Entenda o Erro Ético-Legal de Interpretação na Decisão de Barroso

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
3 min readNov 30, 2016

A possibilidade de autonomia individual é o que deve ser protegido pelo sistema normativo e ordenamento político-jurídico promotor do respeito dos direitos (de propriedade) e da liberdade, e viabilizando o florescimento humano em toda sua diversidade.

Não é a autonomia individual um elemento-pré-requisito ou justificativa para a usurpação da própria defesa da possibilidade de autonomia individual, e validade do direito à liberdade.

Deste ponto de vista, é perfeitamente contraditório sugerir que a proteção da possibilidade de autodireção passaria pela violação da defesa da possibilidade de autodireção.

Não há nada de mais antiliberal e inaceitável do que a utilização de um princípio empregado para fomentar a maior generalização possível da possibilidade de florescimentos individuais para exterminar a própria possibilidade que a autodireção apareça e, consequentemente, a viabilidade do florescimento individual. Ou seja, utilizar a ideia moral valorando eticamente a possibilidade de autodireção para eliminar a própria defesa da possibilidade de autodireção, e o desrespeito do princípio ético-normativo do direito à liberdade e a viabilidade do florescimento humano é algo intolerável.

Esse é, em minha modesta e não especializada opinião, basicamente, o conflito e contradição mais aparente nos supostos fundamentos ético-legais justificando a decisão do ministro Barroso no caso da descriminalização do infanticídio.

Esteja claro, é (a defesa do) o princípio ético metanormativo ou direito à liberdade (à propriedade, à vida) o elemento moralmente desencadeador e juridicamente superior legitimando moralmente e legalmente o respeito (e defesa) da possibilidade de autodireção, e não pode ser a autodireção um instrumento ético-normativo utilizado para violar o direito à vida (liberdade, propriedade).

Como sugere a contradição ética aparente, as justificativas assumidas não podem ser utilizadas para violar alguns dos princípios legais mais petreamente consagrados na constituição federal brasileira, como a própria inviolabilidade do direito à vida, uma gênese legal natural e compatível com o direito à liberdade, e validando ético-normativamente a defesa da possibilidade de autodireção. É tarefa do STF proteger, ao menos supostamente, aqueles direitos.

É possível compreender a confusão na interpretação da ética e das normas se nos referirmos a algumas normas já vigentes e seu devido e coerente embasamento ético-legal.

Tomemos o caso do abandono de incapaz. (Art. 133)

O caso do abandono de incapaz ilustra em aparência perfeitamente a interpretação sugerida mais acima e de forma coerente. Ou seja, a salvaguarda da possibilidade de autodireção (autonomia) dos pais não retira e nem deixa de imputar responsabilidade legal sobre suas crias.

O que a leitura moralmente correta e a própria legislação brasileira sugerem nessa tipificação de criminalização é a defesa da possibilidade de autodireção de maneira geral, aqui, o respeito do direito à liberdade e à vida fomentando a possibilidade de autodireção e a viabilidade do florescimento individual, neste caso, o direito da criança ou do incapaz.

A criança, assim como um feto, é perfeitamente dependente dos esforços e da vida ou do corpo de seus pais. O que a lei reconhece é que isso não poderia servir de justificativa para que a possibilidade de autodireção do ser humano seja contestada sob qualquer argumento visando proteger exclusivamente os interesses e autonomia dos pais, pois isso neste caso violaria o direito à liberdade da criança.

Uma decisão e interpretação coerente das justificativas apontadas por Barroso significaria ou permitiria simplesmente descriminalizar, igualmente, o abandono de incapaz e de crianças sob desculpa de que a autonomia individual justificaria, e que nem o direito e nem a sociedade deveriam interferir nas decisões de pais irresponsáveis ou, a partir de então, irresponsabilizáveis. Ou seja, uma criança, por não gozar plenamente das prerrogativas de autonomia apontadas segundo sua interpretação, a menos que pudesse se virar sozinha, não teria de reivindicar qualquer reclamação de proteção de seus direitos junto a quem quer que seja — à sociedade política, ao direito, aos pais, etc. Não conseguiríamos entender ou visualizar qual tipo de sociedade se pautaria nessas prerrogativas.

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