A primavera sempre vem

Camila Formico Paoletti
Masters of Learning
4 min readAug 27, 2020

Eu sempre soube que a escrita é o caminho de volta pra mim. Mas tantas vezes eu me perco dos caminhos que me levam de volta para a escrita. Eu hesito, titubeio, desconfio e reprimo o rio caudaloso que quer fluir em direção ao belo.

Beleza, pra mim, é tudo quanto seja expressão criativa. É viver esteticamente. É respirar o belo no singelo e descortinar bonitezas nos dias cinzas.

Eu venho criando poemas desde que comecei a escrever. Eu me lembro de criar poemas na cabeça por dias a fio, fantasiando e balbuciando na sala, descrevendo o que não se vê. Me lembro de um poema específico que demorou dias pra sair. Eu tinha uns 9 anos, repetia estrofes na mente, enquanto minha mãe me estimulava, curiosa, a terminar. Chamava-se “Primavera”, o poema em questão.

Não sei se esse poema ainda está registrado em algum lugar, nunca mais o encontrei; na memória já não residem mais as palavras. Desse poema só me restou o título e, talvez, o mais importante: a experiência somática de conceber vida através das palavras. Meu corpo se lembra de como é criar. Meu corpo se lembra do arrepio que sinto quando me permito ser quem sou, quando me permito escrever, quando baixo a guarda e permito que o rio flua através de mim.

Sou um canal para a beleza que quer se manifestar através de mim. Nasci para observar e para sentir, mas o que mais tenho sentido ultimamente é a dor de não me permitir reconhecer a escrita como parte de mim. Eu não consegui encontrar um espaço legitimado para que a beleza me atravesse, e não me aproprio do que já faz parte de mim como se fosse um membro, um órgão nobre do qual a vida depende. E viver sem um membro, sem um coração, dói.

E então vou encontrando outras formas de viver o belo, mas vivo pela metade, me sentindo tola e menor, calando as palavras, desconfiando da vontade de criar que persiste e insiste em me atormentar. E a beleza, que poderia ser minha potência, fica escondida num canto do armário.

Mas a primavera sempre vem. Participar da potência da comunidade do MoL, beber de tantas fontes abundantes, me nutrir de tanta presença e autenticidade me fez até querer voltar a fazer poesia em plena segunda-feira.

Eu tinha uma pergunta de aprendizagem muito comportada e corporativa, e estava satisfeita. Mas eu não esperava encontrar tanta beleza no MoL, fui pega desprevenida e devo admitir que estou gostando muito de sentir arrepios apaixonados no estômago e cócegas na garganta.

Abandonei a pergunta comportada (porque ela está se respondendo por si própria, comportada que é) e tenho me aventurado a fazer perguntas de aprendizagem que me impulsionam a arriscar um caminho de volta pra mim:

  • Como estar no mundo sendo eu, euzinha mesma? Se eu não me tornar quem sou verdadeiramente, quem o fará por mim?
  • Como encontrar um caminho sustentável e saudável para me tornar quem sou?
  • Como fazer algo de bom com o que sou?
  • Por que não consigo viver inteira sem dar passagem para a beleza que quer me atravessar?
  • Como viver uma vida sensível sem me sentir tola?
  • Como transbordar a potência criativa que sou?

Aquele poema, aquela primavera que me visitou quando criança, como tantos outros, se perdeu na memória, mas o corpo sabe muito bem como experimentar o belo. O MoL ajudou meu corpo a sem lembrar disso.

Então eu permito que o corpo relembre o que é a primavera em mim através de 2 novos poemas:

Primavera

Eu desabrocho e deságuo em qualquer lugar.

Sim, os dias são cinza, mas há flores por todos os lados

E eu sei que, no fundo, ainda não aprendi a morrer semente e brotar algo bom.

Mas eu estou tentando.

Sim, eu sei que recebi um novo nome, eu sei.

Mas ainda não consigo nomear quem sou.

Eu sei que sei desabrochar, mas saber ainda não é fazer, saber não é ser.

E, se não sei, pelo menos eu sinto.

Eu sinto tanto, sinto tudo.

Eu sinto a primavera em mim.

Há Primavera na Infância

Se eu pudesse te sussurrar nos ouvidos,

Eu te diria para terminar todos os poemas que começou.

Eu te diria para ter coragem de escrever todos os poemas

que você desenha no ar com tanta graça e leveza.

Sabe, eu poderia te sussurrar tantas coisas, te entregar tantas chaves,

te dar tantos conselhos e queria mesmo impedir todas as lágrimas de cair.

Mas sabe, o que eu queria mesmo, menina,

É que você me ensinasse a ser você novamente.

Tão espontânea, tão desabrochada já,

Você será sempre minha primavera.

Outro dia li em algum lugar que “nascemos originais e morremos cópias”

Então vem aqui, menina, ser primavera em mim.

Vem aqui, menina, brotar primavera em mim.

Só vem.

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Camila Formico Paoletti
Masters of Learning

Buscadora e curiosa, gosto da beleza singela das coisas, gosto das cores e das caras que alimentam uma conexão profunda com o que existe.