Nicole Oresme e a Falsificação Monetária

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
39 min readJan 16, 2022

Este breve artigo, escrito por Louis Wolowski (1810–1876) e aqui traduzido em português, procura apresentar e elevar a importância da obra ‘Tratado da Primeira Invenção da Moeda’, de Nicole Oresme (1320–1382), que é relativa aos princípios fundamentais regendo as questões monetárias. Neste artigo, Wolowski mostrou que além de introduzir formidavelmente bem os motivos que conduziram ao surgimento das moedas (as trocas de mercado), Nicole Oresme explicou ainda a razão pela qual o ouro e a prata foram os materiais escolhidos como moeda. Oresme defendia vigorosamente que devem ser evitadas as manipulações e misturas de moedas de metal, algo que é feito geralmente por quem pretende realizar falsificações. Para Oresme, a falsificação monetária era o maior responsável dos problemas sociais de sua época, e como ele mesmo dissera, o caráter do governante pode ser estimado pelo número de manipulações e falsificações monetárias que ele realiza, e pela desordem e inestimáveis prejuízos sociais que seguem.

Oresme parece ter demonstrado bem que a moeda não é propriedade individual do príncipe, ela pertence à colectividade que a utiliza, e que as mutações monetárias não são bem-vindas pois elas destroem a razão de ser desta ferramenta das trocas, ou seja, seu caráter de instrumento mensurando de forma aproximativa um valor ao qual podemos fazer confiança. Oresme foi também quem primeiramente ou pioneiramente anunciou o que seria mais tarde descrito como Lei de Gresham, ou seja, o princípio que a moeda boa desaparece. Ele previu ainda que a falsificação monetária atinge primeiramente e principalmente as camadas populacionais mais baixas, que recebem em último lugar a moeda, enquanto que os cambistas e emprestadores de dinheiro podem se beneficiar dela. A falsificação monetária perturba a coordenação dos agentes pois ela falseia, de certa forma, o instrumento que garante a qualidade das informações. Wolowski lembra também a coragem e grandeza de caráter de Nicole Oresme, que denunciava em pleno século XIV os falsificadores de moeda que se travestiam de príncipes.

Enfim, espero que a tradução deste artigo sirva para instigar a leitura da obra e tratado monetário de Nicole Oresme, e que estimule reflexão nos ‘sábios’ economistas contemporâneos que parecem ignorar ou desconhecer completamente alguns dos princípios monetários mais elementares, pioneiramente anunciados na França do século XIV por Nicole Oresme.

Nicole Oresme (1322–1382)

outubro 4, 2013 por mateusbernardino

Estudo sobre o tratado da moeda de Nicole Oresme [1], por Louis Wolowski. Extraído da primeira tradução francesa dirigida por Louis Wolowski em 1864. L. Wolowski jurista, economista, e político francês de origem polonesa (1810–1976). Submetido ao Institut Coppet por Stéphane Couvreur dia 29 de Maio de 2011. As notas em baixo de página apresentando as vogais do alfabeto são de autoria do tradutor, as notas em números decorrem do artigo original.

Oresme, Tratado da primeira invenção das moedas (circa 1355)

Não existe assunto que seja ao mesmo tempo tão simples e tão importante quanto a moeda, e não existe nenhum outro assunto que o espírito de sistema [a] tenha prejudicado tanto em detrimento da economia pública. Os erros econômicos mais desastrosos foram o resultado de um equívoco muito comum, que fez confundir o numerário com a riqueza e que não vê, em peças de ouro e prata, mais do que um sinal convencional das trocas submisso à vontade dos soberanos.

A partir do momento em que os metais preciosos passaram a ser considerados como o único elemento de fortuna, os povos foram condenados a lutar por frações de um tesouro necessariamente limitado. A partir do momento em que o numerário passa a representar apenas um símbolo, ou um sinal convencional dependendo de uma autoridade, o poder que o criou pode modificá-lo e fazê-lo variar. Ele pode também substituí-lo por outros sinais, fazendo acabar o que tão estranhamente nomearam a realeza usurpada do ouro [b]. Hostilidade permanente entre as nações, conflitos comerciais, alterações no valor da moeda, bancarrotas travestidas ou camufladas, assignats [c], papel-moeda, ódio ao capital, planos quiméricos de renovação financeira, tal é a triste posteridade de uma idéia falsa a respeito da moeda.

Para ter certeza destes perigos e para dissipar todos estes fantasmas, basta que nos interroguemos sobre a natureza das coisas, basta estudar a essência da moeda e o papel que ela deveria desempenhar.

Conhecida no mundo antigo, a verdade parece ter se eclipsado na decadência dos últimos séculos, portanto, sem jamais ter sido inteiramente encoberta; ela deixou na França uma fenda luminosa, numa época que supúnhamos estrangeira às noções econômicas sãs.

Aristoteles, esse poderoso gênio cujo qual nenhum pensamento fecundo parece ter escapado, disse, ao se referir à moeda:

“Convém dar e receber, nas trocas, uma matéria que, útil por ela mesma, fosse facilmente manejável para os usos habituais da vida quotidiana; esta matéria foi o ferro, por exemplo, a prata ou tal outra substância análoga, e foi em primeiro lugar determinado seu peso e sua dimensão e, enfim, para se desfazer das inconvenientes e contínuas mensurações, foi nela marcado uma gravura particular, um sinal de seu valor.”

Entre os romanos, o grande jurisconsulta Paulo [d] confirmou e completou esta bela definição, acrescentando que: foram os metais, “cuja constatação pública e durável permitiu remediar as dificuldades comuns da troca [2]”, os materiais escolhidos pelos agentes.

Aristóteles e Paulo falam de gravura (marca, impressão), sinal de valor; algo que revela e garante a composição intrínseca das espécies (moedas metálicas, dinheiro líquido).

A autoridade, guardiã da fé pública, foi convocada para que fosse constatada e declarada a composição e o peso das espécies metálicas. Esta medida de garantia não demorou a se tornar uma ocasião e um pretexto para as fraudes mais vergonhosas e as alterações mais graves. Da fé atada à gravura fez-se nascer a tentação de abusar; o príncipe, ao qual a fabricação da moeda era devoluta — pois era presumido que ele tivesse o dever de vigiar como um pais sobre a riqueza pública –, se deixou persuadir, ou fingiu acreditar, que o valor da moeda vinha da imagem, que era no entanto simplesmente destinada à certificar alguma integridade.

Este tipo de abuso não deixou de existir nem na Grécia; que procurava entretanto continuar fiel a boa reputação de seu sistema monetário [3]. Algo que não aconteceu em Roma, onde a república deu o mal exemplo que foi em seguida amplamente seguido e utilizado pelos imperadores, em benefício de suas próprias paixões e suas prodigalidades.

Não existe, segundo Vopiscus [4; e], sintoma mais infalível da decadência do Estado que a corrupção do numerário, e os níveis desta decadência são marcados pelo volume das sucessivas alterações da moeda. Poderíamos mesmo julgar o caráter dos imperadores através do som mais ou menos puro que tinham as moedas cunhadas sob seu reino [5].

A diversidade infinita de poderes fragmentados durante a época feudal aumentou ainda mais a desordem: cada senhor feudal edificou sua moeda, cada monarca cometeu alterações mais ou menos graves e importantes para encobrir, ao meio destas sofisticações, verdadeiras bancarrotas. Foi prescrito que os pagamentos seriam feitos a cada semestre, ou cada mês, em moeda corrente [6], e, caso o príncipe fosse credor ou devedor, se enfraqueceria ou elevaria o título e valor das espécies [7].

