O Institucionalismo de Gustav Von Schmoller

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
10 min readJun 29, 2024

Aqui buscamos apresentar algumas idéias relativas às questões institucionais em Gustav Von Schmoller (1838–1917), economista e notório “socialiste de la chaire” pertencendo ao que se descreve frequentemente como “escola histórica alemã”.

Nosso objetivo é apresentar algumas considerações relativamente pertinentes do autor no que diz respeito às questões institucionais: a definição de instituição, a distinção entre órgãos sociais e instituições compondo o organismo socioeconômico, a estreita relação entre instituições do organismo socioeconômico e o desenvolvimento além de considerações relativas à distinção e interação entre moral, costume e direito.

Gustav Von Schmoller

Historicismo e Organizações

O economista Gustav Von Schmoller (1838–1917) é uma das maiores figuras integrando o que se descreve frequentemente como escola histórica alemã.

Dentro da história do pensamento econômico, Schmoller é lembrado com maior frequência por ter sido um dos principais pivôs do debate envolvendo as questões metodológicas em ciências sociais (Methodenstreit), onde de um lado tínhamos a jovem escola histórica alemã sugerindo o método baseado na leitura dos fatos históricos e sua primazia para a compreensão dos fenômenos sociais, e do outro Carl Menger (1840–1921), grande "fundador" da escola de Viena e defensor do método baseado no conhecimento, na razão e na motivação do comportamento racional dos indivíduos para desenvolver através da lógica filosófica leis (econômicas) facilitando a compreensão de boa parte dos fenômenos sociais. [1]

As divergências entre as duas escolas ultrapassava as distâncias metodológicas e envolviam também questões relacionadas à filosofia política e suas fundações ideológicas, haja visto que Schmoller não era partidário do liberalismo clássico da tradição inglesa e nem de suas formas dissidentes, fazendo ele mesmo parte da Kathedersozialisten, um grupo de acadêmicos de confissão abertamente socialista e nacionalista. [2]

Ludwig Von Mises (1957, p. 198) descreveu essa mudança do posicionamento político e a rotina acadêmica do historicismo apontando que, no decorrer do tempo, passaram de uma postura anti-revolucionária ou mais conservadora para uma postura nacionalista e socialista:

“Its champions proudly called themselves anti-revolutionary and emphasized their rigid conservatism. But in later years the political orientation of historicism changed. It began to regard capitalism and free trade — both domestic and international — as the foremost evil, and joined hands with the “radical” or “leftist” foes of the market economy, aggressive nationalism on the one hand and revolutionary socialism on the other. As far as historicism still has actual political importance, it is ancillary to socialism and to nationalism. Its conservatism has almost withered away. It survives only in the doctrines of some religious groups.”

A tese fundamental da doutrina historicista é que fora das ciências da natureza, da matemática e da lógica não pode existir outro conhecimento que não seja oriundo da história e análise de seus fatos.

Não existiria regularidade no desenrolar dos fenômenos e eventos se reproduzindo dentro da esfera da ação humana: o único método racional de estudar a ação humana, seu desenvolvimento e suas instituições é o método histórico.

O fato é que o historicismo e particularmente Gustav Schmoller associavam grande importância às questões institucionais para o estudo dos fenômenos sociais.

Segundo Von Mises talvez por sua tendência inicial a um conservadorismo que superestimava a importância dos velhos costumes e das velhas instituições. [3]

O fato é que as contribuições de Gustav Schmoller ao institucionalismo ou simplesmente sua tendência a não negligenciar as questões institucionais para a compreensão dos fenômenos socioeconômicos — como também não negligenciou Thorstein Veblen (1857–1929) — incentivam aqueles que se interessam às questões institucionais a conhecer algumas das contribuições apresentadas em seus trabalhos.

Em seu livro Principes d’économie politique (1900) Schmoller propõe que o estudo comparativo de diferentes economias nacionais deve considerar a natureza das instituições e dos órgãos/organismos sociais.

Estes dois conceitos são centrais e devem ter tanta ou mais importância para a compreensão dos fenômenos socioeconômicos quanto as dotações humanas e conhecimento técnico e as condições ambientais e recursos naturais de determinadas regiões.

Lembrando um pouco a ideia original de Von Wieser (1927), Schmoller teria imaginado de forma orgânica os fenômenos socioeconômicos: sua economia política concilia um sistema de forças naturais e um sistema de forças ou motivações morais. [4]

Ao contrário de considerar a economia como processo quase mecânico e estudo da relação entre fatores de produção, volumes de negociações e mensuras quantitativas de mercado e recursos naturais, o autor considera o estudo dos organismos sociais, família, associações, forças políticas e das instituições, valores e objetivos respectivamente para entender a evolução das questões da economia.

