Monopólio, Concorrência e Escola Austríaca
Este artigo procura compartilhar os fundamentos mais básicos do raciocínio econômico envolvendo a abordagem da formação dos preços e da produção em estrutura de monopólio. Concentraremos a parte sobre obras e teorias e ideias de Karl Menger (1871), Frank Fetter (1915) e Ludwig Von Mises (1944), com o objetivo definir o monopólio e apresentar a distinção entre o monopólio puramente econômico e o monopólio tendo origem política, questão fundamental para o estudo mais rigoroso do tema.
Em seguida, na segunda parte, o artigo pretende compartilhar alguns elementos de argumentação crítica das teorias clássicas do monopólio. Trata-se da descrição do monopólio como fenómeno essencialmente político. Neste quadro de análise além de complementar ideias já desenvolvidas por Ludwig Von Mises veremos alguns desenvolvimentos apresentados por Walter Block (1977) e Thomas DiLorenzo (1996) e algumas das contribuições entre as mais interessantes feitas por Murray Rothbard (1962).
Finalmente e na última parte veremos os desenvolvimentos da teoria do monopólio em pura assimilação á compreensão dos fenômenos de competição e processo empresarial, notadamente revisando as principais ideias na obra de Friedrich Von Hayek (1948) e Israel Kirzner (1973).
Introdução
O conceito de monopólio é popularmente conhecido por descrever a situação onde existe um único ofertador de um determinado bem ou serviço. Esta definição popular não é falsa mas padece de preceitos técnicos mais precisos e merece esclarecimentos visando sobretudo demonstrar que o conceito de monopólio envolve questões mais abrangentes do que esta simplificação deixa transparecer.
A análise austríaca do monopólio não faz uma distinção significativamente contrastante entre os fenómenos decorrentes de mercados monopolísticos daqueles dos mercados competitivos pois na verdade, por definição, independente de sua estrutura todo mercado é competitivo.
Na verdade a própria origem do termo monopólio encontra em sua etimologia uma vantagem conferida pelos poderes públicos e não o resultado do funcionamento sem restrições e barreiras a entrada nos mercados.
Frank Fetter (1915) realizou essa exploração da origem da palavra “monopólio” e ressalta que em sua origem o termo tem sua definição associada à um privilégio político:
“Monopoly is derived from the Greek roots, monos (sole, only) and polein (to sell), whence the abstract noun monopolia (exclusive power or condition of sale). It originally meant the exclusive right of selling some article in some market. The typical monopoly […] granted in a patent by the sovereign.” (Fetter 1915, p. 76)
O termo monopólio servia para descrever uma vantagem conferida por uma autoridade pública para exploração comercial de determinado bem ou serviço. Assim como veremos adiante, a perspectiva de abordagem da Escola Austríaca sobre o tema não esquecerá da essência por trás da definição etimológica que o termo faz referência.
A Natureza Relativa do Monopólio
Realizando uma análise minuciosa da situação na qual um vendedor em situação de monopólio procura leiloar uma certa quantidade de bens produzidos, Carl Menger (1871, p. 197) acaba demonstrando que a essência do monopólio é relativa, e não absoluta.
A razão fundamental é que os consumidores em concorrência pelos bens produzidos em monopólio estabelecem a demanda do bem em monopólio em função da procura que eles exercem sobre todos os outros bens, principalmente bens substitutos.
Um monopólio não é absoluto pois ele não pode escapar das leis de mercado. A formação dos preços e determinação das quantidades em uma produção monopolística dependem diretamente da demanda feita pelos consumidores. Em outras palavras, os produtores dos bens em situação de monopólio estão em concorrência com todos os outros produtores.
Todos estes ofertadores procuram obter a maior parte possível do total de receitas que dispõem os consumidores. O objetivo principal do monopólio é maximizar suas receitas, o que não é diferente do objetivo de todos os outros competidores qualquer que seja o sector ou estrutura de mercado.
A quantidade produzida e o comportamento tarifário do monopólio dependem diretamente do comportamento dos consumidores:
“The higher a monopolist sets the price of a unit of a monopolized good, the larger will be the class of competitors for the monopolized good who are excluded from acquiring it, the less completely will the other classes of the population be provided with it, and the smaller will be the sales of the monopolist. Opposite relationships hold in the reverse case.” […] “We find that, for each quantity of a good that a monopolist decides to sell the price is determined independently of his will; that, at each price that he decides to set for a unit of the monopolized good, the quantity is determined independently; that the distribution of goods is governed, in either case, in accordance with exact laws; and that the entire course of economic events is throughout not fortuitous but capable of being reduced to definite principles.” (Menger, 1871, p. 210-15)
A conclusão à qual chega Menger é que os mesmos princípios e mecanismos econômicos válidos para qualquer mercado são naturalmente transmitidos ao monopólio, além disso, o monopólio não pode antecipar com precisão exata qual será a reação dos consumidores quando um aumento de preços acontece.
O ponto principal é que para qualquer mercado sempre haverá concorrência na medida que há disposição a vender e comprar:
"And so with respect to every good, in a market of any size, there are always persons already buying some quantity, who will be ready to buy more, and there are others not now buying any, who will begin to buy some, at a lower price.” (Fetter, 1915, p. 79)
Ludwig Von Mises (1944) endossou este caráter relativo do monopólio acrescentando que o produtor do bem em questão não detêm nem a totalidade dos meios de produção nem o domínio completo sobre todos os outros mercados de bens e serviços.