Estes tristes danos não atingiam nem mesmo seus objetivos: seguindo uma lei inexorável, a má moeda tende a expulsar do mercado a boa moeda, e os valores, depois de oscilações prejudiciais, se colocavam em relação com um numerário degradado. Daí seguia o desaparecimento das espécies e o aumento dos preços, malefícios aos quais os governantes trouxeram remédios tão poderosos quanto funestos, ou seja, proibindo por exemplo as exportações e/ou aumentando ao máximo a pressão fiscal em determinadas regiões [8].

Os erros, as fraudes e a violência se desencadearam e se sucederam, deixando sempre atrás delas os mesmos resultados: a confusão das consciências e o sofrimento dos interesses. A alteração periódica das moedas trazia em todo lugar a desordem. O morbus numericus, que as pessoas diziam tão funesto quanto a peste, não poupou nenhuma região [9]: a Espanha, Portugal, a Inglaterra, o Império, a Hungria, a Bohemia, Napoli e a Savoia foram atingidos.

Em toda região permanecia a velha ideia de que o valor da moeda depende da vontade arbitrária do príncipe de governos pouco escrupulosos, minuciosos no entanto em tirar partido de tal situação. A religião poderia funcionar como um freio para estes abusos em órgãos eclesiásticos, ou entre os papas [10] e bispos, embora eles não tenham sido isentos dos mesmos erros; a poesia poderia utilizar-se da bela linguagem de Dante para evitar que o nome de Philippe le Bel não fosse confundido com o de falsificador de moedas [11]; o mundo continuava portanto a sofrer de um mal que ele não sabia como fazer emergir sua verdadeira natureza [12].

O Anjo da Escola, o grande São Tomás de Aquino, por mais que tenha anunciado, seguindo os passos de Aristóteles, os princípios racionais da moeda, se contentou de aconselhar os soberanos a fazer uso moderado do monopólio da cunhagem sive in mutando, sive in diminuendo pondus [13], seja modificando, seja diminuindo o peso.

O monarca caridoso que a historia conservou, ignoramos por qual motivo, o nome de Jean le Bon — visto que ele resumia bem em sua própria pessoa os desregramentos de uma época que foi fatal para a França –, modificou mais do que nenhum de seus predecessores o valor das moedas. De 1351 à 1360, a Libra Tournois mudou setenta e uma vezes de valor; apenas nos anos de 1359 e 1360 apresentaram-se, respectivamente, dezesseis e dezessete modificações [14].

O mal foi ainda maior pois, ao invés de uma alteração progressiva, reproduziram sucessivas mudanças no sentido contrário, e o aumento sucedeu onze vezes a mesma quantidade de baixas. Era a lei da demência [15]. Mas a consciência do príncipe estava tranquila. “E isto diz respeito unicamente a nós, e todo nosso direito real, a nosso reino compete fazer moedas como nos pareça desejável, e forçar o curso destas mesmas [16].”

Esta fonte de renda lhes permitia, supunham eles, satisfazer as despesas públicas “das quais, sem tomar em consideração as críticas do dito povo de nosso dito reino, nós poderíamos muito bem dar fim, e isto unicamente através da do domínio dos lucros privados e benefício das moedas.”

Quando estudamos atentivamente esta página da nossa historia, reconhecemos que jamais revoluções foram tão frequentes, mais férteis em crises, e em reações de toda natureza; ao ponto que seria talvez difícil decidir se o regime dos assignats foi mais desastroso para a França que as práticas deploráveis do rei Jean, em matéria de moeda [17]. O mal foi assim tão grande que era impossível mensurar a extensão e calcular todas as consequências.

Uma depreciação progressiva do numerário reproduz apenas uma pequena parcela dos desastres que conduzem as perturbações mais violentas de um mecanismo que é destinado à regularizar o conjunto de todas as transações. A moeda, que, por seu caráter fixo, deveria fornecer um ponto de referência, serve doravante para favorizar a fraude, e isto todavia ao grande detrimento dos fracos e oprimidos. A pessoas comuns são os últimos a se darem conta do verdadeiro impacto destas variações; os hábeis aproveitam-se [f].

Daí veio o poder e a riqueza dos cambistas, que retiravam a moeda forte, para substituí-la o tempo todo por uma moeda fraca, em circulação, que muitas vezes era cunhada não se sabe onde. O príncipe se encontrava assim decepcionado com seus gananciosos cálculos; ele terminava por sofrer como o povo, cuja miséria se agravava progressivamente. O que poderia advir da indústria e do comércio se a bússola do mercado e das trocas estava sendo falseada?

Todos os sofrimentos, todos os desastres, todas as calamidades parecem ter sido reunidos para pesar sobre a França, na época em que Charles V foi chamado a tomar a coroa. O desmembramento do território e o esgotamento dos tesouros, a sedição de cidades e as revoltas e insurreições populares nas campanhas, os roubos dos bandos como os tard-venus e de mercenários como os das grandes compagnies [g], a peste negra e a fome, o aniquilamento do trabalho e o pagamento do resgate real (referência à fiscalidade), eis aí ao que este pobre país teve de submeter-se; ele parecia tocar o fundo do poço.

E subitamente, em meio às armaduras estridentes que esmagavam com seu peso homens atordoados por não ter mais forças para portá-las, no momento em que a proeza da cavalaria apenas tinha culminado em uma vergonhosa derrota, surge uma figura pálida e fraca, uma mão incapaz de empunhar uma espada, um corpo, enfraquecido pelo sofrimento, que se recusava aos cansaços da guerra. Mas havia aí uma alma sólida e um espírito esclarecido, e como se Deus tivesse desejado lhe mostrar que, em meio a estes tempos onde havia unicamente estima e espaço para a força, a potência soberana do pensamento, Charles V, o Sábio, fez suceder a um verdadeiro caos um Estado bem organizado; ele soube fazer renascer a prosperidade através da confiança, e fez que fossem retomadas as ocupações produtivas, protegendo a integridade das transações e a segurança das pessoas.

Os bandos que desolavam as campanhas tornaram-se instrumentos de vitória; tudo tomou uma nova face. Uma economia severa soube responder a todas as necessidades e encher-se de tesouros; as forças militares foram aumentadas e restabeleceram a grandiosidade da França, enquanto que a agricultura, o comércio e a indústria, reanimados pela esperança de um futuro melhor, reabriram a verdadeira fonte da abundância e da riqueza. Nada foi abandonado por acaso, tudo foi submetido ao cálculo; um pensamento ativo, perseverante, esclarecido pelos reversos e, não menos estimulado pelo sucesso, exercia uma ascendência que a ignorância da época poderia ter taxado de sobrenatural na figura destes legistas, savants, artistas, filósofos e astrólogos que rodeavam o rei e que inspiravam seus desenhos.

Já foi um grande serviço prestado e uma glória suficiente Charles V ter colocado um término às alterações monetárias. Enquanto regente do reino, ele não escapou ao contágio dos maus exemplos. A grande ordenação legal de 1255, obtida pelos estados reunidos em Paris [18], prometia doravante uma moeda boa e estável por todo o reino, de tal maneira que o marco de prata nunca reproduza mais do que seis libras tournois [19]. Enquanto duque, Charles aumentou o marco até doze libras; e isto foi o sinal para a grande revolta de Paris [20]. Esta lembrança, e talvez ainda mais a feliz influência de um de seus conselheiros, Nicole Oresme [21], fizeram que o já então rei Charles Vguardasse um grande zelo pela sábia administração das moedas [22].

