Mensura dos Efeitos Económicos da Regulamentação: Aquilo que se Vê

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
21 min readJun 11, 2024

Este artigo procura compartilhar alguns dos elementos mais importantes das metodologias e ferramentas permitindo uma mensura estimativa dos custos e efeitos econômicos da regulamentação, aquilo que se vê.

A avaliação dos efeitos econômicos da regulamentação pode ser feita segundo diversas perspectivas e pode levar em consideração um grande número de elementos explicativos e variáveis [1]. O cálculo destes efeitos insere-se geralmente em um contexto analítico que descreve mais ou menos claramente quais tipos de variáveis serão levadas (ou não) em consideração. Os efeitos e custos esperados da regulamentação dependem diretamente do quadro teórico utilizado como referência e da metodologia de estudo e avaliação. No entanto, é possível constatar algumas regularidades e algum consenso tanto na diversidade teórica da literatura econômica quanto nos estudos empíricos e aplicados.

Essas regularidades podem ser apresentadas em termos de mecanismos de incentivos, nível de performance e limites dos diferentes arranjos organizacionais e quadros regulamentários. Note-se que neste artigo as principais referências teóricas e metodológicas é a economia ortodoxa dita neoclássica.

Fundamentos

É necessário sublinhar que esta apresentação restringe-se à regulamentação econômica, ou seja, faz-se referência unicamente aos mecanismos legislativos e administrativos procurando controlar a entrada e as tarifas em determinados setores de produção. As regulamentações ambientais, de saúde, segurança e outras "regulamentações sociais" [2] têm também implicações econômicas e influência sobre os mecanismos de incentivos, mas o objetivo deste artigo é concentrar-se nos principais instrumentos de cálculo dos custos e efeitos da regulamentação econômica.

O estudo dos efeitos da regulamentação (econômica e social) tem como referência teórica e analítica o que se descreve popularmente como "economia do bem-estar" (welfare economics). A regulamentação das tarifas e entrada se enquadram geralmente dentro do campo denominado tradicionalmente como "economia industrial". Ambas têm caráter normativo, embora o estudo da regulamentação possa também adquirir caráter positivo [3].

A pesquisa empírica pode ser útil para ambas as abordagens. Os efeitos da regulamentação devem descrever variáveis, critérios, índices, medidas e valores objetivos, e quando o objetivo é extrapolar valores aproximativos refletindo com certa precisão o impacto destes efeitos deve-se procurar evitar ao máximo aproximações abstratas e demasiadamente subjetivas, apesar delas terem igualmente importância dentro de uma perspectiva especulativa. Estas aproximações têm imenso valor e importância dentro de uma abordagem teórica, explicativa e descritiva, mas podem, no entanto, se revelar demasiadamente conceituais e vagas para uma estimação objetiva de custos.

Método Comparativo

Sempre que são utilizados objetos e ferramentas de mensura (índices, critérios e valores objetivos) o método comparativo pode ser adotado como referência em termos de perspectiva de abordagem para mensura e avaliação. Em outras palavras, no método comparativo, define-se um quadro referencial de base (conjunto de variáveis) a partir do qual se procura estudar eventuais mudanças e deslocamentos — em termos de performance económica — no decorrer de um período de tempo.

Outra possibilidade que estas ferramentas proporcionam dentro de uma abordagem comparativa é realizar comparações entre diferentes esquemas regulamentários, ou ainda, comparações entre regimes regulamentários similares utilizados portanto em países, situações e circunstâncias diferentes. Existem diversos "pontos de referência" (Benchmarks) a partir dos quais os resultados e efeitos regulamentários podem ser comparados, justapostos e avaliados. Em outras palavras, estes Benchmarks são referências permitindo a realização de estudos comparativos e a avaliação dos diferentes quadros, esquemas ou arranjos regulamentários. É através deles que se pode exprimir a mensura objetiva dos custos e efeitos da regulamentação e das mudanças no quadro regulamentário.