Mises apresentou este argumento através de uma exemplificação ilustrativa fazendo oposição entre o mercado em concorrência e o "perfeito regime socialista" de produção, que descreve a situação onde o Estado seria detentor de todos os meios de produção. Por maior que seja a influência de mercado do monopólio ele não pode influenciar toda a cadeia produtiva de uma economia. Como aparece claro neste trecho:
“The monopolies we have to deal with are not absolute monopolies, but relative monopolies. Ultimately, all these commodities compete with on another. Every market commodity has its substitutes.” (Mises, 1944, p. 1)
Renda de Monopólio e Elasticidade da Demanda
A principal particularidade atribuída ao monopólio é a possibilidade que ele detêm de poder escolher fixar a produção de acordo com o nível de preços ou segundo as quantidades que ele deseja produzir.
De acordo com Carl Menger (1871):
“But what does give him an exceptional position in economic life is the fact that he has, in any given instance, a choice between determining the quantity of a monopolized good to be traded or its price.” […] “Not only does the general principle of all economic exchanges of goods, according to which both parties must derive an economic advantage from an exchange, maintain its validity unimpaired in the case of monopoly, the monopolist is not completely unrestricted in influencing the course of economic events.” (Menger 1871, p. 211)
Embora ele possa arbitrar entre estes dois objetivos o monopólio não pode fixar ao mesmo tempo as quantidades e os preços.
Se o monopólio fixa uma determinada quantidade como objetivo de produção ele não pode ao mesmo tempo fixar unilateralmente o nível tarifário que dependerá diretamente das flutuações da demanda dos consumidores (concorrentes). Se fixa um determinado preço ele não pode fixar ao mesmo tempo a quantidade produzida.
Os exemplos históricos mais nítidos e extremos ilustrando este argumento sobre o comportamento do monopólio são as circunstâncias em que os produtores de uma determinada indústria monopolística destroem parte da produção para que, por um nível tarifário qualquer, os compromissos com os lucros estejam garantidos, como no caso da antiga indústria cafeeira brasileira.
Fica claro nestes casos que o monopólio além ser relativo não pode ajustar ao mesmo tempo as quantidades e preços. Tal asserção é comprovada tanto pela teoria quanto pela prática.
O monopólio de facto é um pré-requisito para a emergência dos preços de monopólio mas não é o único. Acreditar que o monopólio significa forçosamente renda de monopólio é um erro popularmente cometido.
Nem todo nível de preços vendidos por um monopólio é um preço de monopólio. O preço de monopólio significa um nível tarifário em que é vantajoso para o produtor restringir a quantidade ofertada em um determinado momento para em seguida expandir as vendas até um nível próximo do limite ao qual o mercado competitivo teria alcançado.
A condição suplementar necessária para a fixação de um preço de monopólio tem então origem na característica da demanda dos consumidores.
O elemento fundamental para a compreensão dos efeitos da produção em monopólio sobre o nível de receitas e satisfação dos agentes aparece quando a demanda por um determinado bem em monopólio é positiva e inelástica.
Isto significa que mesmo quando o nível dos preços aumenta sensivelmente por uma determinada quantidade produzida a procura por este bem não varia de forma significativa.
A restrição quantitativa imposta pela oferta em produção monopolística permite neste caso um aumento do nível de receitas (renda) do monopólio ao detrimento dos consumidores que devem pagar mais caro por um bem "artificialmente raro/escasso".
Os desenvolvimentos teórico de Frank Fetter (1915) permitiram ilustrar mais precisamente a formação de preços e receitas em situação de monopólio. O autor distinguiu as noções de demanda inelástica e a demanda elástica para fazer emergir o raciocínio representando a maximização da produção por um monopólio.
Fetter (1915) formulou a seguinte ilustração do processo de maximização das receitas de uma produção em monopólio, representando nela aquilo que definiu como demanda elástica e demanda inelástica:
O que fica marcado na demonstração de Fetter é que se o produtor dispõe de 6 unidades de produção ele procurará colocar somente 4 à venda por um preço unitário de 4 reais (preço de monopólio), mas portanto se estas mesmas quantidades estivessem sendo produzidas em concorrência o nível de preços seria de 2 reais (preço de concorrência).
Quanto mais o nível dos preços de monopólio se aproximam da região onde a demanda é elástica mais eles estarão próximos dos preços de concorrência. Lembremos que o monopólio não determina forçosamente o mesmo nível de preços para todos os consumidores e que, neste caso, o nível de preços dependerá da intensidade da demanda.
A zona da demanda inelástica reflete a idéia de que além de uma determinada quantidade por um determinado preço as receitas diminuem com o aumento da produção, enquanto que abaixo desta mesma quantidade pelo mesmo nível de preços o nível das receitas aumenta com o aumento da produção (demanda elástica).
Na zona de preços/quantidades onde a demanda é elástica o monopólio não tem interesse em reduzir a quantidade ofertada pois isso não acrescentaria nada em termos de receitas, pelo contrário. Neste caso o preço de mercado é igual ao preço de monopólio e a monopolização da produção não tem nenhuma consequência sobre o nível da oferta.
