Propriedade Privada para Combater o Desmatamento
O desmatamento é um fenômeno diferente das queimadas naturais. Em nosso planeta é perfeitamente normal que, em períodos mais quentes, secos ou de longas estiagens o número de queimadas naturais ocorram com maior frequência.
Já o desmatamento envolve uma ação deliberada de queimada pelo homem, seja como uma técnica considerada primitiva para gestão de pastagens, seja como um mecanismo para abertura de novas explorações agropecuárias ou agriculturais. Nem toda queimada no Brasil é considerada ilegal, e no coração dos mecanismos de legalidade reside um conceito muito importante, o do regime de propriedade.
Uma das frentes de combate ao desmatamento ilegal no Brasil destaca justamente o combate à corrupção e às práticas ilícitas no campo, como ocupações irregulares de terras públicas, falsificação de documentação de direito de propriedade, queimadas não autorizadas de áreas de preservação, ou o suborno para facilitar a manutenção do desrespeito às normas ambientais.
Uma das explicações para as queimadas irregulares que transbordam em incêndios florestais reside na ausência de direitos legais de propriedade sobre as terras onde elas ocorrem, e a edificação desses direitos ou regularização fundiária são mecanismos de combate ou soluções possíveis para maior eficiência no seu controle, como veremos nesse breve comentário.
Dois Terços das Queimadas Ocorrem em Terras Públicas
Estima-se que, desde 2010, aproximadamente dois terços da área desmatada na Amazônia ocorreu em terras públicas, principalmente em assentamentos da reforma agrária (30%) e em áreas não-designadas (25%).
Por outro lado, as queimadas ilegais em terras privadas — como para o avanço sobre áreas de preservação legal — caíram proporcionalmente, notadamente em respeito aos esforços de preservação e fiscalização. Apenas de 20 a 25% das queimadas ilegais ocorreram em propriedades privadas, os registros de queimadas em Assentamentos foram os que mais cresceram.
Mais da metade das queimadas ocorrem em zonas onde não há proprietário reconhecível, responsabilizável e fiscalizável. Esse assunto é particularmente relevante em regiões com longo histórico de ocupações irregulares, grilagem e conflitos ligados às terras.
Como explica a teoria econômica, a insegurança quanto aos regimes de propriedade pode projetar incentivos ruins.
Assim como um agente público em última instância é irresponsabilizável pela má gestão de um governo dos seus parques e florestas — em respeito ao próprio código ambiental que ele promulgou –, indivíduos ou grupos organizados (como MST) cultivando ou explorando terras sem o devido reconhecimento e regulamentação fundiária tenderão a se comportar de maneira mais oportunista, uma vez que em caso de controle e fiscalização dificilmente pessoas serão punidas.
Uma consequência lógica dessas constatações impulsiona a ideia de que a promoção da propriedade privada poderia representar um mecanismo extraordinário facilitando o controle das queimadas, a fiscalização, o monitoramento e, nos casos de desrespeito às normas ambientais punição de responsáveis, logo dissuasão.
Nesse sentido a propriedade funciona como uma partilha da responsabilidade para o monitoramento, porque os proprietários rurais eles mesmos atuam como fiscais de suas terras, e seus interesses para queimadas são limitados na medida que cresce o risco das multas, que a propriedade facilita o acesso as outras técnicas de manejo, e que qualquer queimada nas propriedades ao entorno da sua são um risco para sua própria atividade.
Conclusão
É importante entender igualmente que, apesar de ser menos custosa, a queimada como forma de aumento das áreas cultiváveis ou de acrescentar a produtividade das propriedades rurais é um mecanismo bastante limitado, incomparavelmente menos eficiente do que as técnicas modernas de manejo e fertilização, como rotação de culturas, sistemas de drenagem, confinamento, enriquecimento artificial dos solos e adubos, investimentos em máquinas e equipamentos para sistemas de gerenciamento, o melhoramento de grãos, a genética, ou as técnicas de intensificação (como a Lavoura-Pecuária-Floresta).
A busca pelo controle das queimadas pode encontrar na propriedade e no arcabouço institucional um aliado formidável, desde que as regras sejam estabelecidas de forma transparente e que os mecanismos de formalização estejam em consonância com os próprios critérios de justiça que as inspiram.
Referências
ASSUNÇÃO, J.; GANDOUR, C. Combate ao Desmatamento Ilegal: Fortalecimento do Comando e Controle é Fundamental. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2019.