Introdução Económica à Fiscalidade: Perspectiva Micro
Sobre impostos, seus custos e os princípios teóricos dos efeitos da tributação
O que é um imposto? Sem investigar problemas éticos ou aprofundar questões filosóficas de princípio, é possível definir um imposto como uma cobrança pecuniária autoritária e sem contrapartida direta que tem por propósito financiar as atividades governamentais ou despesas do Estado.
A questão da contrapartida direta tem importância crucial, porque ela permite distinguir, em princípio, as justificativas respectivas à cobrança e, em consequência, tanto as afetações dos valores subtraídos quanto as obrigações do próprio governo em termos de gestão ou “retribuição” dos recursos aos pagadores.
Por definição, ao contrário das cotizações, encargos, “contribuições” ou doações, os impostos não tem qualquer afetação específica pré-estabelecida, nem prestações compensatórias pré-definidas em bens e serviços, eles servem para financiar o Estado e podem ser empregados conforme o próprio Estado determine em sua agenda de prioridades.
Introdução aos Custos da Tributação
A teoria econômica nesse quesito é implacável: todo imposto é distorsivo por modificar o sistema de preços relativos e absolutos [1]. Não existe, por definição, aquilo que denominam “imposto neutro” (Tax Neutrality).
A criação de um imposto engendra custos irrecuperáveis — transações de mercado que não ocorrerão — e o aumento de impostos significa aumento das distorções alocativas e desperdício de recursos, na medida em que a variação de um imposto implica uma variação dos custos de produção, dos preços e quantidades relativas transacionados nos mercados, dos benefícios líquidos de consumidores e produtores e do bem estar social.
O custo da fiscalidade influencia todos os processos de decisão envolvendo recursos escassos, altera os modos de organização e adultera as arbitragens entre insumos e fatores de produção dos empreendedores, modifica as escolhas de consumo de bens e serviços, pesa mesmo sobre a motivação dos indivíduos a trabalhar.
Toda a estrutura produtiva e as relações de mercado podem ou serão influenciadas pelas modificações dos regimes fiscais. Todas as decisões, arbitragens e ações dos agentes econômicos serão influenciadas pelas regras de tributação.
A Teoria da Incidência
O impacto em termos de custos e a distribuição precisa da carga do imposto entre os agentes, produtores ou consumidores dependerá da sua natureza, das características dos mercados e das particularidades dos códigos tributários.
Em economia, a teoria da incidência é o instrumento de análise mais empregado para esclarecer algumas dessas diferenças. [2]
Quanto mais inelástica for a oferta dos produtores, mais o custo de um tributo tende a não incidir sobre os consumidores, ou quanto mais elástica a demanda por um bem ou serviço pelos consumidores, mais o custo do tributo sobre esses bens tende a incidir sobre os produtores.
Em todo caso, teremos sempre beneficiários líquidos de um sistema tributário, aqueles grupos ou indivíduos que dispendem menos do que consomem em bens e serviços financiados pelos impostos. E contrariamente aos ideais e princípios éticos de isonomia ou equidade, os impostos por definição generalizarão mecanismos de transferências e sempre acarretarão situações de privilégio, uns pagarão mais que os outros.
Os impostos apresentam um caráter desestimulante ao esforço produtivo, ou desfavorável ao trabalho (efeito substituição), que tende a se sobrepor ao incentivo a se esforçar mais para manter o mesmo patamar de renda (efeito renda), até pelos limites impostos à criatividade e à condição humana.[3]
Por consequência direta desse postulado, os impostos geram obstáculos ao crescimento econômico e ao acúmulo de riquezas.
Eles jogam areia nas engrenagens da acumulação capitalista. A tributação sobre a poupança, ilustrativamente, estimula vantajosamente o consumo presente em detrimento do consumo futuro, ou investimento, principal motor do crescimento sustentável.
De maneira geral, os impostos desviam recursos de atividades produtivas para atividades administrativas; tornam procedimentos produtivos rentáveis e realizáveis em processos produtivos não realizáveis e financeiramente insustentáveis; eles diminuem a quantidade de recursos de que os indivíduos dispõem para poder empregar livremente — notadamente em atividades empreendedoras –; corroem a capacidade de poupança do trabalhador e limitam a formação de capital para investimento; modificam as estruturas de produção e as decisões e arbitragens de todos agentes econômicos. Eles promovem irremediavelmente barreiras à acumulação capitalista e ao desenvolvimento econômico.
