Regulamentação

Sobre a definição e as principais constatações tiradas da literatura econômica e social.

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
17 min readDec 13, 2018

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(Publicado em Outubro de 2012)

Jean Jacques Laffont

Em sua definição mais abrangente, a regulamentação descreve todo o conjunto de indicações, regras, leis, normas, prescrições e outros textos jurídicos que regem os princípios de conduta, as interações sociais e as ações individuais em diversas esferas da vida comunitária.

A principal diferença entre a regulamentação e instituição é que a regulamentação adota um caráter estritamente formal, não dando margem para que regras informais sejam enquadradas sob sua definição.

Em sua essência, a regulamentação transmite a idéia de contrôle formal da ação humana e das interações sócio-produtivas. A própria raiz semântica encontra na definição da palavra “regra” transfere uma forma de padrão ou delimitação das possibilidades de conduta e alternativas de comportamento dos agentes. Quando associada à conduta individual, ela transfere a noção de “norma de conduta”.

Trata-se então de um conjunto de restrições ao leque de decisões e ações que podem ser adotadas pelos indivíduos em determinados campos de atuação social. Nessa perspectiva, diversos aspectos da vida social e económica repousam sobre algum tipo de regulamentação.

Dentro de uma perspectiva menos extensiva, e concentrada em torno do universo económico, a regulamentação aponta tradicionalmente o conjunto de regras editadas por uma autoridade pública tendo por objetivo o controle e interferência na organização de uma atividade produtiva. Estas regras procuram governar por exemplo a produção vinculada a atividades como a saúde, a finança, os transportes, a educação, as comunicações, ou mesmo, o funcionamento do mercado de trabalho.

Em Economia da Regulamentação, faz-se principalmente alusão aos mecanismos teóricos e práticos envolvendo o contrôle das tarifas e as condições de entrada em uma determinada indústria ou segmento de mercado.

As autoridades públicas procuram responder pressões políticas ou demandas particulares emanando de uma parte da população, esses responsáveis do governo buscam principalmente: atingir objetivos redistributivos, “promover a eficiência económica”, fazer respeitar certas normas de segurança, acordos internacionais, regras ambientais ou garantir a manutenção de uma atividade produtiva que funcione sem objetivos lucrativos.

Qualquer que seja a circunstância ou setor de atividade econômica, a ação e intervenção governamental na economia tem por consequência a substituição dos mecanismos de incentivos, coordenação e alocação dos recursos que são próprios ao mercado por um outro regime organizacional onde mecanismos administrativos e regulamentários tem maior importância. Isso significa que a regulamentação se traduz em um número considerável de custos comparativamente às atividades atuando sob livre iniciativa.

A Economia da Regulamentação tem como um dos seus principais propósitos analisar os custos e as propriedades intrínsecas aos diferentes mecanismos de organização e coordenação da atividade produtiva. Ela estuda as consequências económicas da adoção de um quadro organizacional, institucional e regulamentário preciso.

George Stigler

Economia da Regulamentação: Universo Normativo e Positivo

O estudo da regulamentação pode envolver diferentes perspectivas e metodologias. No universo económico faz-se classicamente a distinção das perspectivas tendo carácter positivo e normativas, e as teorias económicas da regulamentação podem se inscrever sob ambas estas perspectivas.

Esta diferenciação é fundamental, porque enquanto a economia positiva trata a realidade como ela é, a economia normativa considera mudanças nessa mesma realidade, propondo como ela deve ser (Rossetti 2002, p.65). A perspectiva positiva reúne então as interrogações e explicações objetivas do funcionamento da economia, ela descreve o mundo tal qual ele é para em seguida procurar estudar, desde essas observações, as consequências económicas das mudanças estruturais e mudanças de comportamento dos agentes.

A perspectiva normativa fornece recomendações formalizadas ou proposições de caráter formal. Ela abstrai situações e circunstâncias quiméricas, ela é fundamentada em valores subjetivos mas procura corrigir ou apresentar as respostas aos problemas formalizados no universo padronizado dos modelos canónicos, ou ajudar conduzir os comportamentos e as decisões dos agentes na direção de uma situação de mundo ideal ou menos imperfeito.