Em teoria, o primeiro Benchmark de referência seria o conjunto de resultados e situações ótimas no plano teórico. Comparam-se então estas referências de optimalidade com os resultados reais de um marco regulamentário que foi colocado em prática, por exemplo, algumas regulamentações tarifárias [4]. O segundo Benchmark seria a circunstância e performance económica caso a regulamentação não tivesse sido colocada em prática. Ou seja, a referência para abordagem, neste caso, é a comparação de situações onde não existiriam regulamentações tarifárias ou regulamentações sobre a entrada (no regulation) com as situações onde um quadro regulamentário foi colocado em aplicação.

Notem que tal perspectiva é também utilizada para os casos onde se considera a hipótese de "ausência de regulamentação", o que é na verdade uma circunstância onde apenas algumas poucas instituições de natureza regulamentária foram colocadas em prática. O terceiro Benchmark é um quadro referencial de esquema regulamentário que deve ser comparado com as possíveis alternativas regulamentárias, sendo então relevadas, através do estudo comparativo, as diferenças em termos de performance e incentivos fornecidos por cada um. Estas alternativas regulamentárias podem envolver pequenas mudanças nos esquemas contratuais em mercados cerceados pelo governo, como por exemplo, a introdução de cláusulas iniciativas em contratos do tipo Cost of Service ou ainda mudanças mais importantes como a descentralização ao nível local de um regime regulamentário que anteriormente era demasiadamente centralizado ao nível nacional. Cada um destes Benchmarks pode prover evidências empíricas de grande utilidade tanto para uma abordagem analítica positiva quanto normativa.

Assim como explicou Paul Joskow (1989, p. 1453) os campos de aplicação das teorias e estudos dos efeitos da regulamentação são diversos, mas concentram-se principalmente, em quatro grandes segmentos:

  1. a eficiência da regulamentação de indústrias em situação de "monopólio natural"
  2. a imperfeição da regulamentação do "monopólio natural" em relação ao "interesse público" ou "bem-estar geral"
  3. a regulamentação de "indústrias oligopolistas" (multi-firm)
  4. a economia política da regulamentação e suas implicações

No primeiro caso se trata da associação da estrutura produtiva do monopólio natural e hipotética necessidade de regulamentação desta atividade.

O segundo caso faz referência ao questionamento interrogando a suposta relação custo-benefício da regulamentação, que procura relevar eventuais efeitos nocivos das regulamentações sobre o progresso técnico e desenvolvimento tecnológico, sobre a qualidade dos serviços, sobre os ganhos de produtividade, sobre a flexibilidade dos níveis tarifários, sobre o aumento do nível dos custos de produção e sobre os riscos financeiros que são frequentemente associados a um quadro regulamentário mal elaborado.

No terceiro caso são tratadas as circunstâncias onde a regulamentação emerge da vontade que detém o regulamentador de controlar as "indústrias" ou setores onde a situação monopolística caracteriza não um único produtor, mas essencialmente, de um grupo de produtores. Neste caso a regulamentação seria associada à "política de concorrência" e auxílio na resolução de eventuais disputas judiciais entre os agentes, notadamente, consumidores e produtores e associações.

O quarto caso trata a regulamentação como resultado da ação de grupos de pressão e interesse, ao invés de representar uma procura por maior eficiência econômica. Estas regulamentações preencheriam, neste caso, um caráter redistributivo e teriam essencialmente efeitos nocivos.

Os principais índices e variáveis utilizadas para a mensura dos efeitos regulamentários são:

  1. o nível médio dos preços e a estrutura de preços (linearidade, firmas monoproduto e multiprodutos)
  2. medida estática dos custos de produção {inputs, custos diretos da aplicação do processo regulamentário, diferença de eficiência das empresas na teoria e na prática (X-Inefficiency)}
  3. efeitos dinâmicos de eficiência (produtividade, inovação, tarifas…)
  4. variação na qualidade dos bens e serviços
  5. estudo dos efeitos redistributivos (partilha da "renda de monopólio" entre os fatores de produção, entre os agentes, transferências de receitas entre grupos de consumidores e produtores etc.)