Os Custos Sociais da Tributação
Uma regra universal em ciência econômica é que, fora dos modelos representativos de sistemas fiscais perfeitos ou coisas do gênero, recolher um Real em taxas e impostos custa sistematicamente mais que um Real à sociedade.
Em primeiro lugar, como vimos no quadro da teoria neoclássica, porque temos perdas secas irrecuperáveis associadas a toda e qualquer tributação. Aliás, para determinados patamares de renda e níveis de predação, é perfeitamente plausível que a perda de bem-estar social engendrada por um imposto suplementar possa superar bastante os benefícios líquidos em termos de bem-estar engendrados pela despesa atrelada à nova renda acrescida no orçamento do Estado.
Em seguida, porque o custo da fiscalidade ultrapassa os custos associados às distorções alocativas vinculadas aos tributos, eles envolvem certamente uma quantidade considerável de efeitos diretos ou custos operacionais, que podemos perceber naturalmente (custos de conformidade e custos administrativos), e custos associados aos efeitos indiretos, que não percebemos em um primeiro momento (custos associados às necessidades e mudanças na estrutura produtiva, nos incentivos e nas escolhas e ações dos agentes econômicos).
É importante entender que para cada Real arrecadado pelo fisco seu “custo social” será sempre maior que um Real, por causa das perdas secas e também porque o próprio custo de conformidade à tributação sempre excederá para a sociedade o valor intrínseco reportado pelo tributo ao orçamento do fisco. [4]
Esses custos suplementares são reportados a cada ano fiscal, variando em função dos impostos e correspondentemente à natureza do regime tributário: quanto mais opaco, complexo e progressivo o sistema tributário, maior o custo marginal ou custo social de levantamento de fundos públicos, notadamente porque os custos operacionais crescem, porque cresce a ilusão fiscal, cresce o desestímulo à produção, e os contribuintes mais ricos retirarão com maior facilidade seus recursos das regiões onde a predação é maior.
Temporalidade
Como suas consequências ecoam no tempo, a fiscalidade representa um custo associado ao próprio impacto futuro que ela repercutirá sobre a atividade produtiva e sobre as decisões dos agentes, e as antecipações relativas à evolução da carga fiscal.
Admitamos que não há qualquer custo operacional associado ao levantamento dos fundos públicos (polícia, fiscalização, administrações públicas etc.).
Ainda assim, se o governo sugerir aumentar em 10% o confisco da renda das famílias por decreto, por exemplo, e a atividade econômica privada compondo a matéria fiscal tributável responder negativamente em uma escala de 2%, por causa das antecipações dos agentes ou da própria consequência nefasta da nova tirania fiscal, a renda líquida suplementar angariada pelo governo no médio prazo será de 8%, e não o valor associado ao custo inicial daquele acréscimo regulamentário/fiscal de 10%.
Em termos econômicos, independentemente dos custos engendrados especificamente pela manutenção de determinado sistema administrativo, dos efeitos e da natureza dos mecanismos redistributivos associados à arrecadação, o custo marginal de levantamento dos fundos públicos em termos de bem-estar (renda) é e será sempre crescente, até porque as decisões dos agentes levarão em conta as decisões em matéria fiscal no decorrer do tempo.
Aspectos Empíricos: Observações Conclusivas
Geralmente, na literatura empírica, os economistas estudam o impacto em termos de renda (PIB) do acréscimo de um imposto suplementar ou da variação da carga tributária, e suas estimativas apontam não raramente que a taxa de crescimento da tributação apresenta como contrapartida uma taxa maior de decréscimo do produto.
Grosso modo, a estimação do custo econômico em termos de produto para a arrecadação de 1 unidade monetária em impostos para a sociedade estará entre 1,10 a 5 unidades monetárias, as variações dependendo aqui das atribuições dos modelos teóricos, das amostras ou das circunstâncias conjunturais analisadas na empiria. [5]
O efeito dissuasivo do imposto e sua contrapartida negativa em termos do produto e da arrecadação é ilustrado grosseiramente pela projeção feita na teoria de Arthur Laffer.
