Predação e Subsídio

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
3 min readFeb 15, 2022

Não, baixar impostos para baratear combustíveis não é subsidiar consumidores de gasolina!

Apesar do artigo da Folha não se resumir a isso, existe um erro flagrante no raciocínio em seu resumo que merece um comentário crítico.

Isenção Fiscal e Subvenção

Isenção fiscal não é a mesma coisa que subvenção.

A subvenção é uma soma de dinheiro afetada sob forma de ajuda financeira, e que é alocada por uma instituição pública para uma pessoa, grupo ou organização do tecido associativo. É um auxílio pecuniário concedido pelos poderes públicos.

A mudança na política fiscal consistindo na eliminação de impostos sobre determinados bens e serviços não constitui uma subvenção no sentido técnico do termo, por mais que os efeitos em termos incentivos possam assemelhar-se em alguma escala microeconômica.

Alega-se que essa isenção incentiva determinado grupo ou cadeia produtiva.

Mas se um governo cobra 100 dinheiros em impostos (por uma mecanismo indireto do tipo taxa sobre determinadas transações, ilustrativamente) a todos, exceto o grupo A, isso não significa que subvenciona o grupo.

Deixar de predar uma renda de algum grupo ou categoria de bens de consumo ou produção não é uma subvenção a esse grupo, pode ser talvez no máximo considerado um “privilégio” normativo desde uma perspectiva estritamente focalizada sobre tal organização ou estado de coisas.

Isso jamais consiste uma subvenção na medida que não é afetada qualquer soma de recursos aos consumidores ou produtores dessa cadeia de produção, na verdade o governo deixa de espoliar uma soma que jamais foi sua.

Mas o problema não é meramente de sintaxe ou de definição, esse erro repercute também problemas de natureza teórica.

Problema Teórico e Microeconomia

A redução de um imposto ou repercussão de mudanças na política fiscal de um determinado imposto dependerá da estrutura da demanda e oferta desses mercados, e essa informação só conseguimos apreender aproximativamente através do funcionamento dos mercados.

O efeito em termos de preços — e modificação da estrutura de perdas e ganhos de consumidores e produtores — dependerá principalmente da elasticidade das demandas e oferta, ou seja algo que só podemos estimar aproximativamente e cuja evolução ocorrerá após a modificação da situação fiscal reorganizada e livre funcionamento dos mercados.

É perfeitamente possível que uma redução de impostos sobre bens e serviços beneficie mais os produtores — em termos de benefícios líquidos — do que os consumidores desses bens e serviços

Segundo, e isso é apenas o corolário desse mesmo problema, além de ser perfeitamente possível que uma redução de impostos sobre bens e serviços beneficie mais os produtores, é também é possível que essa política esbarre nas escolhas de alternativas de consumo. Temos o problema com a questão de bens substitutos.

Mesmo admitindo a lógica de que TODA A CADEIA PETROLIFERA fosse consumidora de combustíveis fósseis e de certa forma uma política fiscal dessa natureza estimulasse essa cadeia, ainda assim o raciocínio mantém o mesmo erro: não se trata de uma subvenção e a própria arbitragem entre bens da cadeia ambientalmente mais ou menos sustentável se conheceria de acordo com os mesmos mecanismos supracitados.

Teríamos aqui o problema de comparar os diferentes níveis de incentivos a essas duas ou diversas cadeias em termos fiscais, e isso mesmo que quiséssemos entender apenas a "política energética" do próprio país.

Se a predação é um desincentivo a produção, como lho é forçosamente, então se tem alguma cadeia entre as duas que é desestimulada (energia clean/elétrica vs. energia fóssil/gasolina) é a cadeia da gasolina, na medida que os impostos representam quase 60% do preço final dos combustíveis no Brasil, e 30% da energia elétrica.

Conclusivamente, existe sim um problema real em afirmar que a redução da predação sobre a gasolina é uma subvenção, porque não é e porque essa sugestão subtende um entendimento desacertado dos fundamentos da teoria econômica.

--

--