Dentro da abordagem comparativa, todos estes índices podem servir de fundamento para uma comparação: amostras de firmas e setores de mercado regulamentados com setores e firmas não-regulamentados (ou pouco regulamentados); a comparação e mensura do efeito da variação dos restrições regulamentárias; a realização de experimentos controlados; ou finalmente, a estimação de modelos e simuladores destinados à empresas actuando em mercados regulamentados.

Métodos

Existem fundamentalmente quatro grandes métodos empíricos de mensura dos efeitos econômicos das regulamentações (Joskow 2000). Estes métodos não são mutuamente excludentes. Portanto, eles apresentam diferentes potenciais explicativos e limites, eventualmente servindo melhor um dado propósito de análise muito mais do que outro. Sendo assim, quando possível, alguns estudos utilizam-se de mais de um destes métodos e ferramentas de mensura para que sejam mais valorizados e enriquecidos alguns resultados obtidos na análise.

A primeira forma de avaliar os efeitos econômicos da regulamentação, que já foi relativamente bem apresentada mais acima, é a comparação direta — em termos de eficiência e incentivos — de empresas ou setores regulamentados e "não-regulamentados". Este método engloba os estudos procurando avaliar o impacto de eventuais mudanças de regime regulamentário em um dado setor de atividade durante determinado período.

O segundo método procura avaliar os efeitos econômicos (eficiência-incentivos) da variação de intensidade dos mecanismos e restrições/constrangimentos regulamentários. O objetivo é a apreensão dos efeitos de mudanças sutis mas tão consequentes quanto as mudanças radicais de marco regulamentário.

O terceiro método baseia-se nos resultados de experimentos em ambientes abertos ou controlados (laboratórios), onde são obtidas respostas em termos de incentivos e eficiência quando modificados os quadros organizacionais, institucionais ou regulamentários. Um dos objetivos é melhor compreender os mecanismos incitativos sobre diferentes agentes participando aos experimentos, mas também, obter dados podendo ser ulteriormente explorados por outros estudos comparativos.

A quarta metodologia fundamenta-se na estimação de modelos estruturais e aplicados, procurando analisar o comportamento e a eficiência de empresas em função da realização de modificações nos parâmetros e na intensidade dos mecanismos regulamentários encontrados nos modelos. O objetivo é estudar minuciosamente o comportamento da firma quando modificada a conjuntura econômica, quadro institucional ou regulamentário.

Comparação de Empresas-Setores Regulamentados e Não Regulamentados

O primeiro método é relativamente simples enquanto abordagem comparativa. Ele consiste em realizar uma comparação entre dados tirados de amostras onde temos firmas, mercados ou setores regulamentados e não-regulamentados. Se as diferenças nas amostras podem ser associadas as restrições regulamentárias a variação no comportamento e no nível de eficiência destas amostras pode ser associada aos incentivos promovidos pelos diferentes esquemas e regimes regulamentários.

Esta abordagem comparativa pode ser feita segundo métodos do tipo Cross Section, ou ainda, através de uma comparação do tipoTime Series.

Nos modelos em ‘Cross Section’ comparam-se firmas relativamente similares, operando portanto sob diferentes esquemas regulamentários. Nos modelos ‘Time Series’ se estuda no tempo os efeitos — em termos de incentivos e eficiência — que diferentes esquemas regulamentários implicariam em um dado número de firmas.

Em outras palavras, enquanto a primeira abordagem procura estudar diferentes firmas operando sob esquemas regulamentários diferentes; a segunda abordagem geralmente apanha uma firma ou setor para que sejam relevados no decorrer do tempo os efeitos — em termos de eficiência incentivos — das mudanças de quadro regulamentário.

