Como Aleppo me fez refletir sobre Live Stream

Duda Davidovic
Marketeria
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3 min readDec 18, 2016

“Este pode ser meu último vídeo”, diz jovem em transmissão ao vivo feita em rede social enquanto, assim como ela, outras centenas de pessoas esperam o triste destino de suas vidas em Aleppo.

Periscope, Twitter, Facebook Live, Youtube, Snapchat….nas últimas horas nós pudemos acompanhar o sofrimento, a angústia, a dor de pessoas que antes nunca saberíamos que existiam, em uma situação que para a maioria de nós está muito longe da realidade. Ganhamos “olhos” e uma interpretação única dos fatos que nenhum jornalista ou canal seria capaz de promover. Eu compartilho da revolta que todos nós hoje sentimos sobre o que está acontecendo em Aleppo, porém, gostaria de trazer mais um reflexão:

Qual é o passo além que podemos dar para deixarmos de ser voyeurs e nos tornarmos atores e participantes do que chamamos de realidade?

Nós vivemos a era do real-time, do streaming, do aqui e agora (e depois nunca mais). Não muito tempo atrás nós éramos capazes de esperar até a hora do Jornal Nacional para saber o que tinha acontecido no mundo no dia que tinha passado. Hoje vemos ao vivo reféns em Aleppo clamando pela própria vida, capacetes brancos resgatando pessoas no meio de escombros depois de uma bomba que vimos ao vivo também cair e atingir o mesmo lugar. Da mesma forma que consumimos esse tipo de informação, seguimos e nos comunicamos em redes sociais como Periscope com pessoas que são parecidas com nós mesmos. Seres mundanos que compartilham um pedaço de sua existência transmitindo ao vivo pelo Snapshat seu incrível mundo, mas que muitas vezes é igual ao nosso. Hoje temos o vídeo, a personagem, a história que é compartilhada por seus amigos na timeline do Facebook. Com a mesma liquidez amanhã será o próximo vídeo, personagem, história. A era líquida.

Vivemos a era que o entretenimento está na ponta dos nossos dedos. Onde realidade e o mundo virtual caminham juntos…e muitas vezes se confundem.

Noite em Sacramento. Carlos Gonzalez, 26, e seu amigo, Damon Batson, 29, dirigem pelas ruas. Eles mostram pelo Periscope o porte de arma e desafiam seus viewers dizendo que não serão pegos pela polícia. Uma pessoa pergunta na rede se aquilo era real, e como prova Gonzales atira pela janela do carro. Os dois continuam a ação transmitindo ao vivo o caminho até a casa da namorada de Batson, que aparentemente estaria traindo ele com outro cara. Chegam e encontram a casa vazia. Até a manhã seguinte a polícia não tinha sido notificada sobre o caso, mesmo o vídeo dos amigos tendo sido visto milhares de vezes por milhares de pessoas na última noite. Ninguém ligou para a polícia para avisar.

Mary Aiken, especialista forense, menciona que esse é um fenômeno muito conhecido na psicologia militar onde é mais fácil para um atirador de elite matar a distância do que perto. Nós participamos enquanto o que está acontecendo está fora do nosso alcance, mas quanto mais perto, mais tendemos a ignorar que aquilo existe. A linha entre o que é real e o que é entretenimento está cada vez mais embaçada. Falta a habilidade de construir empatia, e acabamos nos tornando voyeurs incapazes de tomar ação em situações que como seres humanos sabemos definir como erradas ou certas, mas como espectadores escolhemos não julgar.

O que significa ser um viewer então?

A forma rápida e até agressiva que recebemos e consumimos conteúdo hoje não vai mudar. Para mim só vai ficar mais e mais intensa. Minha reflexão é como vamos conseguir “modelar” esta cultura que está nascendo e quem nós somos no meio de tanta informação. Eu não desejo ser uma pessoa que compartilha um vídeo do último momento de vida de uma pessoa em Aleppo. Eu desejo ser uma pessoa que consiga tomar alguma ação e usar o acesso à informação como uma arma para o bem. Será que é possível?

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Duda Davidovic
Marketeria

‘Lead the Change’ is my mantra. I am a researcher, keynote speaker, and facilitator of digital transformation and innovation.