Durante seu reinado a peça de ouro (pied de l’or, mensura do ouro na época) se manteve invariável, e a peça de prata apresentou apenas pequenas modificações. A imobilidade da moeda restabeleceu a regularidade das transações; ela forneceu um alimento para a prosperidade pública.

Nicolas Oresme, bispo de Lisieux, antigo grand maitre do colégio de Navarra e decano da igreja de Rouen, é geralmente apresentado como instrutor de Charles V [23]. Nós tenderíamos mesmo a acreditar, assim como disse o autor de um ensaio consagrado à exaltação da vida e dos trabalhos deste sábio homem, M. Francis Meunier [24], que haveria um equívoco [25], um engano quanto à importância do personagem para o monarca. Ele foi provavelmente apenas um conselheiro do monarca que colocou em seu benefício as luzes de sua sabedoria, e preciosos ensinamentos, sobretudo em questões monetárias.

Nicole Oresme é conhecido como um dos sábios mais renomados do reino de Charles V; devemos a ele a primeira tradução em francês de Ethiques, e de Economiques de Aristóteles [26] e um grande número de outros escritos latinos sobre a astrologia, sobre as ciências físicas e naturais, a teologia, a arte oratória, assim como cento e quinze sermões, cujo o mais célebre, distinto pela ousadia do pensamento, foi pronunciado [27] diante do papa Urbain V e do colégio de cardinais.

Oresme é também o autor de várias obras em língua francesa, sobre as adivinhações em geral e a astrologia judiciária em particular, foi ainda autor de um grande tratado sobre a esfera. Mas o escrito que deve particularmente recomendá-lo à (atenção da) posteridade, trabalho que se manteve quase desconhecido até então — por mais que tenha sido mencionado por numerosos historiadores, é o De origine, natura, jure et mutationibus monetarum, primeiramente publicado em latim e depois traduzido em francês pelo próprio autor, sob o título de: Traictie de la première invention des monnoies [28].

A obra de Oresme, depois de ter obtido um legítimo sucesso, atestado pelo número de cópias manuscritas [29] e edições impressas, escapou portanto da atenção dos economistas. O acaso conduziu um dos sábios correspondentes da Académie des Sciences Morales et Politiques, N. Guillaume Roscher, professor da Universidade de Leipzig, a descobrir este trabalho em suas pesquisas procurando estudar a história da economia política na Alemanha. Desta vez, a obra de Oresme se encontrava entre as mãos de um juiz competente, que reconheceu imediatamente sua importância e alcance [30]; dispondo do manuscrito da obra francesa, nós tentamos completar um estudo que parece apresentar ao mesmo tempo um interesse histórico e um interesse científico:

  • Um interesse histórico, pois o tratado de Oresme coincide por sua data com as sábias mesuras tomadas por Charles V, com objetivo de parar com as alterações das moedas.
  • Um interesse científico, pois ele nos permite reivindicar para a França a honra de ter precedido a Itália, assim como a Inglaterra, na são exposição dos verdadeiros princípios regendo uma das questões mais importantes da economia política.

Aluno de Aristóteles, Nicole Oresme buscou no grande filósofo grego a doutrina da qual ele se fez um enérgico intérprete [31]. Instruído pela triste experiência das infelicidades que conduzira a alteração do numerário, ele expôs sua origem e sua verdadeira natureza; ele precisou o caráter e o papel da moeda com uma clareza e uma força que não foram depois (e até então) ultrapassadas.

Quando analisamos a época a qual remonta o trabalho de Oresme, não sabemos mais se deveríamos nos espantar com o vigor de sua demonstração, ou com esquecimento ao qual puderam recair, desde a morte de Charles V, os príncipes tão claramente destituídos desta demonstração. Apenas no século XVI que nós os veremos a reivindicar na Polônia, na Itália e na França, e no século XVII na Inglaterra.

O manuscrito francês conta com vinte e seis capítulos (três a mais que a edição latina); nós tentaremos conservar sua linguagem ao mesmo temo ingênua e dura, que lembra a linguagem de Froissart [h].

“Ao que parece para muitos (diz o prólogo do tradutor), nenhum rei ou príncipe pode, de sua própria autoridade, direito ou privilégio, alterar descaradamente as moedas em seus respectivos reinos, e procurar segundo sua vontade e prazer, através destas, obter o quanto queiram em ganhos ou indenizações. Para nenhum outro indivíduo é válido o contrário, e tal autoridade não lhes foi então concedida. Esta é a controvérsia e debate ao qual eu pretendo abordar neste pequeno tratado, algo que seja conforme à filosofia, e principalmente, conforme à razão de Aristóteles, algo que me parece necessário dizer, começando pela origem e começo das primeiras moedas e o objetivo pelo qual elas foram procuradas.”

Basta percorrer os títulos dos vinte e seis capítulos da obra de Oresme para compreender a precaução com a qual ele consagrou o estudo de um problema tão claramente colocado desde o início [32].

O plano está claramente traçado: para chegar aos abusos que faziam gemer as nações que não assimilavam e compreendiam muito bem o tamanho do problema, e para impedir o retorno do problema, Nicole Oresme sonda corajosamente o cerne da ferida, ele estuda a origem do mal, e, depois de ter conhecido a natureza da moeda e as leis da circulação, ele indica seu remédio para uma cura. Sua linguagem, ao mesmo tempo modesta e audaciosa, é digna do sábio monarca ao qual ele dedica, nos termos que seguem, a Conclusão do tradutor: “As coisas acima apresentadas são ditas sem asserção ou confirmação, e à correção dos sábios e prudentes homens, que da mesma forma como Vós, meu mui-caro e honradoSenhor, a maioria destas coisas conheceis e sois expert.”

Nada de mais simples e mais verdadeiro do que a introdução ao tema (origem da moeda); Oresme mostra como cada homem em cada região “extra-abundava em alguma coisa que outro homem em outra sentia grande falta [33]. Os homens… começaram a se comunicar e trocar suas riquezas em conjunto, e sem moeda… Mas como esta maneira de permutação e troca das coisas apresentara muitas dificuldades, e houveram controvérsias entre os homens, os homens mais sutis encontraram uma prática mais fácil, esta de saber fazer moeda, a qual foi um instrumento para os homens permutarem e negociarem uns com os outros suas riquezas naturais.

Oresme não confunde a riqueza com a moeda, e relembra a fábula de Midas [i], para mostrar que “alguém abundando nestas, poderia ainda morrer de fome… pois a fortuna (em moeda) não socorre precipitadamente as indigências da vida humana, mas ela é um instrumento artificial encontrado para que as riquezas naturais possam mais facilmente ser trocadas.”

Depois de ter indicado o objetivo da moeda, ele estuda algumas de suas condições:

“Foi conveniente que o instrumento fosse apto e apropriado a ser tratado e manejado facilmente, leve para carregar, e que uma pequena porção dele pudesse comprar e trocar riquezas naturais em uma quantidade bem maior…”

Foi conveniente então que a moeda fosse feita de uma matéria preciosa e em pequena quantidade, como o ouro…..e a prata… Além disso não é útil nem político o uso de outromaterial, a saber, além do ouro e da prata, mesmo que esteja ele em grande abundância, pois por esta mesma causa foi rejeitada e renunciada a moeda de cobre.”

Turgot não teria dito melhor.

Se trata de uma lei da Providência: “Que o ouro e a prata, que são muito convenientes a fazer moeda, não possam tão facilmente ser copiados ou encontrados em abundância, ou que os homens não possam tão facilmente através da alquimia fazer o que alguns procuram e tentam fazer. Aos quais eu diria que: a natureza desta forma justamente repugna e se opõe a quem, do nada, se esforça em ultrapassá-la e excedê-la em suas obras naturais.”