Cross Section

A metodologia Cross Section é utilizada quando se pretende realizar estudos comparativos entre diferentes países ou regiões. Se busca entender a diferença de regimes regulatórios entre países, o impacto da exclusão ou inclusão de empresas em determinadas restrições/regulamentações federais, estaduais e municipais, ou ainda, o custo/valor das exceções que se aplicam para certas empresas ou mercados.

Uma vez que são identificadas diferenças institucionais e regulamentárias entre duas regiões, a mensura das variações dos preços, custos, produtividade ou lucros deve ser efetuada para que sejam identificadas eventuais diferenças na performance. Quando apontadas diferenças através do controle das variáveis estudadas elas poderão ser atribuídas às diferenças de quadro regulamentário.

Um dos artigos mais relevantes da literatura especializada utiliza deste método em Cross Section, fazemos aqui referência ao trabalho de Stigler e Friedland (1962), sobre o setor de energia elétrica nos Estados Unidos. Eles constataram que os preços finais da energia elétrica eram quase os mesmos em estados onde vigora um regime regulamentário e estados onde as regulamentações são praticamente inexistentes. Ou seja, apesar da idéia tradicional de que um esquema regulamentário ajudaria a conter um eventual abuso de "poder de mercado" que gozariam "naturalmente" certas indústrias — apresentando características tecnológicas e estrutura monopolística, a regulamentação não teria tido nenhum efeito sobre os preços finais da eletricidade americana. Nos termos dos autores:

“Our study was undertaken primarily to investigate the feasibility of measuring the effects of regulation, but our inability to find any significant effects of the regulation of electrical utilities calls for some explanation.” (Stigler; Friedland, 1962, p. 1)

Times Series

As estimações em "Time Series" — também apresentadas como uma abordagem antes-depois— podem explorar os efeitos das variações de ambientes regulamentários ao longo do tempo. A análise requer a identificação de um período no tempo durante o qual o quadro do regime regulamentário foi alterado de maneira mais ou menos significativa. O comportamento e a performance dos mercados e empresas devem então ser apresentados antes e depois das mudanças ou inovações no quadro do regime de regulamentação.

As diferenças poderão em seguida ser atribuídas à variação destes mecanismos de incentivos. Os efeitos econômicos da regulamentação podem ser captados pelas variáveis tradicionais que são os preços e tarifas, os custos, a produtividade, a velocidade de inovação ou o nível dos lucros antes e depois da eliminação (implementação) de um quadro regulamentário.

Uma alternativa similar consiste em simular através de estimação as expectativas ou os efeitos esperados de uma reforma ou mudança em um quadro regulamentário, como fez Nancy Rose (1962) em um artigo tratando da real incidência das rendas geradas pela regulamentação no setor de transporte em caminhões dos Estados Unidos.

Utilizando os níveis de preços das ações das companhias de caminhões, ela buscou identificar os efeitos que anúncios de reformas no quadro regulamentário teriam sobre os preços das ações. O objetivo era mostrar que, segundo as mudanças anunciadas, a futura renda associada ao quadro regulamentário tenderia a cair ou aumentar, e com isso, os níveis atuais de preços variariam em um sentido ou em outro. Qualquer que seja a abordagem em Time Series ela vai requerer o conhecimento e dados referentes aos diferentes períodos do estudo, assim como o contrôle das variações das demais variáveis explicativas e relevantes durante este mesmo período.

Tanto nos modelos Times Series quanto nos modelos Cross Section as variáveis dependentes — preços, custos, ritmo das inovações etc.– devem ser identificadas e moldadas como função de características econômicas exógenas que influenciam a performance da firma, independentemente do quadro regulamentário e sua respectiva influência. A regulamentação é geralmente mensurada como uma variável Dummy, admitindo valores 0 ou 1 e indicando quando dada observação apresenta ou não um determinado regime regulamentário.

