de seu governo.

A espiritualidade e religião nunca foram aspectos tão marcantes na figura de presidenciáveis brasileiros. O posicionamento deflagra uma ameaça aos preceitos democráticos, uma vez que a bancada evangélica ganha uma força no Congresso sem precedentes.

Mais do que isso, a ideia do Estado laico é colocada em xeque com uma forte predileção por uma determinada religião. Figura presente em eventos religiosos como a Convenção Nacional das Assembleias de Deus, o presidente lembrou o julgamento do Supremo Tribunal Federal em que seis dos onze ministros votaram a favor de incluir a homofobia e a transfobia na lei que define o crime de racismo.

Na ocasião, Bolsonaro sugeriu a presença de um ministro “terrivelmente evangélico” no Supremo. O presidente lembrou da isenção religiosa que o Estado deve ter, mas fez questão de lembrar seu posicionamento a favor do cristianismo.

Em pouco tempo no poder, Bolsonaro mostrou que nunca foi um parlamentar que atuava contra o sistema. Uma gestão desorganizada, sem base de apoio, com conflitos de interesses entre seus pares, até investigações contra seus filhos e rompimento do partido que o elegeu.

Em contraponto, e demonstrando uma incoerência, ele parece representar os defensores da moral e dos bons costumes quando afirma querer retomar uma sociedade moral, muito baseada naquela imposta pela religião.

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Marina Verenicz
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Jornalista formada em Direito. Em um relacionamento sério com a política. Missão: desmistificação.

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