Na zona de quantidades/preços onde a demanda é inelástica o preço de monopólio aparece. Ele se situa acima do preço concorrencial pois o monopólio tem o interesse em reduzir o nível de quantidades ofertadas ao mercado para maximizar suas receitas. Um vendedor monopolista só pode atingir ou manter um nível de preço de monopólio se os compradores não reagem às flutuações (positivas) de preços.
Preços de Monopólio, Cartéis e Barreiras a Entrada
Na teoria de formação dos preços o monopólio pode obter um ganho específico se ele se encontra frente a uma demanda inelástica. O nível destas receitas é igual a diferença entre o nível bruto de receitas do monopólio e o nível bruto de receitas onde se teria vários produtores em concorrência.
A diferença destas receitas é simplesmente o preço do fator que dá origem ao monopólio, como por exemplo no caso do "monopólio econômico" uma inovação tecnológica ou organizacional, um savoir-faire ou receita secreta. No caso do "monopólio político" essa diferença expressa o valor do privilégio estatal que o monopólio detêm.
A renda de monopólio além de não apresentar a mesma essência que um lucro empresarial se concretiza na perda de soberania e supremacia do consumidor na "democracia de mercado".
A consequência do preço/renda de monopólio é que os recursos produtivos que não vão ser utilizados na produção das unidades suplementares do bem em questão — graças ao racionamento — vão se deslocar para outros sectores de atividade.
Em outras palavras a contração produtiva do setor monopolístico se acompanha da expansão dos outros sectores o que constitui uma distorção da produção relativamente aos "verdadeiros desejos dos consumidores".
Ludwig Von Mises sublinhou que o monopólio se traduz na prática por uma restrição de produção de um determinado bem, o que permite que seja mantido um nível de preços de monopólio. Os recursos — capital e trabalho — que não serão empregados na produção do bem em monopólio "estarão disponíveis para outras linhas de produção" (Mises, 1944, p. 5).
O oligopólio e o duopólio não são variedades de preços de monopólio mas simplesmente diferentes maneiras e arranjos de fazer-se colocar em prática um preço de monopólio. O problema das rendas de monopólio não se restringem apenas a situação de contrôle da oferta de um bem por um único produtor mas pode abranger o problema de cartéis.
Von Mises mostra que também podem ser enquadrados dentro da definição de monopólio um grupo de produtores (independentes) onde o número de integrantes é determinado pelo Estado, ou uma situação onde diversos produtores agem de forma concertada formando um cartel.
A questão principal é saber se o(s) ofertador(es) em questão pode(m) aumentar sua(s) receita(s) duravelmente desde a diminuição da quantidade disponível de um bem onde ele(s) é(são) único(s) produtor(es).
O problema do monopólio é essencialmente um problema de preços, trata-se de uma disfunção associada a restrição monopolística do comércio.
A progressiva substituição dos preços concorrenciais por preços monopolísticos em determinados sectores de atividade é diversas vezes o resultado da intervenção governamental na ordem de mercado.
De acordo com Mises (1944, p. 23) a principal origem da monopolização é a criação deliberada de monopólios pela parte dos governos. O autor faz uma atenção especial aos aspectos institucionais podendo em certos casos originar a produção monopolística (1949, p. 373).
Mesmo em casos onde existem cartéis nacionalmente estabelecidos eles não podem durar indefinidamente se a entrada é livre para outros concorrentes potenciais.
Catalaxia e Coerção
Seria importante então distinguir segundo esta perspectiva os monopólios econômicos de origem cataláctica dos monopólios políticos reagrupando os casos onde os arranjos monopolísticos não emergiriam sem acordos ou intervenções das autoridades públicas.
Frank Fetter (1915, p. 76) salientou que geralmente a origem histórica dos monopólios se encontrava geralmente em patentes atribuídas ou distribuídas por um soberano, um direito exclusivo de venda de um determinado produto em uma determinada região.
No grupo de monopólios tendo origem estatal existiriam duas classes mais ou menos distintas e classificadas segundo a potencialidade de aumento tarifário que dispõe o monopólio.
- Os primeiros são os monopólios estatais com poder de aumento tarifário limitado, correspondendo aos sectores de atividade ‘protegidos’ da concorrência. Na verdade são os sectores em que o governo restringe o acesso a um pequeno grupo de produtores notadamente através de licenças.
- O segundo grupo representa os monopólios estatais com poder ilimitado de aumento tarifário. Estamos falando de sectores onde correspondem patentes, marcas depositadas, direitos de propriedade intelectual, restrições formais da concorrência ou acordos internacionais.
Para Mises (1949, p. 366) os detentores de patentes, por exemplo, adquirem um monopólio legal que permitira que eles eventualmente atinjam um objetivo de implementação de preços de monopólio.
Os monopólios econômicos englobam a produção de certos bens voluminosos, bens custosos em despesas de transporte, o fornecimento privado de "bens e serviços público" através de acordos passados com as autoridades governamentais ou a exploração de certos recursos naturais concentrados em um determinado lugar.
Por um lado o monopólio económico tem origem espontaneamente no respeito dos direitos de propriedade privada e liberdade contratual em situação de livre funcionamento dos mercados. Por outro lado os "monopólios políticos" beneficiam um privilégio estatal que limita ou proíbe mediante ameaças e sanções jurídicas a entrada de concorrentes sobre um determinado mercado ou indústria.
Em suma o monopólio não significa forçosamente escassez. Como demonstraram Menger e Fetter o monopólio apresenta um caráter relativo pois não escapa completamente dos princípios econômicos regendo as relações de mercado.