Nicole Oresme expõe com a mesma segurança a utilidade da moeda de ouro, da moeda de prata, e da tierce noire mixte (alusão às moedas misturadas). Nenhuma mistura deve ser feita no metal menos precioso, “do qual nos acostumamos a fazer pequenas moedas… e nenhuma mistura deve se fazer à moeda de ouro.”

As dificuldades eram grandes quando se fazia necessário pesar e aprovar incessantemente a validade das diversas peças de metal, utilizadas como moeda. Para conseguir superar tal obstáculo, foi conveniente que “as porções e peças de moeda sejam feitas através de um dado material e um determinado peso, onde se cunharia ainda uma figura e um personagem notoriamente conhecido, que certificaria a qualidade do material e o verdadeiro peso da peça, com o objetivo que seja afastada qualquer suspeita sobre a moeda, e sobre o seu valor, e seja sem complicações nem dúvidas mais fácil de, prontamente, reconhecer e provar que tal impressão foi verdadeiramente instituída na peça como um sinal de confirmação da pureza de seu material e seu peso…”

As peças “devem ser de forma e quantidade tal que permaneçam hábeis para o trato, e de um material e quantidade possíveis de transacionar, e que também seja fácil para o material receber uma impressão, e que possa ainda reter e deixar perceptível tal impressão. E daí decorre que nem todas as coisas preciosas são convenientes para fazer peças de moeda; pois as pedras preciosas, poëvres, vidros e coisas semelhantes não são naturalmente convenientes, mas somente o ouro, a prata e o cobre, que apresentam as características acima descritas.”

O príncipe foi convocado enquanto pessoa pública, e da maior autoridade, para forjar e cunhar a moeda “e nela assinar uma impressão honesta. Esta impressão…. deve ser sutil, e falsificá-la ou reproduzi-la deve ser algo muito difícil.”

Mas a moeda não pertence ao príncipe, ela pertence a quem as obteve: “pois ninguém dá seu pão ou o trabalho de seu próprio corpo por nada, quando alguém recebe desta maneira a moeda, certamente ela é legitimamente sua, da mesma forma que seria seu o próprio pão ou o trabalho de seu próprio corpo, os quais estavam sob sua livre disposição e seu franco poder de decisão para realizar ou oferecer.”

A cotação e o preço das moedas deve estar para o reino como uma lei e um ordenamento consistente, e o reino não pode modifica-la ou fazê-la flutuar.”

Tal é o princípio monetário consistentemente colocado por Nicole Oresme: ele examina as aplicações, e prossegue com as devidas consequências, assinalando o inevitável perigo ao qual se submetem os que violam este princípio. Suas palavras calmas e lúcidas se animam e se levantam quando ele combate a arbitrária pretensão dos príncipes de dispor e alterar, segundo suas vontades, o título, o peso e do valor das moedas.

“Não parece, de forma alguma, que o príncipe deva ser conduzido a realizar tais mutações… e que ele queira cunhar a moeda, com o objetivo e o propósito de poder obter um ganho… este comportamento é muito ruim, é uma desgraciosa avidez que promoveria um prejudício e dano à toda a sociedade.”

A figura do príncipe deve servir apenas de garantia: “se coloca na peça a imagem e a subscrição com a figura do príncipe para fazer reconhecer com certeza e precisão do peso, a qualidade e pureza do material…. Assim então, se a verdade não corresponde ao peso, qualidade e pureza, aparece, consequentemente, que seria uma mui-vilã falsidade e decepção fraudulenta… Quem seria então este que enquanto príncipe, caso tivesse diminuído o peso ou pureza do material — e feito mesmo assim figurar sua própria imagem e sinal sobre a peça — procuraria ainda obter e passar confiança?”

Oresme atribui ao termo ‘moeda’ uma etimologia que foi, no mínimo, engenhosa [j]:

“Moeda (monnoies) é dita ‘ammonester’ (admonester — Fr., advertir), pois ela ‘ammoneste’ (admoneste; adverte) para que fraude ou desilusão não seja feita, nem quanto ao metal nem quanto ao seu peso [34].”

A condenação dos empréstimos à juros, confundidos com a usura, é natural para um discípulo de Aristóteles: Oresme, sem liberar-se deste erro — comum no tempo em que vivia, chega a temperar consideravelmente sua extensão. Para mostrar que realizar ganhos com a mutação das moedas é pior que a usura, ele diz: “O agiota oferece sua riqueza a alguém que aceita voluntariamente e de bom grado, e que dela, depois, pode se ajudar e socorrer suas necessidades, e o que vale para ele, além e acima do que ele recebeu, é que se trata de um contrato no qual as duas partes estão contentes.” Palavras louváveis se imaginarmos que saíram da boca de um teólogo, no século quatorze!

Ele ainda acrescenta: “Uma vez que o príncipe recebe com a mutação (falsificação) da moeda um ganho diferente e acima da taxa natural e de uso, isto é então compatível com a usura, mas ainda, é pior do que a usura, visto que a mutação é menos voluntária e contra o desejo dos sujeitos, e ela não lhes promove benefício algum e não tem nenhuma necessidade; pois o ganho que realiza um agiota não é demasiadamente excessivo nem tão prejudicial ou geral, como é de fato a mutação, a qual é imposta acima e além de toda a comunidade; eu digo que não somente ela é semelhante à usura, mas é tirânica e fraudulenta, tanto que eu me pergunto se ela não deveria se chamar de preferência despojo violento, ou fraudulenta exação.”

Oresme atacava assim o mal em sua raiz, dissipando o erro mais vulgar; ao tocar no poder do príncipe ele restituía à moeda seu caráter de mercadoria, certificada e garantida pela autoridade: ele esteve à frente de Turgot, Adam Smith e Jean-Baptiste Say.

A mutação das moedas é ainda mais perigosa se “ela não é tão cedo percebida nem ressentida pelo povo, como seria uma mudança e chegada de outracolheita, e todavia nenhum caso similar pode ser tão grave ou maior.”

“É conveniente, e uma responsabilidade do príncipe, condenar e punir todos os falsificadores de moeda, ou qualquer outro que realize mutações nas moedas e pequenos roubos. Como não deveria então, o príncipe, ter enorme vergonha se encontramos nele algo que ele próprio deveria punir com uma pena terrível e uma morte infame?”

Nicole Oresme já havia formulado o princípio que tornou célebre mais tarde o nome de Gresham na Inglaterra [l]: a boa moeda desaparece de todo país onde se fazem alterações das moedas. Ele desemaranhava com suas palavras toda a confusão que nasceu de uma grande instabilidade do numerário: “Ainda nas terras onde tais mutações são feitas, o fato dos preços das mercadorias estarem tão confusos faz com que os comerciantes e os mestres da mecânica não consigam mais se entender e se comunicar facilmente, ou agir conjuntamente… e desta forma, através de tais mutações o mundo inteiro é prejudicado e se torna confuso [m].”

Nós já dissemos o suficiente para se fazer reconhecer a incontestável prioridade que representa para Nicole Oresme a questão de uma doutrina monetária sã: seria necessário citar todo seu Tratado para reproduzir todos os sábios ensinamentos que foram nele colocados em evidência. Nos resta agora mostrar sua visão elevada em matéria de governo, e seu correto entendimento das ideias de liberdade e de independência.