Vilfredo Pareto

Economia das Falhas de Estado e de Mercado: As Principais Escolas da Regulamentação

Tomando o paradigma neoclássico como fundamento para desenvolvimento de suas análises, Economia da Regulamentação procura levar em conta tanto as falhas de mercado quanto as falhas do Estado. Ela admite que a intervenção estatal não se dá unicamente por motivos de eficiência económica, mas também, por exemplo, para atingir objetivos de repartição ou redistribuição dos recursos.

A regulamentação envolve custos que devem ser considerados em função do potencial que ela tem de atenuar outros custo sociais envolvendo a produção ou falta de produção de determinados bens e serviços, analisados devidamente desde o referencial do paradigma neoclássico.

De maneira sintetizada, é possível simplificar os desenvolvimentos da economia da regulamentação em quatro escolas, todas tomam como iniciativa essa proposta de análise dos custos e estudo dos benefícios dos diferentes modos de organização.

O conceito de “escola” reagruparia trabalhos de pesquisa tendo sido desenvolvidos segundo critérios metodológicos relativamente similares, abordando de maneira mais ou menos homogénea as questões e prescrições avançadas pela Economia da Regulamentação.

Em cada uma destas “escolas” os autores procuram, a partir do raciocínio teórico e de estudos empíricos, responder às questões relativas aos problemas avançados pela regulamentação pública como solução para situações de produção e coordenação.

A Economia da Regulamentação

A primeira “escola” pode ser denominada como Economia da Regulamentação, por tratar de forma estritamente normativa as questões associadas à ação governamental e intervenção do Estado na economia em situações onde não encontramos os mercados perfeitos neoclássicos. A regulamentação é a resposta ótima às falhas de mercado do modelo canónico nas situações de externalidades, bens públicos, monopólios naturais ou problemas de assimetrias informacionais.

A regulamentação tem origem na existência das falhas de mercado encontradas originalmente no modelo de equilíbrio concorrencial da Economia do Bem-Estar (Welfare Economics). Ela é fundamentada no corpo teórico que compõem o campo da Economia Pública, e o regulamentador é um agente representativo preocupado unicamente com a eficiência em seu sentido neoclássico (Paretiano) e na realocação dos recursos destinados à produção de determinados bens e serviços o mais eficientemente possível, de acordo com as prerrogativas e soluções dos modelos canónicos.

A referência em termos de optimalidade para realocação dos recursos é o critério de Eficiência de Pareto [1]. O regulamentador tem objetivos precisos, ele busca atingir a melhor alocação possível dos recursos e a maximização do bem-estar social por um arranjo institucional qualquer.

Esta abordagem normativa pode ser considerada como “inocente” na medida em que ela interpreta o regulamentador como um agente omnisciente e indiferente à ação dos grupos de pressão e interesse, capaz simplesmente de aplicar na realidade as soluções canónicas em um universo também hipoteticamente comparável aos corolários da Economia do Bem Estar. O regulamentador seria uma instituição separada do poder político e seu custo negligenciável.

Os agentes compondo a instância regulamentadora não tem objetivos pessoais ou aspirações e estratégias individuais que não sejam aquelas atreladas à busca do interesse geral. O regulamentador incarnaria o “planificador benevolente e omnisciente”, não sofrendo dificuldades associadas aos problemas de incentivos, informação ou cálculo económico, por exemplo.

Gordon Tullock

A Economia Política da Regulamentação

A segunda escola pode ser descrita como a Economia Política da Regulamentação. Dentro de uma abordagem positiva, ela supera o tratamento puramente normativo dos problemas regulamentários e procura interrogar sobre a origem e a razão de existir da regulamentação, através de instrumentos de análise inspirados na ciência política e nos preceitos tirados da própria teoria neoclássica.

Diante das falhas de mercado ela apresenta as falhas da regulamentação. O poder público não é visto apenas como uma entidade omnisciente ou “paladino benevolente” que procura satisfazer o interesse geral.

