Instituições do Organismo Socioeconômico em Wieser

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
11 min readJan 16, 2022

Este artigo é uma breve exploração da obra de 'Social Economics' de Friedrich Von Wieser (1927), e sobretudo uma síntese das questões institucionais apresentadas na obra do autor.

Friedrich Von Wieser (1851–1926)

fevereiro 9, 2014 por mateusbernardino

Economia Social, Organismo Socioeconômico e Emergência Institucional

Dentro da obra de Wieser o estudo institucional e as considerações sobre as regras sociais se inserem na formação dos processos econômicos e exploração da teoria social (theory of society).

Em Social Economics (1927), Wieser entra mais afundo nas questões institucionais logo após ter terminado a primeira parte (Book) de seu livro, que é consagrada à representação relativamente detalhada de uma teoria econômica que descreve os elementos mais fundamentais do que ele denomina ‘economia simples’ (Theory of Simple Economy).

Wieser se vê de alguma forma obrigado a levar em consideração as questões institucionais quando tenta apresentar uma teoria econômica que satisfatoriamente descreveria a passagem de uma economia simples à economia nacional.

Sua economia social assimila, de certa forma, uma investigação progressiva que parte da economia simples passando pela economia privada, nacional, até chegar na economia de Estado e economia mundial. Ele descreve organicamente os processos econômicos e fenômenos engendrando a formação da sociedade econômica.

Quando começa a abordar as questões institucionais, Wieser está em busca dos únicos elementos institucionais que permitiriam conceber a formação deste corpo ou organismo socioeconômico (social economic organism).

O estudo da emergência das normas enquadrando a formação do organismo socioeconômico deve levar em consideração apenas os contratos voluntários de troca [a], renegando em alguma escala os ditos ‘contratos sociais’ e contratos de seguro, visto que os primeiros são mui raros e envolveriam inúmeros indivíduos involuntariamente, e que os contratos de seguro descrevem apenas relações buscando atenuar ou limitar mutuamente um determinado número de riscos sociais, ambos não tendo, de certa forma, ligação estreita com a criação das instituições próprias ao organismo socioeconômico e manifestações dos processos produtivos.

“Nevertheless in its effect it is overshadowed by the exchange contractwhich, although it is made as a rule only between two parties, has manifested itself the coordinating instrument that binds the individual economies into the national economy (…) We shall therefore make full reference only to those institutions that are created by its agency. Our main task is to describe the institutions of exchange and erection of the national economic body that is brought about by these. (Wieser 1927, p. 150)

Antes de prosseguir sobre as questões institucionais, lembremos que Wieser procura descrever de maneira ‘pura’ como surgiria, desde uma descrição simples da economia, uma ordem econômica fomentando organismos socioeconômicos mais complexos e mais estendidos.

Interpreto este organismo socioeconômico como um conjunto de nós de contratos bilaterais, comerciais, envolvendo grande número de agentes. O corpo socioeconômico envolveria, ou relacionaria, um conjunto de ‘economias privadas’ (grupos) que conservariam em sua administração e organização doméstica características mais próximas a estas da economia simples — economia do indivíduo e das trocas individuais.

Segundo Wieser (1927, p. 150), cada economia privada estaria entrelaçada ao corpo social de duas maneiras:

“Thus every private economy is doubly interwoven in the social economic process: on the one hand the demand for natural values emanates from the household; on the other, the individual pursues an acquisitive course that gives him products or other values. So long as a private economy wishes to maintain itself, it must sustain the circulation induced by these two movements with their manifold conditioning and with a counter-movement of money.”

A coexistência destas duas forças assegura a interação espontânea e a integração das economias privadas ao corpo social. No entanto, para Wieser, embora seja concebido de forma conjunta, o organismo socioeconômico não engendraria — ele mesmo — alguma espécie de divisão dos bens ou teria ele mesmo vontade própria.

A divisão dos bens ou repartição não seria, desta feita, o produto do esforço comum: no sentido que não existe uma vontade comum buscando atingir determinado objetivo comum ou repartição dos bens: estes objetivos seriam preparados por organizações econômicas distintas, que estão socialmente entrelaçadas e relacionadas.

O processo do qual decorre a distribuição segue da produção, que é apenas o resultado das trocas e contratos onde cada indivíduo ou economia individual (privada) fornece seus valores (bens) a estes que requisitem. A economia simples é um pré-requisito essencial à formação do organismo socioeconômico, e compreensão do seu estudo.

Voltando às questões institucionais, é a coordenação destas múltiplas relações que convida à reflexão sobre instituições que dela emergem, como a moeda e as normas regendo os contratos privados, que servem em última instância, mesmo que involuntariamente, o interesse geral.

A economia nacional descreveria a coordenação de uma rede vasta de processos sociais interdependentes funcionando através de instituições progressivamente instauradas desde um processo de tentativas e erros.

