Quem foi Coronel Brilhante Ustra
Por Marina Verenicz
Conheça mais sobre esse personagem da história brasileira, reconhecido pela justiça como torturador em 2008, que continua aparecendo nos noticiários
Naterça-feira, em uma das salas de aula da FAAP, foram encontradas as intervenções “Ustra, Herói Brasileiro”, além de outras palavras de ordem e expressões de incitação ao ódio, sobrepostos aos trabalhos realizados por alunos para a disciplina de Criatividade, da professora Clemara Bidarra. As frases causaram indignação e alguns alunos convocaram um ato na manhã de hoje, dia 26 de setembro, em repúdio ao ocorrido.
Jair Bolsonaro repetiu a frase, “Ustra, herói brasileiro”, diante do Conselho de Ética da Câmara que analisava, em processo disciplinar, a possível quebra de decoro parlamentar por esta mesma afirmação proferida durante a primeira fase de votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A homenagem à Ustra, reconhecido pela justiça como torturador em 2008, foi alvo de críticas ao deputado, principalmente por aqueles que passaram pelo escritório do Doi — Codi de São Paulo.
Gilberto Natalinni, ex-vereador pelo Partido Verde, declarou em entrevista à BBC Brasil, que havia sido preso e torturado pelo Coronel e que “Bolsonaro não tem o direito de reverenciar a memória de Ustra. Ustra era um assassino, um monstro, que torturou a mim e a muitos outros”, disse.
Para entender melhor quem é esse personagem e o porquê da afirmação do presidenciável ter sido questionada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, o LabJor FAAP elaborou um perfil do Coronel Brilhante Ustra para elucidar dúvidas e incentivar o debate acerca do assunto.
#perfil
O Coronel Brilhante Ustra tornou-se conhecido durante o endurecimento do regime militar brasileiro, conhecidos como anos de chumbo, por volta do ano de 1968, quando chamou atenção do Exército pelos seus esforços para impedir ações dos opositores ao regime usando métodos de “contra inteligência”.
No ano seguinte, em 1969, na capital paulista, foi criado um centro de investigações conhecido como Operação Bandeirante, a Oban, que tinha como objetivo obter informações sobre os dissidentes por meio de métodos de tortura. O então major, Ustra, fazia parte dessa organização.
Segundo relatos redigidos na prisão por frei Tito, preso político na época da ditadura, ao ser levado para a sede da Operação Bandeirantes, ele foi informado que ali iria “conhecer a sucursal do inferno”.
“Pouco depois levaram-me para o “pau-de-arara”. Dependurado, nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-me “telefones” (tapas nos ouvidos) e berravam impropérios. Isto durou cerca de uma hora. Descansei quinze minutos ao ser retirado do “pau-de-arara”. O interrogatório reiniciou. As mesmas perguntas, sob cutiladas (cutucadas de faca) e ameaças. Quanto mais eu negava, mais fortes as pancadas. A tortura, alternada de perguntas, prosseguiu até às 20 horas. Ao sair da sala, tinha o corpo marcado de hematomas, o rosto inchado, a cabeça pesada e dolorida. Um soldado, carregou-me até a cela 3, onde fiquei sozinho. Era uma cela de 3 x 2,5 m, cheia de pulgas e baratas. Terrível mau cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento frio e sujo.” — Frei Tito
Inspirados no sucesso de “contra inteligência” — ou mais exatamente tortura — da Oban, o Regime Militar criou o Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (Doi — Codi), com sedes nas principais capitais do país. O Coronel Ustra comandou o Doi-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974.
De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, instituída para investigar as violações de direitos humanos cometidas no período que compreende a ditadura brasileira, durante a gestão de Ustra no Doi-Codi paulista foram, oficialmente, mortas 47 pessoas. Mas há indícios, levantados no mesmo relatório, que esse número chegou a 502 mortos pelo escritório.
Sob o apelido de “Doutor Tibiriçá”, o Coronel foi apontado por dezenas de perseguidos políticos e familiares das vítimas como responsável por perseguições, torturas e mortes daqueles que se opunham ao regime militar.
“Eu fui espancada por ele [coronel Ustra] ainda no pátio do Doi — Codi. Ele me deu um safanão com as costas da mão, me jogando no chão, e gritando ‘sua terrorista’. E gritou de uma forma a chamar todos os demais agentes, também torturadores, a me agarrarem e me arrastarem para uma sala de tortura. (…) Ele levar meus filhos para uma sala, onde eu me encontrava na cadeira do dragão, nua, vomitada, urinada? Levar meus filhos para dentro da sala? O que é isto? Para mim, foi a pior tortura que eu passei. Meus filhos tinham 5 e 4 anos. Foi a pior tortura que eu passei” — Amelinha Telles, presa política durante a ditadura, em entrevista à TV Brasil
Coronel Ustra contou com o apoio silencioso dos presidentes militares que mantinham um discurso de que torturas eram casos pontuais. Entre os anos de 1990 e 2000, o militar foi processado diversas vezes por ter ocultado cadáveres, especialmente em valas comuns do cemitério de Perus, na capital paulista.
Em 2008, a Justiça o reconheceu como torturador. Em 2012, foi condenado em primeira instância pela morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em 19 de julho de 1971. Em 2014, foi declarado um dos 377 agentes da repressão pela Comissão Nacional da Verdade.
O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu em 2015, aos 83 anos, vítima de uma pneumonia e de falência múltipla de órgãos.
Reportagem publicada originalmente na terceira edição da revista eletrônica do LabJor FAAP em 26/09/18.
Marina Verenicz é advogada, estudante do curso de jornalismo na FAAP e Editora Executiva do LabJor FAAP.