A Prática Regulamentária no Monopólio Natural: Rate of Return e Price Cap

Breve apresentação das soluções organizacionais práticas e contratuais decorrendo das conclusões teóricas do paradigma neoclássico.

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
9 min readDec 17, 2018

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(Publicado em Outubro 2012)

Rede de Saneamento

A regulamentação económica faz alusão às regras legislativas e administrativas controlando as tarifas (e a competição) em determinada indústria ou mercado. São regras editadas por uma autoridade pública que tem por objetivo intervir e reorganizar fora do mercado a atividade económica. Trata-se, naturalmente, de uma forma de intervenção estatal.

A partir das prerrogativas encontradas no paradigma neoclássico não decorre uma resposta definitiva e unívoca à pergunta procurando saber se a regulamentação é ou não socialmente desejável. Temos na verdade um leque de respostas e soluções organizacionais entre as mais variadas em função dos objetivos e situações concretas.

Formas Contratuais e Modelos Organizacionais

No quadro da teoria neoclássica encontramos instrumentos de avaliação dos dispositivos organizacionais e regulamentários, dos processos de edificação e respeito de normas e suas consequências em termos de ganhos e perdas materiais verdadeiros ou hipotéticos para a população ou grupos específicos.

Geralmente, a questão principal é saber se tal arranjo é mais ou menos desejável que outro em determinada circunstância e para determinadas situações, ambos apresentando prós e contras de acordo com esse arcabouço teórico[i].

Na prática, a regulamentação se desenvolveu historicamente e se inscreveu principalmente no contrôle de bens e serviços de infraestrutura. De acordo com a teoria neoclássica esses bens apresentam características peculiares associadas a sua estrutura produtiva de indústrias em rede, na qual os serviços ofertados aos usuários são realizados através de estruturas fixas e interligadas que apresentam segmentos de atividade concorrenciais e menos (ou não) concorrenciais.

Além disso, as obras envolvendo a produção das infraestruturas frequentemente abrangem largas extensões do território comunitário e requerem o alinhamento de uma organização considerável de fatores, como nos casos das redes saneamento, linhas de ferro, autoestradas, redes de energia, represas, pontes e etc.

Inclusive, uma das principais questões envolvendo as infraestruturas é o obstáculo de negociação do acesso a inúmeras propriedades, ou o tratamento non-marchand das questões fundiárias e organização da planificação fundiária do território, conhecido como desapropriação ou tratamento ou Tratado de Domínio Publico Eminente. Trata-se do poder que o Estado tem de realizar expropriação das terras entre outras coisas para uso em projetos considerados de bem-estar social.

Todas estas características fazem dos bens de infraestrutura ativos relativamente específicos, no sentido da Economia dos Custos de Transação: seja do ponto de vista dos custos envolvidos, da complexidade organizacional, da incerteza e do risco associado à sua produção ou da frequência de relações envolvendo a coordenação da sua produção.

Aliás, a especificidade dos ativos fornece um quadro esclarecedor para análise das escolhas organizacionais e sugere as propriedades em matéria de incentivos para as diferentes formas de arranjos organizacionais utilizados para a coordenação das atividades envolvendo desses ativos específicos.

É possível ilustrar da seguinte forma os arranjos organizacionais e as estratégias de regulamentação utilizados para controlar o monopólio de acordo com suas implicações contratuais:

Modos de Organização

De forma sintetizada, podemos separar os contratos exclusivamente privados, os contratos de concessão com competição pelo mercado ou leilão, os contratos de regulamentação discricionária do tipo Price-Caps ou Cost of Service, ou a produção por empresa pública.

Quanto mais caminharmos na direção dos contratos privados, mais contaremos com os mecanismos de mercado e dispositivos genuinamente voluntários implicados na coordenação da atividade produtiva entre os agentes. Quanto mais caminharmos na direção da empresa pública, mais deveremos contar dispositivos de autoridade e mecanismos político-administrativos envolvidos no controle de preços e qualidade, e todas as consequências econômicas que essas iniciativas acarretam.

Controle de Preços e do Lucro

As resoluções dos problemas avançados pela teoria do monopólio natural podem ser reagrupadas em duas categorias: umas concentradas sobre a regulamentação das taxas de retorno sobre investimento realizado e outras concentradas nos objetivos de regulamentação das tarifas — controle de preços.