A explicação da origem das instituições importantes à economia de mercado deveria privilegiar a perspectiva histórico-evolutiva relativamente à concepção das instituições enquanto mero resultado da codificação estatal. Wieser de certa forma endossa durante sua investigação a existência de instituições espontâneas no sentido Hayekiano do termo, ou a distinção entre instituições de origem orgânica, espontâneas e fundamentadas em mecanismos de erro e acerto ao longo de um longo processo histórico de evolução; e as instituições ‘artificiais’, derivando ou dependendo de um contrato social ou oriundas das decisões legislativas e codificações normativas ou administrativas.

A economia poderia conter um enorme número de instituições que servem a própria economia como um todo, e isto, por facilitar a coordenação das relações interindividuais: o próprio mercado, o sistema de preços, o crédito, a empresa ou o mercado de capitais seriam exemplos. Por mais que a harmonia de suas estruturas sugira que elas teriam derivado de um desejo social organizado e intencional, na verdade, as instituições fundamentais à composição do organismo socioeconômico têm origem na cooperação voluntária de indivíduos independentes, se estabelecendo naturalmente.

Tal é o caso de instituições como a moeda, o mercado, a divisão do trabalho, ou ainda, segundo a perspectiva de Wieser, a própria economia nacional, que seria a maior destas instituições por incluir todas estas outras. A própria organização social decorreria dos processos econômicos que nela se desenvolvem.

A teoria da sociedade econômica de Wieser mostra, por exemplo, como a articulação vertical (relações de subordinação) e horizontal (divisão do trabalho) das relações sociais permitem compreender, por exemplo, o crescimento das cidades e a formação das comunidades [b].

A divisão, distribuição e concentração de indivíduos em diversas regiões resultaria diretamente da articulação horizontal e vertical do trabalho, decorrendo assim dos processos produtivos.

O desenvolvimento técnico e o aprimoramento tecnológico explicariam, por exemplo, o extraordinário crescimento populacional de determinadas regiões: quanto mais os processos produtivos são extensos, mais provável é que seja necessário uma concentração de trabalho e mão de obra, mais os processos produtivos se desenvolvem e concentram-se em indústrias, mais povoadas e populosas vão ficando as regiões.

A economia nacional surgiria e se desenvolveria ao longo do tempo através de um processo histórico-evolutivo: assim como o impacto da água é capaz de cortar ou perfurar mesmo as pedras, as forças individuais trabalhando e agindo em conjunto, em gerações sucessivas, ao longo de séculos e milênios, e buscando o mesmo objetivo; lentamente constroem as maiores estruturas socioeconômicas.

Carl Menger e a Moeda

A moeda, por excelência, forneceria uma ilustração permitindo a compreensão da emergência de instituições econômicas que fomentam o funcionamento dos organismos ou tecidos sociais.

Wieser retoma em grande parte as demonstrações feitas por Carl Menger (1871) para apresentar a origem da moeda enquanto fenômeno espontâneo e um paradigma onde as instituições sociais da economia não seriam mais do que o resultado não intencional de fatores individuais teleológicos [c] (unintended social results of individual-teleological factors).

Embora endosse e retome as mesmas considerações e elementos da demonstração mengeriana, Wieser acredita ser forçado a chegar à conclusões em alguma escala diferentes, notadamente no que diz respeito à significância histórica das instituições sociais e seu caráter teleológico.

De acordo com a demonstração de Menger, as vantagens das trocas comerciais estão difundidas e são avaliadas facilmente pelos indivíduos: maior o número de pessoas que participam a estas trocas, maior a facilidade que as vantagens destas trocas seja percebida pelo grande número.

Da mesma forma que as trocas, ninguém desejou estabelecer através da moeda um meio universal e reserva de poder de compra atemporal, facilitando o comércio e a acumulação da capital tão fundamental ao progresso. Os indivíduos, sejam eles líderes ou parte das massas, tinham em mente ambições bem mais modestas, locais e menores: eles não tinham em mente, no início, tal concepção de instituição social.

Eles adotaram a moeda, inicialmente, como um meio de satisfazer adequadamente suas trocas locais de mercado: a generalização decorre de um fenômeno de aceitação das massas que é, de certa forma, similar aos fenômenos de imitação. A divergência de Wieser surgiria da não aceitação do caráter teleológico dos fenômenos institucionais:

“He sees in money as in all social institutions of the economy nothing more than unintended social results of individual-teleological tendencies. Therefore it is impossible for him to say the last word in the explanation of money, and to concede that money represents something more and stronger than the will of participating individuals (…) none of them would recognize in the final form of money an exact embodiment of their purpose. The final form of money is not a mere resultant; because of the universal social resonance that it awoke it represents a tremendous strengthening of their endeavours. It needs no special discussion to establish the fact that it passed far over the goal of the imitating mass. Indeed, the mass never acts with a clear conscious — ness of aim. It is not teleological.” (Wieser 1927, p. 165)

Em alguma escala negligenciando — ou não levando devidamente em consideração — a distinção mengeriana entre as instituições de origem pragmáticae de origem natural, Wieser parece procurar explicitar que a moeda, tal qual ela é concebida ou conhecida após sua criação — ou seja, depois da expansão de sua utilização e generalização de sua aceitação — não é o fruto premeditado de um desejo objetado em um fim preciso: servir enquanto universal unidade de conta, estoque de valor (poder de compra) e meio de transação não teriam sido os objetivos iniciais premeditados nas ações individuais que deram nascimento a esta instituição, que emergiria e se consolidaria ao longo do tempo.