Os agentes compondo a burocracia e a classe política possuem interesses e estratégias pessoais, o Estado nesse caso é uma entidade composta de indivíduos perfeitamente influenciáveis e a regulamentação é encarada como resultado da confrontação de interesses político-econômicos (Stigler 1971; Peltzman 1976).

Os regulamentadores são indivíduos movidos por seus próprios interesses ou pelos interesses dos grupos de pressão. A abordagem feita pela Economia Política da Regulamentação aplica uma análise económica da política e dos processos regulatórios, uma perspectiva adotada também pelas teorias da Escolha Pública (Public Choice) [4]. A origem da regulamentação é o mercado político.

“The potential uses of public resources and powers to improve the economic status of economic groups are analysed to provide scheme of the demand for regulation.

The characteristics of the political process, which allow relatively small groups to obtain such regulation, is then sketched to provide elements of a theory of supply of regulation {…} regulation is acquired by the industry and is designed and operated primarily for its benefits.” (Stigler 1971, p. 1)

Nesse mercado a oferta de bens públicos e de normas pelos políticos, regulamentadores e burocratas responde a uma demanda por mercados públicos e privilégios correspondendo em benefícios econômicos para grupos de interesse e pressão, sindicatos, ou setores regulamentados.

Os responsáveis administrativos e governamentais, enquanto indivíduos dotados de interesses e aspirações pessoais, procuram se reeleger, se manter nas funções administrativas, adquirir cargos de prestígio (progredir na hierarquia estatal), maximizar a parte do orçamento destinada à seus respectivos escritórios ou secretarias e, principalmente, aumentar suas expectativas de renda.

Do lado da demanda, as indústrias procuram regulamentações para se proteger da concorrência, fazer valer políticas fiscais favoráveis, impor normas favoráveis para seus empreendimentos e produtos, adquirir subvenções e acesso aos mercados públicos, se beneficiar de um contrôle indireto e de restrições maiores sobre os produtos concorrentes e produtores de bens substitutos, alavancar rendas artificiais e adquirir favorecimentos em contratos preferenciais com o setor público.

O comportamento do regulamentador é analisado pela teoria da captura, a qual descreve que os regulamentadores podem ter suas decisões fortemente influenciadas pelas partes interessadas na existência da regulamentação.

Os grupos de interesse, industriais, agricultores e etc. estão organizados politicamente, e em sistemas de democracia representativa eles vão utilizar-se do aparelho regulamentário e do poder coercitivo do Estado para orientar as normas públicas e regras sociais de maneira a que atuem em seu benefício.

James Buchanan

A regulamentação não teria simplesmente como finalidade nos aproximar da realização de “alocações óptimas no sentido de Pareto”, ela guarda em sua essência um objetivo redistributivo que não procura responder qualquer “interesse geral” ou “bem comum”. Ao contrário, a regulamentação teria origem na busca de objetivos econômicos de grupos de interesse.

Por isso, não raramente a prescrição em termos de decisão para atenuar os defeitos da regulamentação é a simples supressão das agências regulamentadoras e enxugamento ou eliminação de normas custosas e desnecessárias, que muitas vezes não teriam nenhuma utilidade além da salvaguarda de rendas (Stigler & Friedland 1962).

Além de serem custosas em recursos, a regulamentação visivelmente criaria mais distorções que benefícios em termos de eficiência alocativa dos recursos disponíveis e dos resultados finais das políticas redistributivas. Os resultados dos mecanismos redistributivos seriam justamente o inverso daqueles objetivos inicialmente proclamados pelo regulamentador da teoria neoclássica.

Mesmo que a ação tenha por iniciativa a redistribuição dos recursos ou dos benefícios dos produtores para os consumidores, o resultado é frequentemente o inverso, por causa dos custos fiscais e restrições atribuídas pelas normas.

Uma solução alternativa inspirada das questões levantadas pela Economia Política da Regulamentação é a exclusão do direito de regulamentar do Estado. Tal decisão permitiria contornar o paradoxo em que Estado, enquanto entidade buscando o “bem-estar social”, terminaria por servir aos privilégios de certos grupos da sociedade.