As respostas canónicas para o estabelecimento das alternativas de regulamentação tarifária podem ser categorizadas conforme o seu caráter estático ou dinâmico, segundo a diferenciação de preços para os bens e serviços de produção (mono ou multiprodutos), ou de acordo com problemas informacionais previstos nos dispositivos contratuais. Consideram-se geralmente nesses casos se a regulamentação dos preços é realizada por um regulamentador perfeitamente informado ou parcialmente informado.

O controle tarifário é geralmente aplicado por mecanismos tipo Price Caps (ou teto tarifário), em que se procura controlar o nível de preços de acordo com uma fórmula matemática que preveja ajustes periódicos.

A propriedade essencial do dispositivo é dar aos operadores incentivos suplementares à minimização dos custos. As tarifas são fixadas em função de um teto que evoluirá segundo as revisões contratuais de acordo com a variação do nível do índice de preços (inflação — RPI) menos um índice de eficiência e produtividade do operador (X-Factor). Em termos de incentivos aos investimentos, os dispositivos de teto podem ser menos incitativos, devido à prioridade da necessidade de controle e redução dos custos.

Teto Tarifário

Uma explicação para esse fenómeno reside no problema de hold-up ou apropriação da quase-renda engendrada por investimentos específicos.

Na verdade, como esses ativos têm um custo elevado e uma duração de vida longa, existe o risco que os regulamentadores procurem se apropriar de parte da renda engendrada por esses investimentos — através da política de tarifação ou controle regulatório por exemplo — e façam com que os investimentos alocados sejam apenas parcialmente remunerados, ou que exista mesmo o risco de mudanças drásticas em matéria regulatória e de conjuntura econômica traduzindo perdas aos investidores, o que conduz ao subinvestimento como uma resposta estratégica de antecipação desse risco.

Mesmo assim, esse regime regulamentário não raramente é considerado superior pelos intervencionistas aos mecanismos do tipo Rate-of-Return, justamente por supostamente criar incentivos fortes aos ganhos de eficiência ou controle de custos.

Nos modelos fundamentados sobre as taxas de retorno um nível de retorno sobre investimento é fixado para que permita pelo menos o reembolso do custo do estoque de capital alocado.

Esse nível se estabelece também para diminuir ou controlar a parte do benefício líquido (social) que iria eventualmente aos produtores. Ele é, portanto, inferior à taxa de retorno adquirida sem restrição da rentabilidade por uma empresa maximizadora de lucros atuando livremente e, de acordo com proposta teórica neoclássica, explorando uma renda monopolística.

Geralmente, a fórmula para rentabilidade repercute as seguinte função e variáveis[ii]:

R = (B.r) + E + d+ T

Onde R é o nível requerido de renda ou de recursos que devem ser empregados para cobrir os custos de produção do monopólio, B o volume de capital e ativos requeridos para que o monopólio consiga fornecer os bens e serviços produzidos, r é a taxa de rentabilidade permitida pelo governo, E as despesas operacionais, d a depreciação, T os impostos que não estão inclusos nas despesas operacionais ou nos custos repassados para os consumidores.

Fórmula do Controle de Rentabilidade

O controle de rentabilidade implicará uma produção em volumes maiores do que aquele minimizando os custos de produção, em comparação com o controle de preços.

Em outras palavras, a consequência fundamental que os teóricos tiram em termos de incentivos é que a firma regulada sobreinvestirá, porque sua rentabilidade é subvencionada e o risco de perdas cai consequentemente.

As regulamentações sobre as taxas de retorno podem também criar problemas na estrutura dos preços em firmas multiprodutos, encorajando a utilização da discriminação tarifária ou tarifação abaixo do custo marginal em atividades que requeiram forte intensidade em capital.

Esses regimes podem apresentar propriedades atrativas em termos da produção pública quando a qualidade dos bens e serviços é levada em consideração enquanto variável fundamental ou primordial.

Se acrescentarem uma responsabilidade mais ativa das agências e revisões periódicas dessas taxas de retorno impostas aos operadores, é possível diminuir as distorções em termos de incentivos.

Resumo Conclusivo

Existem alternativas aos modelos fundamentados nas taxas de retorno e teto tarifário — controle de preços –, como a não-regulamentação, a regulação estritamente baseada nos custos, a produção pública ou a possibilidade de monitoramento.