Nos próprios termos de Schmoller (p. 149–150):

“Les institutions et les organes sociaux se présentent à nous comme le résultat le plus important de la vie morale. Ce sont les cristallisations de la vie morale (…) Par institutions politique, juridique, économique, nous comprenons un arrangement pris sur un point particulier de la vie de la communauté, servant à des buts donnés, arrivé à une vie en communauté, servant à des buts donnés, arrivé à une existence et un développement propres, qui sert de cadre, de moule à l’action des générations successives pour des centaines ou des milliers d’années (…) Une institution est un ensemble d’habitudes et de règles de la morale, de la coutume et du droit, qui ont un centre ou un but communs, qui se tiennent entre elles, qui constituent un système, qui ont un centre ou un but commun, qui se tiennent entre elles, qui constituent un système, qui ont reçu un développement pratique et théorique commun, qui, solidement enracinées dans la vie de la communauté, sont comme une force typique ne cessant d’attirer dans son cercle l’action des forces vivantes. Par organe constitué nous comprenons le coté personnel de l’institution ; le mariage est une institution, la famille est l’organe. Les organes sociaux sont les formes constantes que revêt l’union de personnes et des biens en vue de buts déterminés : la gens, la famille, les sociétés, les corporations, les confraternités, les communes, les entreprises, l’Etat, voilà les organes essentiels de la vie sociale.”

O conceito órgão ou organismo está diretamente ligado ao conceito instituição. Para Schmoller os primeiros organismos sociais da história foram a tribo, o clã e a família; que teriam sido os primeiros a moldar a constituição de organismos sociais mais extensos, complexos e com objetivos de interesse privado ou público como as empresas ou vilarejos.

Os organismos se distinguem de três formas: primeiramente pela maneira como os indivíduos se encontram ligados uns aos outros através dos costumes, do direito e do patrimônio associado; em seguida pela maneira como se comporta o organismo social como um todo e como se organiza particularmente suas diversas partes — cada uma com obrigações e papéis determinados; e finalmente pela maneira como é organizada a repartição dos frutos de sua produção.

Os organismos iniciais teriam caráter espontâneo.

Para Schmoller quanto mais a sociedade se desenvolve e se expande mais complexa ela se torna, e isto faz com que os indivíduos possam multiplicar exponencialmente o número de organismos aos quais fazem parte segundo o jogo de seu próprio interesse individual ou segundo se moldam e se modificam os interesses de grupo.

No estudo do organismo socioeconômico é necessário tomar em consideração a força e as motivações tanto dos indivíduos quanto dos seus respectivos grupos sociais.

Instituições, Liberdade e Progresso

Em cada organismo e grupo social onde se insere o indivíduo existe uma esfera de liberdade que lhe é conferida e que se manifesta em suas ações e que é delimitada pelas vontade dos outros integrantes do grupo.

A natureza destas relações interindividuais são alinhadas a um objetivo comum e essa interação forma a estrutura e o conjunto de regras em vigor.

Para Schmoller era o desenvolvimento dos fatos históricos aquilo que moldaria no tempo a estrutura destas organizações. Os maiores e mais importantes órgãos sociais têm, por sua constituição jurídica e sua autonomia independência e superioridade em matéria de autoridade sobre os indivíduos: estes órgãos têm vida durável.

Enquanto indivíduos deixam o grupo, morrem ou são substituídos, os grandes ou mais importantes órgãos sociais se mantém no tempo. Tal seria o caso por exemplo dos Estados, das corporações ou das sociedades associativas e organismos como a família:

“… des sociétés sont des formations organiques, dont chacune, considérée comme un exemplaire isolé, au cours des générations changeantes se dissout constamment avec la vie et la mort, l’entrée et la sortie des membres, pour faire place à des nouvelles formations de même nature.” (Schmoller 1900, p. 151)

O Estado Social desejável é aquele onde as instituições não sejam um obstáculo mas um estímulo, um lugar onde instituições fixas e o livre jogo das forças individuais se complementam por uma reciprocidade justa, onde as instituições não impedem sem razão legítima a liberdade de movimento e conduzem a sociedade ao progresso e a um sentido de desenvolvimento desejável.

Se é verdade que o progresso econômico se caracteriza pela grande abundância de bens materiais e econômicos, esta evolução só é possível e se perpetua e se reproduz através de formações orgânicas cada vez mais complexas, ela não pode ser indiferente às evoluções das próprias instituições que lhes dão sustento: as melhores instituições têm relevância fundamental para o progresso social.

Em decorrência da oposição natural entre o respeito das liberdades individuais e o crescimento do Estado e muitas das instituições governamentais, Schmoller vê no liberalismo individualista uma confusão entre a rejeição de instituições ultrapassadas ou indesejáveis com a ausência de instituições.

Ele considera também que o socialismo teria demasiadamente subestimado a importância das instituições orgânicas e voluntárias emanando espontaneamente nas sociedades. O socialismo acreditaria ser possível a partir de uma organização exterior à vida social alterar as relações e motivações interiores da vida humana.

Moral, Costume e Direito

Schmoller postula que existiria uma relação essencial entre moral, costume e direito.