Jean Tirole

A Nova Economia Pública da Regulamentação e o caso do Monopólio Natural

A Nova Economia Pública da Regulamentação (NEPR) procura formalizar os defeitos do regulamentador e dos dispositivos regulamentários em vista de corrigi-los ou minimizar seus efeitos perversos.

Ela é fundamentada nos desenvolvimentos da ponta do conhecimento do arcabouço neoclássico e nas teorias de contratos incitativos, que modelizam os comportamentos estratégicos dos agentes em ambiente de assimetrias informacionais.

Os principais defeitos de regulamentação tratados pela literatura se concentram: (1) na assimetria de informação entre o regulamentador e o regulamentado; (2) na existência de interesse pessoal do regulamentador; (3) nos defeitos associados à insuficiência de credibilidade do regulamentador.

A NEPR procura soluções canónicas para problemas informacionais, contratuais e organizacionais tendo em vista a redução ou controle dos custos associados à regulamentação.

“Lorsqu’une décision collective doit être prise, que ce soit le choix du niveau d’une taxe qui fait internaliser un effet externe, le choix du niveau d’un bien public, le choix du niveau de production d’une entreprise a rendements croissants, ou encore le choix d’une constitution, le décideur social doit rassembler une information très décentralisée; chaque agent possède des éléments d’information qu’il est le seul a connaitre.

Par suite, il se pose le problème d’un comportement stratégique vis-à-vis de cette information détenue de façon privative. Etant donnée une fonction de choix social qui associe aux caractéristiques informationnelles des agents une décision collective souhaitée par le décideur social o au Centre, comment peut-on la concrétiser, c’est-à -dire, trouver un jeu dont les équilibres stratégiques conduisent a la décision souhaitée.” (Laffont 1982, p. 5)

“While the assumption of complete information may be too strong, the assumption that information about demand is as available to the regulator as it is to the firm does not seem unnatural.

A second informational assumption is that the regulator has complete information about the cost of the firm or at least has the same information about cost, as does the firm. This assumption is unlikely to be met in reality, since the firm would be expected to have better information about costs than would the regulator.” (Baron & Myerson 1982, p. 911)

Assim como a Economia da Regulamentação, a NEPR tem caráter normativo, a análise propõe que os problemas informacionais encontrados tradicionalmente na Economia Pública podem ser contornados via mecanismos regulamentários e contratuais e organizacionais mais sofisticados.

Para a NEPR, a regulamentação de determinados setores e de certos bens e serviços públicos seria necessária, mesmo não sendo perfeita. A análise da natureza das assimetrias informacionais, o estudo do impacto que elas têm sobre a alocação dos recursos e sobre o comportamentos dos agentes, a investigação dos possíveis remédios que devem ser avançados para resolver estas "anomalias" são alguns de seus planos de pesquisa.

As soluções teóricas se transformam em propostas de ordem prática pela elaboração de esquemas contratuais incitativos influenciando o jogo de incentivos dos agentes. No caso do monopólio natural, por exemplo, e através mecanismos contratuais de estímulo fundamentados em penalidades ou bônus, os regulamentadores devem “supervisionar” e podem controlar o desempenho das firmas.

As empresas regulamentadas têm informações fundamentais para os regulamentadores, e elas não têm nenhum interesse em fornecê-las espontaneamente.

Para conduzir uma empresa à revelar, por exemplo, informações sobre seu nível de competência, o esforço que ela realiza(rá) em termos de ganhos de eficiência, níveis de investimentos, minimização dos custos de produção e até estratégias de gestão, os regulamentadores dispõem de ferramentas contratuais e uma gama de mecanismos incitativos que podem ser utilizados para extrair estas informações e controlar indiretamente as empresas.

Se partimos do princípio que a regulamentação tem por objetivo a eficiência económica, a aquisição destas informações poderia ajudar o regulamentador a alinhar o comportamento das firmas regulamentadas aos seus objetivos de eficiência, “mais compatíveis com a agenda do interesse comum”.