O monopólio advém portanto absoluto quando suas origens são associadas a um "direito legal" atribuído por um soberano ou autoridade púbica.
Uma das principais particularidades associadas ao monopólio surgiria da capacidade que eles detêm de escolher calibrar a produção segundo o nível de preços ou nível de quantidades.
Outra particularidade é associada ao nível das receitas e da renda quando a produção se depara com uma procura inelástica.
Para Von Mises a existência e persistência do monopólio requer três condições fundamentais: a primeira faz alusão ao fato de que a oferta de um determinado bem ou serviço seja realizada por um único produtor ou grupo de produtores; a segunda descreve a importância da inelasticidade da demanda; a terceira é relacionada a capacidade do produtor descobrir e colocar em aplicação os "preços de monopólio".
Esta abordagem tradicional de Menger, Fetter e Mises será portanto criticada notadamente através dos trabalhos de Murray Rothbard (1962), Walter Block (1972), Thomas DiLorenzo (1985), Dominique Armentano (1990) e Diana Costea (2003). Estes desenvolvimentos serão justamente o objeto de estudo da segunda etapa e sequência de nosso artigo.
Estatismo e Monopólio
Embora tenha utilizado uma "nova" e diferente ferramenta metodológica, Ludwig Von Mises não contestou fundamentalmente os desenvolvimentos relativos ao monopólio que foram feitos por Carl Menger e Frank Fetter. A grande particularidade instaurada na análise de Mises foi o método praxeológico para a abordagem do estudo econômico. [1]
Menger foi o pioneiro na ênfase subjetiva do processo de determinação dos preços e quem propôs que a competição deve ser entendida como um processo dinâmico impulsionado pela variação dos níveis da oferta ou nível dos preços. Tanto Mises quanto Menger concluíram que o monopólio geraria efeitos indesejados na economia.
Nas palavras de Dominick Armentano (1988):
“Then, according to Mises, the monopolist would have a perverse incentive to restrict production and create a monopoly price, and that price would be “an infringement of the supremacy of the consumers and the democracy of the market.” (Armentano 1988, p. 7)
O monopólio seria um atentando à "soberania do consumidor" em detrimento do ganho de bem-estar (renda) do produtor ou grupo de produtores notadamente pois estes últimos.
Quando encontram-se face a uma demanda inelástica, os monopolistas poderiam instaurar preços de monopólio pelo racionamento das quantidades produzidas, eventualmente desfrutando da capacidade exclusiva que detêm de fixar a produção segundo os preços ou quantidades.
Soberania Individual e a Inexistência de Preços de Monopólio
Assim como mencionamos na seção anterior é possível considerar uma distinção fundamental entre monopólio económico e monopólio político.
Enquanto o primeiro teria origem no (livre) mercado o segundo está associado aos privilégios políticos ou "mercado político". O monopólio político é fruto do estatismo.
O monopólio político pode ser o resultado da aplicação de instrumentos de intervenção estatal tal qual licenças, brevês ou bens e setores de mercado disponibilizados através do que se denomina frequentemente como "mercados públicos" — obras de infraestrutura de transporte, comunicação, saneamento ou energia.
Para Walter Block (1977, p. 271) além desta distinção fundamental é possível descrever a abordagem austríaca do conceito de monopólio desde dois grupos de interpretações particularmente distintos do problema.
O primeiro grupo compreende os trabalhos e autores descrevendo uma abordagem do tema onde os "preços de monopólio" poderiam ter origem no (livre) mercado. O segundo grupo compreende o quadro de trabalhos e autores que aceitam apenas parcialmente essa abordagem tradicional. Seria possível dizer parcialmente porque entendem que o monopólio pode existir e acontecer desde os fenômenos de mercado, mas sua origem não pode ter natureza cataláctica. Esses autores acrescentam críticas ou contestam formalmente certas conclusões tiradas do estudo tradicional do monopólio.
Para Murray Rothbard (1962) o monopólio teria origem na intervenção do Estado e não poderia existir duravelmente em um ambiente de (livre) mercado. Embora os trabalhos de Mises e Rothbard possam ser vistos como complementares, Murray Rothbard estatua por exemplo que o monopólio é essencialmente político. A análise de Rothbard critica antes de tudo o aspecto moral envolvendo o suposto atentado à soberania do consumidor — argumento de Mises.
Ele pressupõe que o termo mais adequado ao tratamento do comportamento dos agentes em um (livre) mercado é soberania individual pois assim se elimina uma possível dependência ou primazia de um agente vis-à-vis de outro, uma vez que a idéia de soberania do consumidor para Rothbard (1962, p. 632) não colocaria suficientemente em evidência o fato de que, dependendo da perspectiva adotada, ambos os agentes são ao mesmo tempo consumidores e produtores independentes e não forçosamente interdependentes pois a possibilidade de quebra da relação de mercado permanece todavia possível.
A coordenação voluntária expressa em si uma independência recíproca dos indivíduos. Embora seja possível separar os consumidores e produtores de um determinado bem cada homem age ao mesmo tempo como consumidor e produtor em função do contexto que se pretende dar ênfase, mas sobretudo cada individuo detêm a soberania sobre sua própria pessoa e sua propriedade em um genuíno (livre) mercado.