Os indivíduos teriam objetivos bem mais modestos do que estes. Já para Menger, os indivíduos teriam sim, progressivamente, consciência de que estas propriedades seriam as mais desejadas.

Ambos parecem no entanto concordar com o papel fundamental da evolução histórica e processos fomentando os mecanismos de tentativas e erros, que eliminariam progressivamente as propriedades indesejadas, ou exporiam quais as propriedades que deveriam perdurar, da mesma forma que faria F. A. Hayek pouco mais tarde.

A Liberdade do Animal Social

Os seres humanos nunca estão verdadeiramente isolados, eles sempre vivem em sociedade: desta comunhão social eles recebem grande parte dos traços psicológicos que regem determinados tipos de comportamentos, e interagem socialmente consolidando regras que permitem a coordenação de suas interações. Para Wieser, as regras da vida econômica são criações dos homens em sociedade, assim como as leis da propriedade:

“so far as may be in their power, they seek to interfere by prohibitions, penalties or other measures which they hope may hold him to the performance of his economic duty. The rules of economic life are creations of society, just as are the laws of property. The individual forces called into play to carry these laws into effect have also been socially trained.” (Wieser 1927, p. 37)

O homem é muito fraco para assegurar isoladamente sua preservação e desenvolvimento, seu aflorar enquanto indivíduo livre dependeria da maneira como se harmonizam seus interesses individuais com os interesses dos outros: o impulso de autopreservação conduz à organização social.

Se por um lado existe uma força social que decorre da compulsão, da coerção e da sujeição; por outro lado existem forças sociais naturais, refletindo o reconhecimento individual, o sentimento que certas regras potencializam o poder dos indivíduos de maneira geral.

A força social compulsória decreta, através de regras, a sujeição de uns relativamente a outros e as normas da restrição da vida individual, seus poderes decorrem do uso irrestrito ou aleatório da força armada: é comparável à relação entretida entre vitoriosos e derrotados em uma guerra, uma relação de dominação e compulsão.

A força social naturalmente decorre do reconhecimento de regras segundo as quais os indivíduos sabem ser necessárias para que sejam mais livres. Segundo Wieser: “True freedom does not consist in total lack of control. It consists rather in a relation of the individual to society”.

Notas

[a] Wieser descreve neste trecho as características relativas a cada forma contratual:

There are three forms of binding compensatory contracts: the social contract, the exchange contract and a contract of insurance. In the social contract a larger or smaller number of persons pledge themselves to unite values, goods or services, for some given purpose, especially acquisition. The contract of exchange as a rule is concluded by only two parties; by means of it the many-sided surrenders of goods, services or money are reconciled. The contract of insurance at times most resembles the social contract, at other times that of exchange. Its purpose is to distribute the effects of loss over many private economies. It has attained great importance in developed economies. But it has to do only with the security of the economic body, not with its creation.” (Wieser 1927, p. 149)

[b] Esta separação e distinção das duas formas de divisão do trabalho, segundo Wieser, não teria sido a abordagem privilegiada pelos autores clássicos, como Adam Smith (1776), que teria se concentrado mais em explicar os efeitos em termos de produtividade da divisão do trabalho. Nos termos do autor:

“From the very beginning the two dimensions of the division of labour should have been distinguished in order to show how it divides the acquisitive community not only into ‘a lateral framework of trades, enterprises and operations but also into a vertical relationship of power and dependency. The structure of the economic whole is seen first from a deceptive angle if the two functions of articulation and stratification in the division of labour are confused.” (p. 331)

[c] Uma pesquisa rápida poderia ajudar a guardar em mente o significado do termo teleológico e o que se procura dizer quando determinado tipo de estudo se concentra nos aspectos teleológicos de determinado tipo de fenômeno:

“A teleologia (do grego τέλος, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade. Embora o estudo dos objetivos possa ser entendido como se referindo aos objetivos que os homens se colocam em suas ações, em seu sentido filosófico, teleologia refere-se ao estudo das finalidades do universo e, por isso, a teleologia é inseparável da teologia (a afirmação de que um ser superior, Deus, realiza seus propósitos no universo). Suas origens remontam aos mitos e à religião, com sua noção de que todo acontecimento e todas as coisas são causadas pela vontade de alguma entidade sobrenatural (deuses, Deus, espíritos). Platão e Aristóteles elaboraram essa noção do ponto de vista filosófico.” (Wikipédia)

Referências

Wieser, F. V., Social Economics, Adelphi Company, New York 1927.

Menger, C. Principles of economics. New York University Press, 1871 (1976).

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