Em pleno conhecimento de eventuais comportamentos não-cooperativos que podem adotar os operadores, o regulamentador descreve ex-ante qual atitude ele adotará em caso de desvios de conduta. Conforme as informações capturadas, ele prevê cláusulas contratuais precisas procurando realinhar o comportamento da firma regulamentada.

Os contratos servem tanto pra fazer que a empresa regulamentada ganhe quando diga a verdade quanto para fazer que elas enviem os resultados desejados em termos de desempenho. Os interesses pessoais e o comportamento dos regulamentadores será ditado pelas instituições, que seriam os mecanismos privilegiados para fazer reconciliar o interesse do regulamentador com “interesse geral”.

É através das instituições públicas que são definidas as responsabilidades de decisão, as atribuições (e responsabilidades) orçamentárias, as modalidades de contrôle e o poder discricionário dos regulamentadores, e a escolha da gama de mecanismos incitativos.

De um lado, as instituições públicas são organismos de contrôle, supervisão e inspeção do comportamento das agências, de outro lado, as mudanças e adaptações institucionais em sistemas democráticos são difíceis de serem colocadas em prática, exigindo tempo e revisões constantes das políticas, aumentando mais o custo da regulamentação sem eliminar completamente o risco moral. Permanece a questão: quem regula o regulador, ou o regulador do regulador?

Ronald Coase

Economia Institucional da Regulamentação

A Economia Institucional da Regulamentação adota uma visão crítica à proposta da NEPR. As origens desta tradição remontam aos trabalhos da Nova Economia Institucional e aos questionamentos levantados pelos artigos fundadores do economista britânico Ronald Coase (1937, 1960).

O regulamentador estaria aberto à todos os tipos de soluções, inclusive laissez-faire ou deixar que os próprios grupos diretamente envolvidos coordenem as atividades produtivas. A prescrição feita é regulamentar unicamente quando tal arranjo institucional se revela o menos custoso.

A perspectiva da Economia Institucional da Regulamentação é crítica às lacunas teóricas e práticas deixadas pela análise económica tradicional neoclássica, que negligencia um conjunto de custos organizacionais e transacionais importantes ao estudo e avaliação dos esquemas de produção.

Para a perspectiva institucional uma das melhores soluções aos diversos problemas relacionados às supostas “falhas de mercado” é nada fazer, a partir do momento que os “remédios são mais custosos que a doença”.

Em outras palavras, não existiria a priori um modo de coordenação da atividade produtiva mais eficaz que outro (Williamson 1976), e a eficácia das diferentes alternativas de arranjos institucionais deve ser avaliada segundo uma comparação dos benefícios e custos que elas procurariam quando fossem colocadas em prática. Essa noção de “arranjo institucional” tem praticamente o mesmo significado que modos de governança ou estruturas de governança:

“Os arranjos institucionais seriam os modos de organização e coordenação estabelecidos pelos agentes, em vista de estruturar suas atividades de produção e de troca, dentro de um quadro de regras definidas pelas instituições (em vigor).” em : Ménard, C. (2008 p. 12).

Como sublinhou Williamson, esses diferentes modos de organização podem eliminar ou acrescentar determinados custos em função dos setores, dos problemas práticos e das situações concretas que se apresentam à comunidade e aos regulamentadores.

Dizer que a regulamentação é custosa não quer forçosamente dizer que ela é anteriori pior que os demais modos de organização.

“Merely to show that regulation is flawed, however, does not establish that regulation is an inferior mode of organizing economic activity.

For one thing, the disabilities of regulation are apt to vary with both the type of activity regulated and the form of regulation attempted. Secondly, before regulation is supplanted, there is an obligation to assess he properties of the proposed alternative-not only in general, but also specifically with respect to the activity in question.” (Williamson 1976, p. 73)

A referência em termos de optimalidade aqui, não obstante, é mais vinculada à situação de ausência de custos de transação ou custos de funcionamento de um sistema económico. A eficiência das escolhas organizacionais para a produção dependerá da adaptabilidade das estruturas de governança às características das transações que elas devem enquadrar e aos obstáculos práticos ocasionais.

A origem da regulamentação encontra-se na existência de custos de transação. Sem estes custos de transação a análise das escolhas organizacionais sequer existiria, pois em um tal mundo, a alocação dos direitos de propriedade seria feita automaticamente e espontaneamente de maneira óptima.