Ao manter salvaguardada a soberania individual, não existiria inicialmente nada repreensível do ponto de vista moral. Rothbard demonstrou sua argumentação através da qual utiliza o exemplo do "produtor-vendedor" de trabalho:
“ Let us take the producer first as a seller of labor. In judging how much of his labor to sell and at what price, the producer will take into consideration the monetary income to be gained, the psychic return from the type of work and the ‘working conditions,’ and the leisure forgone, balancing them in accordance with the operation of his various marginal utilities. Certainly, if he can earn a higher income by working less, he will do so, since he also gains leisure thereby. And the question arises: Why is this immoral? (Rothbard 1962, p. 633)
Da mesma forma ocorre ao suposto ataque a soberania do consumidor, Rothbard questiona esse argumento de natureza moral alicerçando a teoria tradicional do monopólio.
A investigação rothbardiana avança sobre a definição do conceito e antes de apresentar sua própria definição Rothbard aborda (1962, p. 661) as principais definições históricas ou principais argumentos compondo as diferentes definições envolvendo a noção de monopólio.
- O mais popular como foi ressaltado anteriormente encontra origem no sentido etimológico da palavra "monopólio".
- Outra definição encontra lugar na capacidade que detêm um produtor ou grupo de produtores de implementar "preços de monopólio".
- Finalmente o terceiro sugere a natureza expressamente não-cataláctica dando origem ao monopólio.
Como nos vimos anteriormente a definição do monopólio não tem como única referência a situação de total contrôle da quantidade oferta de algum produto ou recurso.
Geralmente admitimos que seria necessário ainda a capacidade prática de aplicação do nível de preços considerado monopolístico duravelmente, mas também que a demanda nesse mercado apresente caráter inelástico.
Recapitulemos que o contrôle da oferta sozinho não é suficiente pois ele não significa que o racionamento da produção será efetivamente aplicado, e mesmo que o seja isto não significa que o produtor detêm suficientemente influência sobre os níveis de preço a não ser a procura seja estritamente inelástica.
Para Rothbard seria praticamente impossível distinguir objetivamente os níveis de preços de monopólio dos preços de mercado, e a conduta restritiva de racionamento monopolístico é dificilmente distinguível da conduta de conservação fundamentada em outros motivos como por exemplo uma politica comercial sazonal, uma estratégia de vendas, ou satisfação de particularidades associadas à demanda dos consumidores. [2]
E mesmo que a conservação seja feita por objetivos de instaurar os preços de monopólio o fornecedor permanece em concorrência com todos os outros fornecedores que buscam obter o máximo possível de recursos de seus consumidores eventuais, principalmente se retratamos nesse paradigma os bens diretamente substitutos.
Além disso a procura tem sempre a escolha de consumir ou não uma certa quantidade de bens disponíveis. Não existiria então um método cientifico seguro permitindo de distinguir com exatidão os preços de monopólio dos preços de (livre) mercado.
Neste aspecto a análise teórica rothbardiana dos supostos preços de monopólio e suas consequências em termo de bem-estar do consumidor é relativamente diferente dos outros autores austríacos que o precederam.
“But the important thing to note is that it is impossible to distinguish the conservationist motivation for withholding the sale of resources from the monopolistic one (we are still assuming that it makes sense even to talk of a “monopolistic” motivation for withholding resources). (Block 1977, p. 272)
Para Rothbard qualquer observação de uma variação objetiva de bem-estar por uma terceira parte focalizada em uma troca voluntaria de mercado é meramente especulativa, não podendo de forma alguma ser cientificamente racionalizada (Armentano 1988, p. 11).
Os custos e benefícios de tal troca são pessoais e subjetivos, eles não podem jamais ser incorporados em mesuras cardinais ou fazer objeto de uma agregação de valores. Nos termos de Rothbard:
“In the market, there is no discernible, identifiable competitive price, and therefore there is no way of distinguishing, even conceptually, any given price as a “monopoly price.” The alleged “competitive price” can be identified neither by the producer himself nor by the disinterested observer.” (Rothbard 1962, p. 688)
A própria noção de eficiência social não seria mais do que um mito. Qualquer que seja seu significado o fato do produtor fazer frente a uma demanda inelástica puramente voluntária implica que qualquer insatisfação poderia ser transmitida sob forma de boicote, eliminando assim sua inelasticidade inicial:
“Again, such a “monopoly price,” to be established either by one individual or by individuals co-operating together in a cartel, is possible only if the demand curve (directly or indirectly of the consumers) is inelastic, and this inelasticity is the resultant of the purely voluntary choices of consumers in their maximization of satisfaction. For this “inelasticity” is simply a label for a situation in which consumers spend more money on a good at a higher than at a lower price. If the consumers were really opposed to the cartel action, and if the resulting exchanges really hurt them, they would boycott the “monopolistic” firm or firms, they would lower their purchasing so that the demand curve became elastic, and the firm would be forced to increase its production and reduce its price again.” (Rothbard 1962, p. 635)
Outro argumento forte fundamentando a posição do autor se encontra no caráter não-homogêneo tanto dos factores quanto dos bens de produção, e na relativa substituibilidade dos bens e factores de produção uma vez que a concorrência é generalizada em um genuíno ambiente de (livre) mercado.
Lembremos que um bem homogêneo é um bem divisível em unidades homogêneas e segundo a perspectiva rothbardiana estas unidades e homogeneidade não existem fora da mente dos consumidores, elas não podem em hipótese alguma serem substituídas por qualquer medida ou composição física uniformemente atribuída por um terceiro.