Não é somente o príncipe quem não tem o direito de alterar as moedas: em princípio, a comunidade não possui também este direito, mesmo que isto fosse por motivos de “guerra ou pelo resgate de seu príncipe prisioneiro.” A menos que seja uma necessidade excepcional, a comunidade e o príncipe devem recorrer aos subsídios ou aos empréstimos.

Alguns argumentam que “ a comunidade a qual pertence e tem origem uma moeda, poderia se despojar de seu direito, e repassá-lo inteiramente ao príncipe.” Oresme rejeita este pensamento: “Uma comunidade de cidadãos, que seja naturalmente franca e tenda à liberdade, jamais conscientemente se submete à servidão ou se rebaixaria ao jugo de um poder tirânico… Assim como a comunidade não pode outorgar ao príncipe que ele tenha o poder e autoridade de abusar das mulheres e cidadãos segundo sua vontade, escolhendo quem ele bem deseja; ela não pode igualmente dar-lhe o privilégio de fazer o que quiser com suas moedas.” Os recursos e soluções do Estado “devem ser encontrados alhures, e devem tomar de outras medidas que as indevidas mutações.”

O príncipe não tem nenhum título para se arrogar um pretendido abandono do direito de não alterar as moedas, “esta coisa lhe negar, não quer dizer lhe deserdar ou ir contra o poder real, como alguns mentirosos, lisonjeadores, falsários e traidores da coisa pública, dizem e fazem escutar.”

Inimigo da tirania, como todos os economistas dignos deste nome, Oresme consagra um capítulo destinado à uma demonstração que “o príncipe tirano não pode longamente durar.”

A tirania aparece para ele como um “monstro da natureza… que teria um corpo cuja cabeça é tão grande, e que o resto deste corpo é tão fraco, que ele não poderia suportar.”

“Que a Deus eu não desagrade, escrevia ele, e que a nobre coragem dos franceses fosse tão abastardeada que voluntariamente eles se fizessem de servos, pois quando a servidão a eles é imposta, ela não poderia durar longamente, visto que por maior que seja o poder desses grandes tiranos, todavia, a tirania é violenta aos corações das livres crianças dos sujeitos promissores, e ao encontro dos estrangeiros ela não é válida. Quem quer que deseje, de qualquer maneira, atrair e induzir os senhores da França a um regime de tirania, certamente exporia o reino a uma grande vergonha e perda de estima, e o prepararia para o seu fim. Pois então é mui-nobre esta sequela que não ensinou os reis de França a tiranizar, nem o povo gálico se acostumaria a qualquer sujeição servil. E por isto, se a real sequela da França decorrer de sua primeira virtude, sem nenhuma dúvida ela perderá seu reino e será expedida em outras mãos.”

Em Oresme, os sentimentos do cidadão se elevam a altura das luzes do sábio.

O monarca ao qual ele destinava esses conselhos era capaz de os compreender e os seguir; mesmo a história conservou para seu nome Charles le Sage. Mas com ele deveria desaparecer o poder, e a prosperidade do país, deixada de novo aos sofrimentos da guerra civil e à vergonha da invasão estrangeira.

Os verdadeiros princípios em matéria monetária, ensinados por Nicole Oresme e praticados por Charles o Sábio, foram sepultados na ruína comum da pátria, a tal ponto que olharam eles como se fossem uma audaciosa novidade, quando Bodin a eles fez menção já no século XVI [35].

Os príncipes que inspiraram na Itália as melhores obras sobre as moedas, foram também informados na mesma época; o Discorso do Conde Sceruffi é datado de 1582 [36]. Sabemos que Rice Vaughan [37], Cotton, Petty, North e Locke, que familiarizaram a Inglaterra com a mesma doutrina, pertencem de fato ao século dezessete.

A antiga França teve então, sem contestação, a honra de ter formulado a doutrina da moeda a partir dos escritos de Nicole Oresme, que nós podemos, com fez nosso sábio amigo M. Roscher, saudá-lo com o nome de grande economista; mas apenas a França moderna recolheu os benefícios.

As alterações do numerário depois de retomarem curso sob o reino de Charles VI, não pararam até a revolução. Em 1789, a libra não representava mais do que o 86exto da prata fina que ela continha no tempo de Charlesmagne, e o 10écimo da quantidade prescrita por Charles V [38].

O Franco hoje em dia equivale, de maneira invariável, à quatro gramas e meia de prata, ao título de nove décimos; ele pesa então cinco gramas.

Mas no que diz respeito à doutrina, não sejamos muito orgulhosos nem muito desdenhosos da ignorância de nossos avós. Confessemos humildemente que resta muito ainda a ser feito para que a verdade penetre em muitos dos espíritos prevenidos, que persistem a supor que a moeda não é de forma alguma uma produção natural, que ela é uma criação soberana dos governos, das sociedades. A história está aí para mostrar ao quê conduziu tal equívoco, enquanto que, depois de muito tempo, o Tratado de Nicole Oresme deveria ter curado o país.

* * *

Considerações do Tradutor

Não foi tarefa fácil. O francês do século quatorze, utilizado nas citações que o autor faz de Nicole Oresme, é uma língua completamente diferente, bem mais estranha que a escritura do século dezenove utilizada no texto. A grafia das palavras, as concordâncias verbais, o raciocínio, a coerência das sentenças, a forma da escritura, as palavras… enfim, tudo é feito de maneira diferente. Muitas vezes é necessário parar, ler e reler, procurar o significado, interpretar um sentido e buscar o que realmente procurava dizer o autor — visto que a tradução ‘palavra por palavra’ além de praticamente irrealizável, não permite nem garante que algum sentido floresça na frase ou parágrafo traduzido. Muitas vezes as palavras e as grafias utilizadas naquela época são completamente desconhecidas nos dias de hoje, ou mesmo irreconhecíveis, não podendo sequer ser encontradas em motores de pesquisa como o google etc.

Espero ter tido a capacidade de transmitir o que o autor procurou de fato dizer, neste trabalho que mesmo um tradutor profissional — o que não é o meu caso, teria dificuldades para realizar — eu tenho certeza. Mas o trabalho, embora tenha me irritado em alguns momentos, valeu de certa forma a pena. Não me pergunte, portanto, quando tornarei a fazer algo parecido.

Um dos motivos que fez valer a pena foi poder imaginar, através da leitura e tradução, que já naquela época alguém denunciava tão clara e abertamente as manipulações monetárias, atacando principalmente os responsáveis do governo que cometiam tais falsificações, ou seja, o mal pela raiz. Fazer isto, em pleno regime feudal do século XIV, é uma demonstração da força do caráter de Nicole Oresme, um dos maiores pensadores de seu tempo.

Além de apresentar perfeitamente bem os motivos que conduziram ao surgimento das moedas (as trocas de mercado), ele introduziu a razão pela qual o ouro e a prata foram os materiais escolhidos como moeda. Oresme mostrou que devem ser evitadas as manipulações e misturas de metais, algo que é feito geralmente por quem pretende realizar falsificações. A Lei da Providência fez do ouro e da prata materiais escassos, e fez que esses metais não sejam facilmente falsificados, ou reproduzíveis por alquimistas: isto é uma prova da desejabilidade do uso destes materiais, mas ainda, uma demonstração que os falsificadores de moeda (dentre os quais muitos príncipes) agem em completa imoralidade, desonestidade e ilegalidade para com as leis naturais (ou divinas).