Através da estimação e inferência o efeito econômico da regulamentação pode ser mensurado de acordo com o sinal ou magnitude do coeficiente de regressão da variável instrumental representando o efeito do mecanismo regulamentário. Esta abordagem fundamentada na instrumentalização das variáveis Dummy foi bastante utilizada por ser relativamente simples, mas algumas precauções devem portanto ser tomadas.

Primeiramente seria essencial decorticar e bem articular as diferenças entre os quadros regulamentários alternativos, pois se estas definições não são claras e a variável poderia apresentar problemas de endogeneidade, em outras palavras, algumas das características dos diferentes regimes regulamentários poderiam ser comuns, seja se autodeterminando, seja influenciando igualmente a variável dependente.

Em seguida, uma atenção especial deve ser consagrada ao contrôle das diferenças "não-regulamentárias" entre as firmas e mercados, pois poderia existir uma relação estreita entre as condições econômicas afetando o comportamento e performance das empresas e a incidência da regulamentação. Ou seja, deve ser rigoroso o estudo da interação entre: estruturas regulamentárias, características econômicas de certos setores e empresas, e o comportamento e performance das empresas.

Finalmente, pode ser interessante relembrar que a combinação e uso de diferentes abordagens dentro do mesmo estudo pode enriquecer os estudos empíricos.

Variações da Intensidade dos Quadros de Regimes Regulamentários

Em muitos casos a obtenção de dados das empresas ou mercados submetidos a diferentes esquemas e regimes regulamentários é demasiadamente difícil.

A verdade é que, essencialmente, todos os governos regulamentam de uma forma ou outra todos os setores da economia. Assim sendo, a distinção — em Cross Section — feita entre empresas e mercados atuando em ambientes regulamentados e estritamente "não-regulamentados" é simplesmente aproximativa, ver, muitas vezes, impossível. Podem ainda existir problemas associados ao fato de que durante um dado período de tempo mudanças extremamente significativas podem não ter acontecido, o que torna a comparação do tipo ‘antes-depois’ um tanto quanto difícil de ser realizada.

Em suma, os estudos contam com observações contendo um número limitado de dados, informações tendo como referência empresas submetidas à esquemas e restrições regulamentárias qualitativamente muito similares.

Nestes casos a abordagem e usagem de variáveis Dummies é insuficiente ou, no mínimo, inapropriada. Algumas teorias e modelos da economia da regulamentação prevêem que pequenas modificações e diferenças de ordem quantitativa nos regimes regulamentários teriam consequências relativamente importantes — por um dado período de tempo e determinado ambiente concorrencial — sobre o comportamento e incentivos fornecidos a uma cadeia produtiva.

Estas diferenças podem surgir devido as modificações na estrutura e nos processos decorrentes do quadro regulamentário, ou ainda, como consequência e efeito das mudanças das condições econômicas envolvendo o processo de regulamentação.

A título ilustrativo, a mudança na intensidade e nível de restrição de um mecanismo de regulamentação fundamentado nas taxas de retorno (Rate on Return) teria implicações fundamentais nos nível de produção e crescimento da produtividade de uma empresa, ou ainda, nas taxas de utilização dos fatores de produção.

Um exemplo de estudo interessante indo neste sentido é apresentado por Robert Spann (1974) quando, utilizando-se de uma função trans-log de produção, ele procurou testar empiricamente o ‘efeito Averch Johnson’ (Averch ; Johnson, 1962) no setor de energia elétrica.

Outro exemplo é quando ocorrem mudanças de critério ou nível de estabelecimento dos tetos tarifários em um esquema contratual do tipo "Price-Cap" (Ver: Cowan 1998), ou ainda, uma mudança no índice de inflação de referência o qual é indexado o contrato licitatório ou de concessão nos mercados públicos.

Variações na estrutura de instrumentos e procedimentos regulamentários específicos (como cláusulas contratuais relativas à duração dos acordos) são também utilizados no estudo dos efeitos da regulamentação sobre os custos e valores de mercado das empresas.