Tal observação é também válida para os casos onde a localidade de um sitio produtivo possa se tornar um argumento de definição do monopólio.
O raciocínio de Rothbard pode ser resumido na sua concepção do processo de formação dos preços de mercado. O autor considera que existem apenas duas maneiras de se estabelecer preços de um bem ou serviço, uma é pelo (livre) mercado — em ordem cataláctica — a outra pela intervenção violenta na ordem de trocas.
Não seria possível determinar qual o nível de preços de monopólio da mesma forma que o comportamento monopolístico uma vez que todos os produtores detêm o poder de reduzir a oferta, influenciar sobre o nível dos preços ou controlar independentemente seus níveis de estoques.
Nem as barreiras tecnológicas nem a estrutura de mercado seriam meios cientificamente fiáveis para identificar o que venha a ser o monopólio, e mesmo que existam algumas barreiras naturais a competição elas jamais permitiriam justificar a intervenção estatal.
Não somente não existiria (moralmente) nada de errado com um preço de monopólio caso ele eventualmente existisse mas ainda, para Rothbard, a própria noção de monopólio qualquer que sejam os componentes argumentativos que integrem o conceito é formalmente destituída de sentido em uma economia de (livre) mercado.
A única explicação plausível pra existência do monopólio é a ação estatal. O monopólio não encontra outro fundamento além da ação estatal e sua origem encontra lugar na restrição regulamentária.
Concorrência e Monopólio
Frank Fetter definiu a concorrência (1915, p.73) como processo no qual duas ou mais pessoas tentam obter a mesma coisa, Von Mises (1949, p.289) aprofundou esta concepção ao descrever o processo cataláctico de competição em uma alusão ao fato de que o funcionamento de uma economia de mercado em concorrência é oposto ao processo de concorrência biológica onde os animais competem porque estão confrontados aos meios escassos (recursos) do ambiente no qual interagem. [3]
Dois grupos de felinos vão competir violentamente — ou de forma não-cooperativa e frequentemente não-coordenada — para ter acesso ao único lago ou fonte de água em um determinado espaço, ilustrativamente.
Por outro lado a concorrência cataláctica tem origem nos mecanismos de cooperação e coordenação social fundamentados sobre o sistema de propriedade privada, trocas de mercado e divisão do trabalho.
As metáforas biológicas ou militares não podem ser assim aplicadas ao processo de concorrência cataláctica pois não se trata de uma luta pela sobrevivência, mas um processo de reclassificação dentro do qual os mais eficientes são privilegiados.
Catalaxia e Dinâmica Concorrencial
A concorrência cataláctica não se restringe a um mercado em particular, ela constitui um processo global no qual os consumidores estão em concorrência para a obtenção dos serviços e mercadorias que as empresas produzem. As empresas estão em concorrência para a obtenção da renda e despesas dos consumidores. Todas as empresas estão em concorrência para obter o capital disponibilizado pela poupança total, os proprietários dos fatores de produção (capital, terra) estão em concorrência na oferta de seus recursos às empresas, esta últimas em concorrência para obter tais recursos.
A particularidade da concorrência é que se trata de um processo dinâmico, Carl Menger (1871) já descrevia as trocas de mercado qual fenômeno contínuo, uma cadeia perpétua de transações comerciais:
“The foundations of economic exchanges are constantly changing, and we therefore observe the phenomenon of a perpetual succession (…) But even in this chain of transactions we can, by observing closely, find points of rest at particular times, for particular persons, and with particular kinds of goods. At these points of rest, no exchange of goods takes place because an economic limit to exchange has already been reached.” (Menger 1871, p. 188)
Friedrich Hayek (1948, p. 92–106) sugeriu que este fenômeno representa ainda um processo de descoberta onde deve também ser distinguida a concorrência dinâmica — dentro da qual os atores descobrem pouco a pouco e segundo o nível de informações obtidas os melhores termos das trocas disponíveis — e a concorrência estática descrevendo que um mercado é concorrencial mesmo quando todas as trocas já foram realizadas.
A visão estática da concorrência é associada aos modelos de concorrência perfeita por não levarem suficientemente em consideração os aspectos dinâmicos da economia de mercado.
A concorrência estática resulta deste processo de descoberta originado da concorrência dinâmica, esta última representa verdadeiramente os mecanismos de mercado e permitem demonstrar não somente o aspecto maximizador da ação humana — contínua busca de melhora dos níveis de satisfação — mas também o papel crucial da ação empreendedora na descoberta de novas técnicas, melhores oportunidades de compra e venda, novos meios de produção, inovações organizacionais, melhores instrumentos de acesso ao conhecimento e informação, ou ainda novos fins e objetos de consumo.
A compreensão dos mecanismos do capitalismo enquanto regime de produção depende da absorção do caráter dinâmico de mercado e do papel fundamental do empreendedor, aquele que torna obsoletos os modos de produção presentes quando propõem novos arranjos organizacionais, combinações de fatores de produção ou produtos melhor respondendo aos anseios dos consumidores. Essa lógica remete uma alusão ao processo de "destruição criadora" anunciado originalmente por Joseph Schumpeter (1999), o processo de surgimento e desaparecimento de setores inteiros de produção, serviços e indústrias conjuntamente ao surgimento de novas atividades económicas.