Oresme aponta a falsificação monetária como o maior responsável dos problemas sociais de sua época. Como ele disse, o caráter do governante pode ser estimado pelo número de manipulações e falsificações monetárias que realiza, e a desordem e inestimáveis prejudícios sociais que seguem. Ele mostrou principalmente que a moeda não é propriedade individual do príncipe, ela pertence à coletividade que a utiliza, e que as mutações monetárias não são bem-vindas, pois elas destroem a razão de ser desta ferramenta das trocas, ou seja, um instrumento mensurando um valor ao qual podemos fazer confiança. Oresme foi também quem primeiramente anunciou o que seria mais tarde descrito como Lei de Gresham, ou seja, o princípio que a moeda boa desaparece.

Oresme prevê ainda que a falsificação monetária atinge primeiramente as camadas populacionais mais baixas, que recebem em último lugar a moeda, enquanto que os cambistas e emprestadores de dinheiro se beneficiam. Além disso, ele denunciava que as falsificações monetárias implicavam também um falseamento de informações indispensáveis e fundamentais ao funcionamento do mercado, ou seja, o valor das moedas, tais eventos tendo consequências desastrosas sobre toda a economia e sociedade. Percebemos nestas constatações os germes de algumas das mais bem elaboradas teorias econômicas modernas, alguns posicionamentos relativamente semelhantes aos da dita Escola Austríaca de Economia.

Enfim, espero que esta tradução tenha servido para instigar a leitura da obra de Oresme, mas ainda, que sirva de reflexão aos ‘sábios’ economistas contemporâneos que parecem ignorar ou desconhecer completamente alguns dos princípios monetários anunciados já no século XIV por Oresme.

Notas

[1] Nós havíamos lido esta dissertação em uma seção pública anual das cinco Academias do Instituto Imperial da França no dia 14 de Agosto de 1862.

[a] O espírito de sistema é uma noção que diz respeito a vontade de sistematicamente — através da lógica — ordenar, reunir, unir e sintetizar idéias para organizá-las e fazer delas um corpo que tome forma de doutrina:

“L’esprit de système se manifeste jusque dans des formations aussi diffuses que les humeurs, les modes et les atmosphères intellectuelles; comme le montre le cas des aphorismes et des maximes, une œuvre peut être systématique sans être systématisée. Mais l’esprit de système s’appuie sur la logique qui anime l’esprit systématique pour rassembler, ordonner et unir des idées, et les organiser en un corps de doctrine.” (Grignon, 2008)

Ver: Grignon, C. L’esprit scientifique et l’esprit de systèmes, European Journal of Social Sciences, Vol. 142, p. 11–33, 2008.

[b] Nesse contexto, quando ele diz “realeza usurpada do ouro” é EXATAMENTE isso que ele quer dizer. O ouro, esse metal tão precioso que serviu como base das primeiras moedas, teve sua “realeza” (primazia) “usurpada” (substituída) por outros “sinais” (metais).

[c] O ‘assignat’ era uma moeda vigente sob a Revolução Francesa. Na origem, tratava-se de um título de empréstimo emitido pelo Tesouro em 1789, cujo valor estava associado aos bens nacionais. Os assignats tornam-se moeda em 1791, e as assembléias revolucionárias multiplicam sua emissão, o que leva a uma forte inflação. O curso legal dos assignats é suspenso em 1797.

[d] Iulius Paulus (160–230) foi um célebre advogado e jurista romano.

[2] Veja aqui por inteiro a admirável passagem de Paulo (Digeste, I, tít. I, 1):

“A venda começa pela troca; antigamente não existia moeda, e nada distinguia a mercadoria do preço. Cada um, seguindo a necessidade do tempo e das coisas, trocava o que lhe era inútil contra o que poderia lhe ser apresentar utilidade, pois vemos frequentemente que o que possui em demasiado alguém, falta a outrem. Mas como não acontecia sempre nem facilmente que um possuísse o que o outro desejasse, e reciprocamente, escolheram uma matéria-prima cuja constatação pública e durável permitiu responder às dificuldades comuns da troca, pela identidade de avaliação: esta matéria-prima, revestida de uma gravura oficial, não porta mais nela o nome de mercadoria, mas porta doravante este de preço.”

[3] Blanqui, Histoire de l’économie politique, chap. II.

[4] Flavius Vopiscus viveu em Roma sob Diocleciano e Constâncio de Cloro, ele é autor de A vida de Aurélio, de Tácito, de Florin, de Probos, de Firmus, de Caros, de Numeriano, de Carin, fazendo parte da História Augusta.

[e] Na verdade Vopiscus é um dos seis autores fictícios da coleção de biografias apresentada como História Augusta. Foi admitido em 1889 — ulteriormente então à apresentação feita pelo autor do presente artigo, depois das pesquisas de Hermann Dessau, que ele nunca existiu, assim como todos os outros supostos autores da História Augusta. Seriam na verdade apenas pseudônimos utilizados pelo autor original.

[5] A primeira alteração do áureo foi realizada por Nero (Plínio, XXXIII, 3–47. — Cf. Mommsen, Geschichte des Römischen Münzwesens, p. 753). O denário foi reduzido por Nero, passando de 1/84 à 1/96 da libra de prata, e isto, ao mesmo tempo em que a moeda conservara o mesmo valor nominal (Galien, De Compos Med. V, p. 813. — Anônimo da Alexandria, 18, Dioscoride, p. 715. — Mommsen, p. 756). Ao mesmo tempo, a proporção de aliagem (mistura) passou de 5 à 40 por 100 do peso total da peça metálica (Rauch Mitteilungen der Numismatischen Gesellschaft, part. III, p. 298 seq.). A partir desta época, a alteração das moedas prosseguiu seu curso, e a violência, que era recoberta por uma máscara tomando forma de lei, assegurara o sucesso das fraudes. Sob risco de penas severas, era proibido recusar a moeda com a imagem do príncipe, por qualquer que fosse o motivo (Digeste, V, 25–1). Fazendo um nobre contraste aos fatos acima relatado, Théodoric le Goth nos faz apresenta estas belas palavras:

“Omnino monetae integritas debet tueri ubi vultus noster imprimitur; quodnam erit tutum si in nostra peccetur effigie.”

Mais adiante no curso da historia, nós vimos no texto de um ato legislativo (Capitulaire) de 744, sob Childéric III, que o governo dos reis francos procurava também conter, através de penas severas, uma atividade que era bem comum desde os tempos antigos: a falsificação monetária.

De falsa moneta jubemus ut qui eam percussisse comprobatus fuerit manus ei amputatur. Et qui hoc consensit si liber est, sexaginta ictus accipiat.” (Baluz, t. I, p. 184–188)

[6] Disposição do Louvre, t. I, p. 144.

[7] Em Janeiro de 1311, uma nova desvalorização das moedas, que durou até Setembro de 1313, abaixou a libra à 13 fr. 88c. A esta cotação se sucedeu a de 18 fr. 37c., que foi estabelecida no momento em que se deveria aprovar um subsídio extraordinário ao qual Philippe le Bel tinha até então direito, segundo o que era de hábito na época, pois seu filho primogênito iria se tornar Cavaleiro. Este evento aconteceu antes que quatro anos tivessem se passado desde que um outro subsídio importante tivesse sido levantado para a ocasião do casamento da princesa Isabelle, e numa época onde a moeda em circulação era mais valorizada. O acaso teria servido tão bem os interesses do Tesouro naquela época, e isto seria denigrir a política da época se acreditássemos que ela era alheia a todas estas felizes combinações. Philippe le Bel deixa a libra tournois (livre tournois) perto dos 10/11 do valor que ela tinha tido em sua chegada, mas depois de fazer 22 variações no últimos 19 anos de seu reino. Ele, que tinha como intenção reequilibrar as finanças, conseguiu apenas arruinar as riquezas dos particulares, instigar uma desconsideração pela autoridade real, estimular um ódio considerável nas pessoas, e promover na cidade de Paris uma revolta sangrenta… (Natalis de Waily. Recherches sur le système monétaire de Saint Louis — Mémoire de l’Académie des inscriptions et belles lettres, t. XXI, 2ème partie, p. 211).