Variações na natureza das restrições ambientais foram também utilizadas como mensura dos custos e benefícios das regulamentações ambientais. A utilização adequada destas abordagens requer um entendimento detalhado das variações das regras, procedimentos e especificações de um quadro regulamentário e dispositivos contratuais, para que sejam assim corretamente modelizados e testados os efeitos e os mecanismos explicando as variações no comportamento, incentivos e nível de eficiência das firmas, agentes ou setores de atividade.

Interações entre regulamentação e mudanças da conjuntura econômica podem também prover modos adicionais de contrôle, quando o objetivo é extrair apenas e unicamente os supostos efeitos da regulamentação.

Utilização de Experimentações Controladas e Modelos de Simulação do Comportamento de Firmas Submetidas a Diferentes Esquemas de Regulamentação

Evidências tiradas de experimentações controladas podem ter grande utilidade, pois elas fornecem dados podendo ser ulteriormente utilizados para testes de hipóteses sobre os efeitos das variações dos arranjos institucionais e políticas públicas acontecendo na prática.

Existem dois tipos de experimentação controlada. As primeiras são as experimentações aplicadas (Field Experiments) e procuram fazer aparecer o real comportamento de agentes econômicos quando encontram-se ou não constrangidos ou submetidos a tal ou tal outro regime regulamentário. Nestes testes as condições econômicas e as estruturas institucionais variam ou são manipuladas sistematicamente, segundo uma dada frequência, para que respostas em termos de comportamento sejam utilizadas para quantificar/calibrar os efeitos da alteração destes quadros regulamentários, ou das escolhas em termos de políticas públicas e mudanças nos arranjos e estruturas de mercado.

As segundas são os experimentos em laboratório (Laboratory Experiments), que fornecem uma alternativa de estudo dos efeitos das variações institucionais sobre o comportamento e performance de agentes.

Nestes experimentos indivíduos participam geralmente a jogos em ambiente controlado e o objetivo é fazer emergir o comportamento e decisão destes indivíduos segundo o fato de estarem sob incentivos distintos de acordo com quadros regulamentários ou institucionais, ou ainda, segundo são manipulados e alterados estes regimes.

Ambos os experimentos (aplicados ou em laboratório) não têm ainda grande utilização ou impacto na literatura econômica, mas podem ser importantes ferramentas de estudo dos incentivos fornecidos pelos diferentes esquemas institucionais, além de serem uma ferramenta importante para uma eventual obtenção de dados. Muito desse trabalho acaba se incorporando no campo da economia comportamental, onde o foco é extrair o comportamento dos agentes de acordo com as mudanças do ambiente.

Em algumas ocasiões nenhuma das abordagens citadas anteriormente pode ser feita, pois existem variações ainda mais sutis nos esquemas dos regimes regulamentários, na intensidade dos constrangimentos ou nas condições que permitiriam uma mensura direta dos efeitos da regulamentação através dos índices de performance econômica standard.

Os experimentos econômicos podem apresentar um custo elevado, ou ainda impossíveis de serem realizados, dado o nível de complexidade exigido, ou ainda, pela incapacidade de contrôle de certas variáveis necessárias ao estudo em questão. Nestes casos os modelos estruturais fundamentados nos comportamentos ou performances das firmas, combinados com técnicas de simulação, podem prover meios formais de estimação de alguns dos efeitos econômicos da regulamentação.

Uma ilustração faz referência aos modelos utilizados para retratar a situação onde uma firma monopolística é regulamentada. Neste quadro e estudos são elaborados modelos onde são variados os níveis das tarifas podendo ser implementadas, e as eventuais reacções em termos de incentivos que forneceriam as firmas em seguida de eventuais variações nestas variáveis.

Assim seria possível estudar as consequências — no comportamento maximizador da firma — da aplicação de níveis tarifários em situações onde a firma é regulamentada e na situação onde o monopólio estaria livre de estabelecer seus preços, ou ainda, analisar as diferenças — em termos de eficiência — destas mudanças tarifárias relativamente ao nível pré-estabelecido como sendo o nível ótimo. O sucesso desta abordagem depende da habilidade em identificar com precisão a evolução de variáveis como o nível da demanda, custos ou investimentos de uma firma em um dado setor de atividade.