É possível compreender que, dado o sistema incentivos que opera ao nível microeconômico, é plausível que uma redução da carga marginal dos tributos consiga, objetivamente, conduzir a um crescimento nos níveis de arrecadação na medida em que ela reduz os efeitos dissuasivos da fiscalidade sobre a produção e sobre os esforços individuais.
Importante entender que a ideia original de Arthur Laffer não é apresentar um instrumento ajudando a calibrar os níveis de predação do governo, como se na vida real o objetivo de uma política fiscal fosse maximizar as receitas do governo — e como se existisse um ótimo arrecadatório cujo qual sirva de referencia ou guia para políticas tributárias.
A teoria de Laffer é vantajosamente uma ilustração dos efeitos da tributação sobre os incentivos em nível microeconômico — apesar das consequências em termos macroeconômicos de seus preceitos, notadamente uma forma de exposição categórica do risco econômico que representa a progressividade dos impostos e a espoliação generalizada.
Conclusivamente, notem que qualquer ponto situado além do zero sobre a Curva da ilustração implica os mesmos e nefastos efeitos supracitados da tributação sobre a sociedade, seus custos dependendo, como dissemos, das respectivas características das variáveis e dos agentes econômicos.
O ponto situado no cume da Curva não representa qualquer espécie de ótimo social, sobretudo para os cidadãos, assim como qualquer ponto situado à esquerda desse cume da Curva não indica a necessidade de acréscimo da carga fiscal. Esse ponto no cume pode representar, talvez, um ótimo ou objetivo para os homens do governo, jamais para os pagadores de impostos.
Notas e Referências
[1] HARBERGER, A.C. Taxation, resource allocation, and welfare. Em: SYSTEM, J. (Ed.), The Role of Direct and Indirect Taxes in the Federal Revenue. New Jersey: Princeton University Press, 1964.
[2] HARBERGER, A.C. The incidence of the corporation income tax. Journal of Political Economy, v. 70, p. 215–250, 1962.
[3] Quanto maior a carga de impostos sobre a renda, por exemplo, menor o poder de compra dos salários — ou mais restrito o cesto de bens e serviços possíveis –, menor o custo de oportunidade do lazer — em termos de trabalho o lazer se torna mais atrativo –, menos os trabalhadores e empreendedores terão incentivos a trabalhar por que, na margem, seus esforços produtivos são cada vez menos bem remunerados (Efeito Substituição). Logicamente, uma vez constatado a tendência ao acréscimo da predação, os indivíduos esboçam esforços e tem marginalmente um incentivo a trabalhar mais para manter o mesmo padrão de vida (Efeito Renda).
[4] Custos de conformidade à tributação são todos os recursos utilizados pelos contribuintes para atender às formalidades exigidas pela legislação tributária e que envolvem aspectos formais e burocráticos, como cálculos de impostos, preenchimento de declarações, inclusões e exclusões, atendimento a fiscalizações, acompanhamento de processos administrativos e judiciais, cursos, treinamentos, dentre outros. A complexidade da legislação, as diversas alterações das normas tributárias e as diferentes jurisdições são alguns dos principais aspectos geradores de custos de conformidade à tributação. Ver: BERTOLUCCI, A. V.; Nascimento, D. T. Quanto custa pagar tributos? Revista de Contabilidade e Finanças, v. 13, n. 29, p. 20-21, maio/agosto 2002.
[5] Ver: BARRO, R., REDLICK, C. Macroeconomic Effects from Government Purchases and Taxes. Quarterly Journal of Economics, v. 126, n. 1, 2011; ROMER C.; ROMER, D. The Macroeconomic Effects of Tax Changes: Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks. American Economic Review, v. 100, n. 3, p. 763–801, 2010; CLOYNE, J. Discretionary Tax Changes and the Macroeconomy: New Narrative Evidence from the United Kingdom. American Economic Review, v. 103, n. 4, p. 1507–1528, 2013; MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What Are the Effects of Fiscal Policy Shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960–992, 2009.