[8] Contrôle do câmbio e controle dos preços (Nota do Editor).

[9] Para nos darmos alguns exemplos, tirados dos séculos XIII e XIV, época na qual foram formuladas doutrinas mais sãs, assim como nós mostraremos um pouco mais adiante, os reis de Castela Alphonse X (1252) e Alphonse XI (1311), assim como Henri XI (1368), não se incomodaram de substituir boas moedas por numerário da mais baixa qualidade. A cunhagem de moeda foi forte durante o reino de Henri III na Inglaterra. Em 1280, Edouard I diminui ainda mais o peso das moedas, e seu filho Edouard II seguiu a mesma linha (1307); em sua chegada ao trono (1327), Edouard III encontra a situação monetária em um estado ainda mais deplorável; seus esforços para melhorar a situação não foram no entanto felizes. A depreciação da moeda foi anda maior na Escócia do que na Inglaterra. Em 1381, os municípios chamaram mesmo a atenção do rei Richard II sobre a miserável situação do reino, causada pelas condições monetárias ruins (Macleod Dictionary of Political Economy — Coinage of England, p. 461 em diante).

[10] Boniface VIII acusa Philippe le Bel : “Monetae depravatione subditis atque extraneis injuriam fieri.”

[11] “La si vedrà il duoli che sopra Senna / Induce, falseggiando la moneta.” (Par. XIX)

[12] A inscrição das antigas moedas de Malta dizia: Non Aes Sed Fides [non une monnaie d’as, mais une monnaie de confiance], como uma espécie de protesto contra este tipo de procedimento fraudulento.

[13] De Regimine principis, lib. II, cap. XIII.

[14] As modificações extremas e o curso forçado fizeram o valor da libra tournois oscilar entre 13fr. 59c. E 3fr. 22c. Se examinarmos particularmente o que diz respeito a moeda em espécie, veríamos que a peça de ouro variou um pouco mais de 1 a 3, e que a proporção de 1 a 21 fora ultrapassada para a peça de prata. (De Waily, loc. Cit., p. 222)

[15] Michelet, Histoire de France, t. III, p. 361. João procurou manter secretas estas vergonhosas falsificações, ele demandava aos oficiais das moedas: “Sobre sermão que vós fizésseis ao rei, guardai ao melhor o segredo sobre estas coisas… Que de vós, os cambistas não possam nem sentir nem saber coisa alguma; pois, se de vós eles descobrem, sereis punidos de tal maneira que todos os outros temerão pelo exemplo da pena.” (24 de Março de 1350) “Se alguém pergunte a quantos blancs estão a loy, façam acreditar que ela está a seis derniers.” Ele ordenava que eles cunhassem exatamente igual como as peças antigas, “para que os comerciantes não pudessem perceber a baixa, sob pena de serem declarados traidores.”

[16] Ord. III, p. 555.

[17] De Waily, loc. cit.

[18] Os debates desta assembleia acirraram as diferenças em matéria de economia política. Nicole Oresme elevou à altura de uma doutrina as idéias que se faziam então atuais, para ele, e isto de uma maneira bastante instintiva.

[f] Chama á atenção o quanto este parágrafo parece descrever e apresentar bem um fenômeno semelhante ao que foi descrito ulteriormente pela teoria económica. http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=306

[g] Para mais detalhes sobre os tard-venus e grandes compagnies: Link: http://fr.wikipedia.org/wiki/Tard-Venus; Link: http://fr.wikipedia.org/wiki/Grandes_compagnies

[19] Henri Martin, V, 141.

[20] Dia 23 de Novembro de 1357.

[21] Ele é geralmente chamado e conhecido pelo nome Nicolas. Nós adotamos portanto o termo Nicole, fazendo alusão ao nome que ele mesmo ensinou em sua tradução do Traité do ciel el du monde (Ver a nota 4 da página seguinte). A introdução de nosso trabalho reúne as informações que pudemos recolher sobre a vida de Oresme.

[22] De Waily, p. 233, ele havia encontrado, em sua chegada, a libra tournois fixada em 10 fr. 92c. Ele a mantém em 10 fr. 80c., sem jamais tê-la abaixado a menos de 10 fr. 69c.

[23] Nenhuma indicação do século XIV e século XV confirma este título: são dois escritores do final do século XVI (Du Haillan, 1576, e Lacroix du Maine, 1584) que assim o chamavam, um instrutor, o outro, por extensão deste termo, o educador de Charles V.

[24] Essai sur la vie et les ouvragea de Nicole Oresme, por Francis Meunier, Paris 1857. Durand.

[25] Meunier o demonstra por uma feliz aproximação e estudo das datas, p. 25.

[26] Ele traduziu também o tratado do Ciel et du Monde. Em um preâmbulo deste trabalho (Bibl. Imp., Ms. n° 7065. Este manuscrito é único), podemos ler: “Em nome de Deus, aqui começa o livro de Aristóteles, chamado Ciel du Monde, o qual a mandamento do mui-soberano e mui-excelente príncipe Charles, quinto de seu nome, pela graça de Deus, rei da França, desejando e amando todas as nobres ciências: Eu, Nicolas Oresme, decano da igreja de Rouen, proponho traduzir e expor em francês.”

[27] Em Avignon, dia 24 de Dezembro de 1363.

[28] Esta tradução se encontrava, desde 1373, em uma livraria da torre do Louvre, reunida aos cuidados esclarecidos de Charles le Sage. Nós a reproduzimos neste volume, copiada de um belo manuscrito da Bibliothèque Impériale (F. Notre-Dame, n° 172). Ela é mais completa que os exemplares das diversas edições latinas.

[29] Uma edição francesa bem antiga, foi impressa sem data por Colard Mansion, e se tornou bastante rara. Brunet, que é quem faz alusão e descreve esta obra (Manuel du Libraire, 804), disse não ter visto mais do que um exemplar. O valor pago em 1811 por este exemplar, em um leilão, foi 855 francos. Este exemplar se encontra na Bibliothèque Impériale; nós tomamos cuidado de comparar com nosso texto, anotando as variações mais importantes: elas encontram-se assinaladas nas notas que precedem a publicação do manuscrito, impresso neste volume. Em seu Ensaio sobre Nicole Oresme, M. Meunier ofereceu uma análise deste manuscrito. M. Van Praet menciona a edição latina de Thomas Keet, Paris, começo do século XVI, sem data (Notice por Colard Mansion, p. 63–64, petit in-4°). Esse volume de dezesseis páginas, impresso de maneira compacta, dá um contexto compatível com a versão editada pela Voegelin, que nos serviu e que é a mais difundida, e que nós pudemos comparar aos manuscritos da Bibliothèque Impériale. M. Roscher encontrou o texto latino em la Sacra bibliotheca sanctorum Patrum de Margarinus de la Bigne, Paris, 1589, vol. IX, p.129; e em Acta publics monetaria, de David Thomas de Hagelstein (Augsbourg, 1642). Assim como nos lembrou uma nova coleção, consagrada à economia política e à estatística (Jährlbicher für National-Ökonomie und Statistik Herausgegeben, von Bruno Hildebrand, 1° ano, 1° livro, p. 124). Fischer forneceu longos trechos do trabalho de Oresme, em sua Histoire du Commerce de l’Allemagne (11° parte, p. 583 e seguintes). — O exemplar, cujo qual nós utilizamos para conferir o texto com a versão francesa, pertence à Bibliothèque Impériale. Ele faz parte de um volume in 4°, encadernado em pele de cabra (Maroquin) pintada com a cor vermelha (Z, anc. 922), tendo por título: Opusc. de monetis. Neste volume encontra-se incluso o: De re monetaria veterum Romanorum et hodierni apud Germanos imperii libri duo Marquardi Freheri, consiliarii Palatini; accedit Nicolai Oresmii, episcopi Lexoviensis (qui fuit prceceptor Caroli V, cognomento Sapientis regis Gallice) de origine et potestate, necnon de mutatione monetarum liber subtilissimus. Lugduni, apud Gothardum Voegelinum,1675.