Infraestruturas e indústrias em redes (energia e saneamento principalmente) são apresentadas como monopólios naturais. Esses setores geralmente estão sob contrôle estatal seja pela via regulamentária e indireta seja pela via direta e produção pública.

As características tecnológicas e a vontade dos poderes públicos de atingir um certo número de objetivos de segurança, eficiência, justiça ou redução de assimetrias conduzem à forte intervenção estatal na produção e supervisão desses mercados.

A classificação e escolha dos modos organizacionais podem ser concebidas segundo suas implicações contratuais, e a Economia da Regulamentação por sua vez pode ter seus estudos incrementados pela análise institucional.

Se um dos grandes objetivos da regulação é estudar as propriedades em termos econômicos dos diferentes regimes regulamentários, tal objetivo passa pelo estudo dos arranjos contratuais utilizados na prática pelos órgãos responsáveis, ou seja, pela investigação dos principais mecanismos colocados em aplicação, como as regulamentações fundamentadas nas taxas de retorno ou contrôle tarifário.

Notas

[i] A pesquisa em Economia da Regulamentação pode ser separada em duas grandes categorias de temas, segundo seu caráter normativo ou positivo de suas proposições (Ver: Joskow; Rose 1987, Hertog 2010). A primeira porta sobre as “falhas de mercado” e se divide em dois subgrupos, um que procura identificar as “falhas de mercado”, e outro, que procura conhecer as respostas ótimas para trata-las (Baumol 1977, Arrow 1970, Arrow; Lind 1970, Baron; Myerson 1982, Hart; Moore 1988, Laffont; Tirole 1993). A segunda categoria procura questionar a razão de ser da regulamentação, que responderia à interações complexas de grupos de interesse e agentes que procuram beneficiar-se do poder regulamentador do aparelho público, ela tende a desconsiderar o regulamentador enquanto um agente à procura do bem estar geral (Downs 1957, Buchanan 1960, Stigler 1971, Stigler; Friedland 1962, Niskanen 1971, Posner 1971, Peltzman 1976). Essa segunda abordagem se inscreve por sua vez dentro de dois principais paradigmas. O primeiro se concentra na real vontade que deteriam efectivamente os atores envolvidos na regulamentação de agir ou não segundo um hipotético interesse geral — possibilidade de existência do regulamentador bem intencionado procurando maximizar o bem-estar geral. O segundo paradigma é aquele que se concentra em denunciar as verdadeiras interações sociais entre grupos de interesse que dão origem a um quadro regulamentário, notadamente quando a regulamentação tem origem na intenção de produzir bens e serviços em setores ditos cruciais.

[ii] Outra forma de apresentar o quadro geral segue a fórmula:

RR=O+(V-D)r

Onde RR é o nível de renda desejado, O representa os custos operacionais, V o valor contábil dos ativos, D o nível de depreciação, r o nível de rentabilidade permitido.

Referencias

BAUMOL, W. et al. Contestable Markets and the Theory of Industry Structure.San Diego, California: Harcourt Brace Jovanovich Academic Press, 1988.

_____. Contestable markets: an uprising in theory of industry structure. American Economic Review, Vol. 72, n. 1, p. 1–15, 1982.

_____. On the proper cost tests for natural monopoly in a multiproduct industry. American Economic Association, Vol. 67, n. 5, p. 809–822. 1977.

JOSKOW, Paul. (Ed.). Economic Regulation: critical ideas in economic series. New York: Edward Elgar, 2000.

_____. Restructuring, competition and regulatory reform in the U .S. Electricity Sector. The Journal of Economic Perspectives, v. 11, Issue 3, p. 119–138, 1997.

_____. The regulation of natural monopolies. In: POLINSKY, A., SHAVELL, S. Handbook of law and economics. North Holland: Elsevier, 2007, p. 1229–1340.

JOSKOW, Paul L.; NOLL, Roger G. Regulation in theory and practice: an overview. Working Papers 218, Massachusetts: Massachusetts Institute of Technology (MIT), Department of Economics. 1981.

JOSKOW, Paul L.; ROSE, Nancy L. The effects of Economic Regulation; Working Papers 447, Massachusetts: Massachusetts Institute of Technology (MIT), Department of Economics, 1987.

LAFFONT, J. J. ; TIROLE, J. A Theory of Incentives in regulation procurement. Cambridge: Cambridge MIT Press, 1993.

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