Conclusão: Aquilo que não se Vê

Em suma, a mensura dos efeitos econômicos da regulamentação pode ser feita segundo diversas perspectivas e deve levar em consideração um grande número de elementos e variáveis em seu estudo.

A realização do estudo de mensura depende de uma série de factores, sendo possível destacar entre os principais: a natureza das ferramentas e instrumentos regulamentários; as motivações que conduziram à introdução ou mudança de um quadro regulamentário (instituições, regras, organismos, status jurídico dos organismos, nível dependência e vulnerabilidade destes organismos etc.); as características e particularidades da indústria ou setor regulamentado; o quadro institucional e político de uma determinada região, ou ainda, os aspectos temporais associados à conjuntura socioeconômica de uma determinada região.

Além disso, a perspectiva de abordagem da análise pode adquirir carácter positivo ou normativo, envolver variáveis e factores econômicos, políticos ou ambientais.

Na prática, o Estado Regulamentador ganha cada vez mais amplitude, tanto em termos de número de medidas discricionárias quanto no custo que estas medidas representam para a sociedade civil. Cada vez mais os governos substituem a intervenção directa pela pela intervenção indireta e regulamentação. Esta evolução pode ser analisada a partir das ferramentas encontradas no estudo dos fenómenos da burocracia, ou da abordagem económica dos fenômenos políticos (Public Choice).

A economia neoclássica dita mainstream fornece instrumentos para avaliar tudo aquilo que se vê, mas o trabalho de um bom economista não se restringe em aplicar mecanicamente e na realidade dos mercados e do mundo aquilo que estudos especulativos sugerem por mais robustos que sejam as amostras e resultados empíricos.

Boa parte daquilo que não é mensurável, antecipável, valorizado precisamente ou permanece apenas compreensível na esfera da especulação tem uma dimensão igualmente importante.

A noção custo de oportunidade é o que temos de mais aproximativo desse paradigma dentro da economia neoclássica, mas o gênio, criatividade, desempenho, motivações, aspirações, demandas, competências e anseios humanos dificilmente conseguem ser antecipáveis em modelos econométricos. E a ação do governo atua diretamente nesses resultados quando intervém nos mercados mediante restrições regulamentárias. É no campo da teoria positiva e principalmente análise teórica que aquilo que se vê deve encontrar uma contrapartida crítica.

Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los.

Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.

Resumo

Existem quatro grandes métodos empíricos de mesura dos efeitos das regulamentações. Estes métodos não são mutuamente auto-excludentes, podendo eventualmente figurar em conjunto em alguns estudos. Portanto, cada método apresenta diferentes potenciais e limites explicativos, servindo melhor ou pior para um propósito de estudo. Recapitulando, a primeira maneira é a comparação de diferentes amostras de empresas ou setores regulamentados com amostras de empresas e setores não-regulamentados. Nos modelos em ‘Cross Section’ comparam-se firmas similares operando em diferentes esquemas regulamentários, nos modelos ‘Time Series’ estuda-se no tempo os efeitos — em termos de incentivos e eficiência — que diferentes esquemas regulamentários implicariam em um dado número de firmas. A regulamentação é geralmente mesurada como uma variável ‘Dummy’, admitindo valores 0 ou 1, indicando quando dada observação apresenta ou não um (dado) regime regulamentário. Através da estimação e inferência o efeito econômico da regulamentação pode ser mesurado segundo o signo ou magnitude do coeficiente de regressão da variável instrumental, representando o mecanismo regulamentário. Em muitos casos a obtenção de dados das empresas ou mercados submetidos à diferentes esquemas e regimes regulamentários é significativamente difícil, ou as diferenças entre eles são mais sutis. Nestes casos a abordagem e usagem de variáveis ‘Dummies’ é insuficiente ou inapropriada. Informações suplementares podem nestes casos serem obtidas através das experimentações, dos modelos estruturais e estudo das variações de intensidade de alguns dos mecanismos dos regimes regulamentários.