Toda vida moral é um progresso psíquico, uma transformação constante de idéias, sentimentos e julgamentos de sentimentos interagindo e fazendo agir muitas vezes de maneira impulsiva: eles são exteriorizados em ações.

Tudo aquilo em uma coletividade de homens que não deriva dos instintos, tudo o que decorre do uso, do hábito, da prática, do senso do bom, do pertinente, do conveniente e do que é digno de aprovação: tal é a definição de costume.

Os costumes são fruto do hábito e se transformam em práticas correntes por intermediário dos sentimentos morais.

O nascimento destas regras foi inicialmente concebido nos costumes. Em períodos anteriores à existência do Estado, de procedimentos judiciários e sistemas sofisticados de direito, regras fixas eram estabelecidas em função de rituais primitivos.

Estas regras emanaram de forças morais interiores aos indivíduos, ou ao menos entre alguns dentre eles, e seus hábitos.

O direito se distingue dos costumes pois ele confere a oficialização do estabelecimento de regras e uma normatização que implica possibilidade do recurso à sanção penal.

No entanto a esfera dos costumes sempre atinge aquela das normas de direito, e é neste momento aparece a necessidade de um aparelho de contrôle e coerção salvaguardando um caráter de autoridade as normas.

Pelas regras onde se estabelecem os valores e o direito o poder coercitivo é quem dirá “farás isto ou não terás o direito de fazer aquilo”.

Foi assim que se controlou os instintos desorientados e confusos dos homens e seu combate interno com suas paixões.

A regra é o produto da ação moral, e ela é executada e controlada através do aparelho incorporando o poder moral que é capaz de fazer reinar a ordem.

As injunções dos costumes se apoiam na opinião pública, aquelas do direito o poder do Estado, aquelas da moral sobre a consciência.

A moral é geralmente mais flexível que os costumes e que o direito, a faculdade de adaptação se estende ao longo do tempo e em decorrência da própria rigidez do direito e dos costumes: ela termina por deixar no âmbito dos valores maior maleabilidade.

Isto explicaria mesmo que parcialmente o ritmo de evolução das mudanças institucionais em determinadas sociedades.

Observações Conclusivas

De maneira mais extensiva a obra Principes d’économie politique é de uma precisão de abordagem e riqueza de detalhes surpreendente, um trabalho importante que permanece desconhecido do grande público.

É enriquecedor notar a que ponto Schmoller viu certo em boa parte de sua abordagem institucional, independentemente do debate metodológico, de sua preferência historicista de abordagem da economia política e sua visão sobre o papel que o governo deveria exercer sobre a sociedade, o que conduzia a uma discordância inconciliável com a tradição liberal.

As considerações apresentadas aqui neste pequeno texto têm inspiração em leituras recentes e superficiais, sobretudo da introdução da primeira parte da obra Principes d’économie politique, mais precisamente do primeiro tomo da primeira parte.

A obra apresenta um total de mais de 6 tomos divididos em duas grandes partes: o primeiro tomo da primeira parte contendo mais de 550 páginas, construídas sob um rigor metodológico indiscutivelmente conciso, haja vista a atenção que o autor consagra a definir e tratar cada ponto, definição, conceito e idéia relativa ao tema proposto, expondo sempre uma notável riqueza cultural e científica adquirida.

Uma leitura da totalidade de sua obra representa um esforço sério, mas uma olhada mesmo que desinteressada é altamente recomendável pra quem se interessa às origens da abordagem e perspectiva institucional dos fenômenos econômicos.

fevereiro 28, 2014 por mateusbernardino

Notas

[1] Os economistas austríacos que seguiram a tradição mengeriana consideram que os fenômenos sociais, as motivações humanas e a interação entre indivíduos tendo motivações diversas formam um conjunto complexo demais de informações para que se possa fazer, do ponto de vista metodológico, confiança à análise estatística ou aos simples fatos históricos, notadamente quando procuramos compreender a origem e dinâmica dos fenômenos socioeconômicos. A metodologia austríaca pode ser considerada como hipotético dedutiva ou apriorística, que é praticamente a mesma retratada sob linguagem matemática e através da lógica mas se opões ao método experimental utilizado com frequência nas ciências naturais ou físicas.

[2] Seu posicionamento metodológico relativamente à ciência econômica se relaciona de alguma maneira com seus ideais ou tendências políticas.

[3] Não sabemos se Mises fazia alusão à tradição do conservadorismo inglês ou se Mises tinha em mente apenas uma suposta relação e tendência dos conservadores a dar maior importância a certos eventos e instituições dentro da esfera social, como a família, a igreja e outras organizações.

[4] Segundo Schmoller (1900, p. 145):

“On peut considérer l’économie politique tout aussi bien comme un système de forces naturelles que comme un système de forces morales. Elle est tout à la fois les deux, suivant le point de vue où l’on se place.”

Referências

Mises, L. V., Theory and History, Yale University Press, 1957.

Schmoller, G. V., Principes d’économie politique, Paris, Giard et Brière, 1905.

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