Vigilância Empresarial e Empreendedorismo
Para Israel Kirzner (1973, p.35) a vigilância empresarial ou melhor a própria concepção da competição como um processo dinâmico é indissociável da iniciativa empresarial e ação empreendedora.
Neste sentido todos os atores exercem um papel para manutenção contínua da vigilância ao procurar satisfazer da melhor forma os seus anseios dentro de uma economia de mercado. A atividade empreendedora é sempre competitiva no sentido da competição dinâmica pois em ausência de barreiras (legais) à entrada um empreendedor não pode se proteger da concorrência e das inovações e oportunidades que surgem continuamente, empreendedores estão sempre alerta para entrar em fileiras de serviços e produtos que já existem e tem sucesso ou inovações que podem trazer novas oportunidades de lucro.
O processo de mercado não deixa lugar para a existência durável do monopólio, no entanto Kirzner faz exceção à situação onde um agente reivindica com sucesso — eventualmente através do livre jogo das forças de mercado — a total propriedade sobre um dado recurso, o que vale certamente também para as situações onde ele goza de um privilégio governamental.
Nem mesmo as situações — descritas pela literatura econômica tradicional como "monopólio natural" — onde fatores tecnológicos privilegiariam a organização produtiva em torno de uma única firma são motivos impedindo que a competição deixe de se aplicar aos produtores.
Embora inúmeros bens e serviços de infraestrutura (utilities) tenham sido produzidos diretamente por governos ou fornecidos à firmas privadas através de mecanismos de leilão ou concessão estatal — por apresentar traços tecnológicos do que se descreve como "monopólio natural" — esses arranjos organizacionais foram implementados antes mesmo que os desenvolvimentos teóricos do "monopólio natural" tivessem sido aprimorados e formalizados, como foi proposto por Thomas DiLorenzo (1996).
“At the time when the first government franchise monopolies were being granted, the large majority of economists understood that large-scale, capital intensive production did not lead to monopoly, but was an absolutely desirable aspect of the competitive process. (…) The theory of natural monopoly is also a-historical. There is no evidence of the “natural monopoly” story ever having been carried out-of one producer achieving lower long-run average total costs than every- one else in the industry and thereby establishing a permanent monopoly.” (DiLorenzo 1996, p. 1–2)
A existência de economias de escala em setores de bens e serviços de infraestrutura não seria um motivo para que se estabelecesse um monopólio ou que fossem colocados em prática preços monopolísticos.
A própria concorrência pelo mercado (leilões para a obtenção do direito de produzir um determinado bem) potencialmente elimina a possibilidade de aplicação de preços de monopólio e evita que problemas associados à duplicação de bens e serviços de infraestrutura. Um dos maiores pecados cometidos pelos teórico em economia é justamente não dar a devida relevância ao caráter dinâmico da competição, como sublinhou Von Mises (1946):
“Il y a une soixantaine d’années, l’on disait dans presque tous les pays capitalistes que les compagnies de chemin de fer étaient trop grandes et trop puissantes; elles avaient un monopole; il était impossible de leur faire concurrence. L’on prétendait que, dans le domaine des transports, le capitalisme avait déjà atteint le stade où il se détruit lui-même, puisqu’il avait éliminé la concurrence. Ce que l’on ne voyait pas, c’était le fait que la puissance des chemins de fer reposait sur leur aptitude à servir le public mieux que tout autre mode de transport. Évidemment, il eût été ridicule de concurrencer l’une de ces grandes compagnies de chemin de fer en construisant une autre ligne parallèle à l’ancienne, étant donné que la vieille suffisait pour les besoins existants. Mais bientôt intervinrent d’autres compétiteurs (…) Aux États-Unis la concurrence faite aux chemins de fer — sous forme d’autocars, d’automobiles, de camions, et d’avions — a porté des coups sévères aux chemins de fer, et les a presque complètement supplantés en ce qui concerne le transport des passagers. ” (Von Mises, p. 4)
Von Mises utilizando da retórica de Frédéric Bastiat ("ce que l’on voit et ce que l’on ne voit pas") faz alusão ao fato de que o suposto problema da falta de competição no setor de transportes ferroviários americanos (notadamente devido ao problema da impossibilidade ou inviabilidade da construção e duplicação das vias férreas) desapareceu quando novos meios de transporte foram desenvolvidos, neste caso os automóveis e a aviação civil.
Mesmo quando por razões tecnológicas ou privilégios um esquema organizacional tendo o governo ao centro do processo de coordenação da atividade produtiva deriva em uma circunstância de monopólio, este operador não está definitivamente totalmente protegido das forças do mercado e da concorrência.
Além de danosas ao processo de destruição criadora schumpeteriano as reservas de mercado criam distorções e barreiras ao processo dinâmico da concorrência. Os privilégios governamentais podem ainda conduzir a uma baixa na remuneração dos fatores de produção como sublinhou Xavier Méra (2010), na medida que o privilégio traduz uma subutilização da capacidade produtiva ou queda na oferta de produtos diante de uma demanda inelástica.
Observações Conclusivas
Mesmo que tenha sido originado no livre funcionamento dos mecanismos de mercado o monopólio e as práticas monopolísticas teriam muita dificuldade de se impor duravelmente na ausência de monopólios legais e reservas de mercado.
- Em primeiro lugar pelo constante risco de entrada e ameaça de novos concorrentes, ou seja da dinâmica competitiva dos mercados que impõem uma rigorosa disciplina de concorrência generalizada.