Notas

[1] Quando se pretende medir o impacto econômico da regulamentação sobre um determinado setor de atividade ou grupo de indivíduos e agentes é relevante caracterizar nesta análise alguns detalhes relacionados ao ambiente institucional e político no qual a regulamentação se insere, as motivações que deram origem a esta regulamentação ou mudança de quadro regulamentário, as principais características e as particularidades do setor de atividade, a natureza das ferramentas e instrumentos regulamentários colocados em prática (contrôle das tarifas, das taxas de retorno, da qualidade…), ou ainda, finalmente, aspectos importantes da conjuntura socioeconômica. Estes são os principais fatores e elementos que o cálculo dos efeitos econômicos da regulamentação deve leva em consideração.

[2] Esta distinção entre regulamentação ‘econômica’ e ‘social’ não tem outra utilidade se não esta de permitir que o estudo concentre-se unicamente nas regulamentações sobre as tarifas e entrada. O termo ‘regulamentação social’ é utilizado por alguns autores da literatura econômica como Joskow & Rose (1989, p. 1450), e em sociologia, é possível relevar o que se denominaria ‘regulação social’, termo utilizado por Jean-Daniel Reynaud para descrever a negociação e a regulamentação como centros e meios de resolução dos conflitos políticos e relações sociais (Reynaud, 1997).

[3] Como mencionado anteriormente, digamos que a pesquisa em economia da regulamentação pode ser separada em duas grandes categorias segundo seu carácter normativo ou positivo (Joskow; Rose, 1987; Hertog, 2010). A primeira porta sobre as ‘falhas de mercado’ e se divide em dois subgrupos: um que procura identificar as ‘falhas de mercado’ e o outro que procura conhecer as respostas óptimas para tratar de tais ‘falhas de mercado’ (Baumol, 1977; Arrow, 1970, Arrow; Lind 1970; Baron; Myerson 1982; Hart; Moore, 1988; Laffont; Tirole, 1993). A segunda categoria procura questionar a razão-de-ser da regulamentação, que responderia na verdade à interações complexas de grupos de interesse que procuram beneficiar-se do poder regulamentador do aparelho público, desconsiderando o regulamentador como um agente procurando satisfazer o ‘bem estar geral’ (Downs, 1957; Buchanan 1960; Stigler, 1971 Stigler, Friedland, 1962; Niskanen, 1971; Posner, 1971; Peltzman, 1976). Esta abordagem inscreve-se então dentro de dois principais paradigmas. O primeiro concentrando-se na real vontade que detêm efectivamente os actores regulamentários ou políticos de agir ou não segundo um hipotético ‘interesse geral’ — ou seja, a possibilidade de existência do regulamentador bem intencionado procurando maximizar o ‘bem-estar geral’. O segundo paradigma é este que se concentra em ‘denunciar’ as verdadeiras interações sociais entre grupos de interesse que dão origem a um quadro regulamentário qualquer. Ver artigo original para detalhes bibliográficos.

[4] No quadro teórico de referência (welfare economics) normalmente a referência de optimalidade considera critérios de ‘bem-estar’ (renda, receita, produtividade…) do conjunto de agentes implicados direta e indiretamente pela ação regulamentaria. Faz-se usagem de uma perspectiva concentrada nos efeitos e implicações diretas e indiretas sobre um dos grupos de agentes (consumidor, produtor, Estado), mas também, da perspectiva global incorporando um suposto nível de ‘bem-estar’ de toda sociedade. Vale lembrar que na prática estes objetivos de optimalidade tirados de modelos teóricos são praticamente inaplicáveis, servindo apenas como referência (Benchmark) em termos de eficiência e eficacidade de um quadro regulamentário qualquer.

março 5, 2013 por mateusbernardino

Referências

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