A principal variável enquadrando as transações, e por consequência, as escolhas organizacionais, é o nível de especificidade dos ativos envolvidos nas transações econômicas.

Oliver Williamson

Resumo Conclusivo

A regulamentação descreve tradicionalmente o conjunto de regras editadas por uma autoridade pública e que tem por objetivo o contrôle e a organização da atividade produtiva.

A ação e a intervenção na economia tem por consequência a substituição dos mecanismos incitativos, de coordenação e de alocação dos recursos que são próprios ao mercado por um outro regime organizacional onde mecanismos administrativos e regulamentários tem maior importância.

A Economia da Regulamentação tem como um dos seus principais propósitos analisar as propriedades intrínsecas aos diferentes mecanismos de organização e coordenação da atividade produtiva, ela estuda as consequências económicas da adoção de um quadro organizacional e regulamentário preciso.

Embora significativamente sintética, a apresentação feita aqui das grandes correntes de estudo da regulamentação permite uma introdução aos problemas levantados pela Economia da Regulamentação, questões de ordem teórica e prática, de natureza normativa e positiva, incorporadas pelo paradigma neoclássico ou assimiladas no mainstream apesar de conservarem um pé fora do paradigma dominante, até por convidar frequentemente à reflexões situadas na fronteira das ciências sociais e das diversas escolas de pensamento da Economia.

Notas

[1] Estado de uma sociedade e de alocação de recursos em que não se pode melhorar o bem-estar de um indivíduo sem que se deteriore este de outro indivíduo, seu nome advém dos trabalhos do sociólogo, economista e matemático italiano Vilfredo Pareto que formalizou esta asserção em: PARETO, V. (1909).Manuel d’Economie Politique : Traduit sur l’édition italienne par Alfred Bonnet (revue par l’auteur), Editions V. Giard & E. Brière; (1896), Cours d’Economie Politique, Edition de F. Rouge, Librairie de l’Université de Lausanne. Uma síntese mais moderna descreve o critério de Pareto como o:

“Critério permitindo definir um movimento de realocação dos recursos como desejável se ele aumenta a satisfação de ao menos um indivíduo sem diminuir aquela dos outros.

A melhor alocação possível é aquela em que seria impossível aumentar o nível de satisfação de um indivíduo sem reduzir aquele de outro.” (Greffe, 1997, p. 562)

A Economia Pública é o grupo de desenvolvimentos teóricos fundamentados na análise neoclássica tradicional e que procura abordar mais especificamente as questões da fiscalidade, dos “bens públicos”, das “falhas de mercado” e as análises “custo-benefício”.

A regulamentação aparece, nestes desenvolvimentos, como uma resposta procurando minimizar esses desvios do modelo de concorrência pura e perfeita. A definição mais popular descreve que:

“Public economics (or economics of the public sector) is the study of government policy through the lens of economic efficiency and equity. At its most basic level, public economics provides a framework for thinking about whether or not the government should participate in economics markets and to what extent its role should be. In order to do so, microeconomic theory is utilized to assess whether the private market is likely to provide efficient outcomes in the absence of governmental interference. Inherently, this study involves the analysis of government taxation and expenditures.

This subject encompasses a host of topics including market failures, externalities, and the creation and implementation of government policy. Public economics builds on the theory of welfare economics and is ultimately used as a tool to improve social welfare.” (Wikipedia)

[2] A teoria das Escolha Pública faz parte de um movimento que, desde os anos 1950, procura aplicar as ferramentas de análise econômica além dos domínios tradicionais da economia, mais precisamente à política.

Neste caso, os autores abordaram os fundamentos lógicos das democracias constitucionais (Buchanan; Tullock 1962, Tullock 1978), elaboraram uma teoria econômica da democracia (Downs 1957), uma teoria econômica da burocracia (Niskanen 1971), da ação coletiva e da ação dos grupos de pressão (Olson 1965), e mesmo uma teoria econômica das ditaduras e autocracias (Wintrobe 2000).

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