- Em seguida pela dinâmica de inovação, substituição e destruição criadora gerando a cada dia novos produtos e oportunidades de negócio.
- Além disso o escopo de ação e imposição dos preços de monopólio é também limitado pelas escolhas de consumo e demanda pelos produtos, os monopólio em potencial não agem segundo regras diferentes do que se passa em todos os outros mercado, a um nível de preços considerado alto os consumidores não hesitarão em limitar ou substituir o consumo.
Desde seus primeiros desenvolvimentos sobre as questões envolvendo o monopólio os autores da escola austríaca tiveram o cuidado de expor o papel dos governos para que a estrutura monopolística pudesse efetivamente existir e perdurar.
O poder de restringir a produção e aplicar preços monopolísticos tem origem na multiplicidade de bloqueios sobrepondo o livre mercado.
Os governos muitas vezes impedem formalmente a entrada de concorrentes quando o principal fator garantindo a competição é que não existam barreiras legais proibitivas a entrada.
Notas
[1] O método praxeológico antecede aos desenvolvimentos e adaptações à economia (agente econômico) feita por Von Mises em seu livro "Ação Humana". A praxeologia é o termo que define simplesmente um dos segmentos da ciência da ação humana, nos termos de Ludwig Von Mises (1962, p. 30–32):
“There are two main branches of the sciences of human action: praxeology and history (…) Praxeology is a theoretical and systematic, not a historical, science. Its scope is human action as such, irrespective of all environmental, accidental, and individual circumstances of the concrete acts. Its cognition is purely formal and general without reference to the material content and the particular features of the actual case. It aims at knowledge valid for all instances in which the conditions exactly correspond to those implied in its assumptions and inferences. Its statements and propositions are not derived from experience. They are, like those of logic and mathematics, a priori. They are not subject to verification or falsification on the ground of experience and facts. They are both logically and temporally antecedent to any comprehension of historical facts. They are a necessary requirement of any intellectual grasp of historical events. Without them we should not be able to see in the course of events anything else than kaleidoscopic change and chaotic muddle.”
[2] Apenas pra reiterar a lógica vigente no argumento — que vale também como uma crítica ao método de abordagem em concorrência-pura-e-perfeita — propõe-se aqui a leitura deste magistral exemplo rothbardiano feito por Leandro Roque, editor do Instituto Von Mises Brasil em um artigo que apareceu no ano de 2010:
“O exemplo a seguir vai ajudar a ilustrar melhor esse raciocínio e mostrar toda a absurdidade contida nele. Imagine uma vila de pescadores formada por vários grupos que concorrem entre si. Todos, obviamente, sobrevivem da pesca e da consequente venda de peixes para a indústria local. Um belo dia, os pescadores saem para a labuta e, ao fim da jornada, retornam com uma quantidade absurdamente exagerada de peixes. A pesca foi tão grande, que as indústrias locais, tanto a de armazenamento quanto a de enlatamento, simplesmente não têm instalações para processar esse volume de peixes. Ou seja: houve um excedente que não foi consumido. Nesse cenário, a teoria vai dizer que os peixes são bens gratuitos — isto é, eles não são bens escassos. Sua “utilidade social marginal” é zero. O custo marginal da “produção” desses peixes excedentes é zero. Portanto, não há motivos econômicos para cobrar preço algum pelos peixes. Eles simplesmente devem ser distribuídos de graça. Os pescadores, obviamente, não vão querer isso. Se os preços dos peixes estiverem muito abaixo dos custos de produção (equipamentos de pesca, manutenção das embarcações etc.), eles irão à falência. E, se isso acontecer, as consequências de longo prazo serão desastrosas para todos. Haverá menos equipamentos de pesca, o volume de pesca será bem menor e, consequentemente, os preços serão maiores. Porém, se os pescadores puderem fazer um acordo entre eles, eles certamente irão devolver ao mar boa parte da coleta, de modo a fazer com que a oferta remanescente possa ser vendida a um preço que esteja minimamente acima de seus custos operacionais. Ao fazerem isso — ou seja, ao se recusarem a sofrer prejuízos voluntariamente — , os defensores da teoria da concorrência perfeita dirão que eles estão praticando uma ‘restrição monopolística da oferta’.”
[3] O termo cataláctico designa tradicionalmente a ciência que designa a ordem de mercado. Friedrich Hayek (2007) propôs que o termo fosse retomado para descrever a ordem de mercado e o termo catalaxia para descrever a coordenação espontânea dos esforços de indivíduos livres ao seio da grande sociedade aberta e complexa. A catalaxia descreve uma espécie particular de ordem espontânea produzida pelo mercado através da ação de indivíduos que se conformam às regras jurídicas envolvendo a propriedade, os danos e os contratos. No interior de uma organização (Taxis) a ação dos membros deve ser estritamente subordinada a objetivos conhecidos, comuns e imperativos. Ao contrário disso no Kosmos do mercado tem por particularidade render compatíveis e indissociáveis as buscas de fins estritamente individuais fazendo emergir de maneira não intencional e eficaz uma cooperação interindividual. Nas trocas de mercado cada um procura um fim individual e autônomo ignorado muitas vezes pelos outros indivíduos e estas operações tem por característica a promoção de uma vantagem aos indivíduos participando ao comércio e a sociedade aberta como um todo.
Referências
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