[30] M. Roscher nos transmitiu, em alemão, sob o título de: Un grand économiste français au seizième siècle, uma comunicação destinada à Academia de ciências morais e políticas que nós então reproduzimos (Ver mais acima, p. xj). Ela é digna do sábio autor dos Principes d’économie politique, obra cuja qual nós publicamos a tradução em 1857. M. Roscher escreveu esta comunicação quando ainda estava sob o charme que ressentia depois da leitura de um trabalho que ele acreditava ser completamente desconhecido: ele ressaltou a finesse da análise, a sagaz erudição e a altura de percepção que a distingue. Nossa dissertação, a qual nós primeiramente conservamos o título do trabalho de td. Roscher, pois como a ideia nos sugeriu, ela trata do mesmo tema, o abordando portanto sob uma perspectiva diferente. Ele tem por objetivo utilizar o manuscrito da redação francesa, este do próprio Oresme, manuscrito mais completo da edição latina, sobre o qual M. Roscher fez seu trabalho.

[31] Em sua tradução de Politiques, ele lembra inúmeras vezes seu trabalho original: a Et tout ce appert plus à plein en un Traictie que je fis de ifutacions de monnoies. (1–10) — Si, comme il appert au Traictie de ifutacions de monnoies.” (I-12.)

[h] Tudo faz acreditar que se menciona Jean Froissart : Link http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Froissart

[32] Ele examina sucessivamente: I Por que motivo foi a moeda primeiramente procurada; II De qual material deve ser feita a moeda; III A diversidade dos materiais da moeda; IV A forma e a figura da moeda; V A quem compete fazer a moeda; VI A quem deve pertencer a moeda; VII A qual inclinação deve ser forjada a moeda; VIII As mutações da moeda em geral; IX A mutação da figura da moeda; X A mutação da proporção da moeda; XI Do nome; XII Do preço; XIII Da matéria; XIV A mutação composta da moeda; XV Como o ganho que vêm ao príncipe através da mutação da moeda é injusto; XVI Como ele é contra a natureza; XVII E pior que a usura; XVIII Tais mutações da moeda não devem ser permitidas; XIX Os inconvenientes que dizem respeito aos príncipes; XX Inconvenientes tocando toda a comunidade; XXI Ou somente uma parte; XXII Se a comunidade pode fazer tais mutações de moedas; XXIII No quê pode o príncipe transformar as moedas; XXIV A conclusão principal; XXV Que o príncipe tirano não pode durar longamente; XXVI Como obter ganho, por causa das mutações de moeda, e prejudício à todo o poder real.

[33] Platão (Repúb., liv. II) mostra admiravelmente bem que as necessidades mútuas aproximam os homens:

“O que dá nascimento à sociedade, diz ele, é a incapacidade que encontramos em sermos autossuficientes e a necessidade que nós temos de obter uma infinidade de coisas. Assim, da necessidade tendo comprometido o homem a se aproximar de outro homem, nasceu a sociedade, com objetivo de assistência mútua. Sim; mas se comunica aos outros o que se tem, para receber em troca o que não se tem, unicamente por que se acredita daí tirar uma vantagem.”

[i] Na mitologia grega Midas o principal mito atribuído a Midas, é o de transformar em ouro tudo o que tocava. Ver mais: Link http://en.wikipedia.org/wiki/Midas

[j] Para o termo Ammonester não foi encontrado nenhum significado em francês moderno, tudo leva a crer que o termo moderno que seria compatível partilha a grafia Admonester, que significa advertir em português.

[34] A impressão e figura da moeda é o sinal da veracidade de sua matéria e de sua mistura, por isto misturar é, e assim esta coisa vai variar, falsificar a moeda; por estas causas, em nenhuma moeda se deve inscrever o nome de Deus ou de algum santo e o sinal da cruz, como foi feito, encontrado e instituído antigamente, pois isto representaria uma testemunha de veracidade da qualidade da moeda; notadamente em matéria de peso. Se um príncipe então sob esta inscrição modifica as moedas em peso ou em composição; ele é visto ostensivamente como um mentiroso, é cometer perjúrio e portar falso testemunho, mas ainda, é prevaricar e despistar o legal mandamento de Deus, o qual diz: “Tu não utilizarás o nome de Deus em vão.” (Cap. XIII)

[l] A lei de Gresham deve seu nome à Thomas Gresham, comerciante e homem de finanças inglês tendo vido no século XVI (1519–1579). A proposição de Gresham era de que a “má moeda tende a expulsar do mercado a boa moeda.”

[m] Outra alusão à escola austríaca: a falsificação monetária fazia com que os mecanismos de preços fosse falseado e promovia a desordem que derivava da perda de qualidade da informação que é transmitida pelo mecanismo de preços.

[35] Ver Jean Bodin et son Temps, por M. Baudrillard, que faz uma análise fiel de dois escritos de Bodin: 1° La Réponse aux paradoxes de N. de Malestroit touchant l’enrichissement de toutes les monnoies (1568) ; 2° le Discours sur le rehaussement et la diminution des monnoies, pour réponse aux paradoxes du sieur de Malestroit (1578).

[36] Uma doutrina análoga foi desenvolvida pelo grande Copérnico, em Cudende monete ratio, que data de 1526. Nós apresentamos na segunda parte deste volume este importante trabalho.

[37] O clube da economia política de Londres publicou, sob o título de Tracte on Money, o interessante recolho dos mais antigos escritos consagrados, na Inglaterra, a este importante tópico. Vemos aparecer no cabeçalho o trabalho de Rice Vaughan: “A Discourse of Coinage the first Invention, use, matter, forms, proportions and differences, ancient and modern.” No prefácio (p. 6), vemos que M. Culloch, situa este escrito entre 1830 e 1635. Ele diz: “It is the earliest Work in the English language that give a general view of the origin of money, the materials of which it has been formed, its uses, and the abuses to which it has been subjected.” Em seu discurso de 1626, Cotton combate: “heresy that the value of Coins was to a considerable extent dependent on the stamp by which they were impressed.”

[38] O fato geral é que na Europa, nós citaremos a este tema uma passagem instrutiva de Storch, II, liv. V, cap. III, p. 131.

“A maior parte das moedas de hoje em dia não são mais o que elas foram outra vez, mesmo que elas guardem os mesmos nomes. Quase todos os governos, seja monárquicos, seja republicanos, seja da antiguidade, seja da Europa moderna, colocaram em prática um meio fraudulento para dispensar de pagar suas dívidas. Eles conservaram a mesma denominação às espécies, alterando ai portanto seu valor real, seu peso ou seu título. Em toda Europa, a moeda corrente era originalmente uma libra de peso de prata; depreciando as espécies, continuamos a chamá-la de libras.”

Link Para o Obra em Português

Tratado Moeda de Nicole Oresme

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