Regulamentação do Monopólio: Cost of Service e Monitoramento

Generalidades sobre os contratos baseados no Monitoramento e nos Custos de Produção dos bens e serviços de infraestruturas

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
8 min readDec 18, 2018

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(Publicado em Outubro de 2012)

Sistema de Tratamento das Águas

Além de custoso, o exercício e execução da regulamentação pública é algo relativamente complexo. A regulamentação é o resultado da confrontação de interesses de diversos atores ou agentes econômicos, de processos políticos, edições de normas legislativas, pareceres técnicos de especialistas e de toda máquina burocrática que envolve as decisões na esfera pública.

Complexidade de Fatores e Contratos de Remuneração de Custos

A própria viabilidade econômica e organizacional deve analisar e levar em consideração inúmeras variáveis associadas desde ao número de produtos fornecidos até à engenharia para execução das obras, passando pelo financiamento de programas de pesquisa e desenvolvimento, o levantamento dos fundos para investimento, as tecnologias necessárias para a produção de determinado bem ou serviço, a política urbana e de organização fundiária do território, as consequências que certas decisões regulamentárias podem acarretar na atividade econômica e na conjuntura macroeconômica, seu impacto orçamentário, a influencia da ação dos grupos de interesse e pressão que procuram direcionar as decisões normativas — na tentativa, por exemplo, de capturar as decisões do regulamentador –, ou finalmente, o próprio custo da regulamentação interpretado em sua essência financeira mas também nos custos indiretos que ela engendra, como por exemplo o custo de oportunidade de direcionar a mão de obra qualificada para agências e secretarias do governo.

Acreditar que o Estado enquanto entidade maximizadora estaria capacitado a controlar, delimitar, alinhar, ou antecipar todas essas variáveis é na melhor das hipóteses uma pretensão de conhecimento, ou exclusivamente uma prerrogativa geral dos modelos canônicos da teoria neoclássica que não tem sentido fora do mundo abstrato das ideias. Não obstante, essa é a verdadeiramente a proposta dos modelos, abstrair realidades complexas para indicar caminhos ou antecipar obstáculos que encontramos na realidade concreta.

Fixar as tarifas e controlar o nível de retorno sobre investimento são objetivos e ferramentas contratuais que procuram delimitar o escopo de ação das empreiteiras e as decisões dos operadores dos bens de infraestruturas.

Outras modalidades organizacionais são baseadas em contratos similares do tipo Cost of Service– normas de financiamento e de preços baseadas nos custos de produção –, ou em modalidades diferenciadas e menos intrusivas, como o Monitoramento — supervisão e ausência de quadro normativo restrito sobre as tarifas, lucros ou custos (Light Handed Regulation).

O princípio da regulamentação Cost of Service é assegurar os custos observados para a produção de bens e serviços, e uma margem garantida dependendo do marco regulatório e organizacional. O quadro contratual e os impactos em termos de incentivos são praticamente os mesmos dos dispositivos baseados no controle das taxas de lucro (Rate of Return), onde o monopólio aplica um nível tarifário próximo ao que prevaleceria em um regime de competição mas com a garantia de um retorno sobre investimento realizado por uma taxa considerada “justa” pelo regulamentador.

As taxas são fixadas e depois ajustadas periodicamente, e como os custos de produção serão cobertos necessariamente seja pelas renda das tarifas ou subvenções cruzadas oriundas de impostos, a tendência é que os operadores tenham pouco incentivo para um controle mais rigoroso de custos e muito incentivo para sobre-investir.

Essa solução retira parte da possibilidade de exploração de uma eventual renda de monopólio mas não oferece incentivos para ganhos de eficiência e redução de custos, o que resulta na tendência a investir ou gastar acima do nível considerado ótimo e engendrar desperdícios. Permanecem o risco ou custo da captura regulatória e os custos de manutenção de grandes corpos administrativos e tecnocratas.

Quadro Comparativo de Incentivos

Monitoramento

Entre os diferentes esquemas de arranjos organizacionais a não-regulamentação e o Monitoramento (Light Handed Regulation) apresentam uma resposta original em termos de incentivos comparativamente às demais soluções, que buscam controle de lucros e preços. Elas podem apresentar propriedades tão boas ou melhores em termos de incentivos à eficiência e à redução dos custos que os dispositivos tradicionais.

Um dos motivos é que, por um lado, sempre existe a ameaça de regulação ou suspensão dos contratos, e por outro lado, a não regulamentação oferece às firmas uma liberdade maior de gestão e uma flexibilidade de resposta em termos preços, notadamente quando os operadores devem confrontar situações e circunstâncias de choques nos custos ou de demanda, ou de investimentos.

O monitoramento pode trazer melhores resultados porque deixa maior liberdade para os operadores alinharem os preços e a qualidade em função das oscilações da conjuntura, da demanda por serviços ou de suas políticas comerciais e de investimento, em vez de dever simplesmente atingir metas de preços, redução de custos ou níveis de lucro.

Choques de demanda podem conduzir perspectivas menos otimistas para o cenário empresarial, e as firmas podem ser conduzidas a aplicar temporariamente tarifas acima ou abaixo do nível regulamentado para atingir metas próprias de investimentos ou expansão.

O monitoramento procura realizar uma supervisão das atividades produtivas fundamentada na ameaça de regulamentação direta para alinhamento dos parametros de preços, eficiência, investimentos, qualidade, lucros, etc. previstos nos contratos. Os regimes de monitoramento combinam a supervisão com a ameaça de multas, regulamentação ou sanções caso haja um desalinhamento abusivo das cláusulas previamente estabelecidas e a conduta do operador.

Os organismos responsáveis pela “preservação da concorrência” monitoram os preços, os custos e o nível de qualidade dos serviços ofertados pelos operadores. Eles atuam mais como intermediários e vigias das relações entre as organizações privadas e associativas (organismos de consumidores, fornecedores, agências privadas, sindicatos…), que procuram assegurar que direitos fundamentais previstos em contratos não serão violados.

Modos de Organização e Contratos

Elas atuam mais como informantes, produtores de informações assegurando os consumidores, e assinalando aos poderes públicos e judiciários quando eventuais desvios contratuais podem originar disputas entre os operadores e os órgãos privados e associativos.

Quando disponíveis, as informações recolhidas e produzidas servem de base para o estudo de revisões contratuais periódicas entre os organismos regulatórios, as organizações de consumidores e os operadores e fornecedores, para resolução de litígios ou para embasar propostas de regulamentações intrusivas caso julguem que abusos estejam acontecendo, contra a concorrência ou em casos de “abuso de posição dominante”, por exemplo, ou em descumprimentos dos nível de investimentos e de qualidade previstos previamente nos contratos dos leilões.

A intimidação e ameaça de regulamentação já induz a firma a ser mais cautelosa no cumprimento de seus compromissos contratuais e de investimento, no estabelecimento de sua política de preços e na qualidade dos serviços, podendo atingir dessa forma os mesmos objetivos que as regulamentações tradicionais procuram implementar via restrições intrusivas, sem portanto incorporar os custos que elas implicam[i].

O mecanismo de incentivos ou funcionamento do monitoramento é parecido com o que ocorre nos setores tradicionais quando há ameaça de desregulamentação e abertura total das atividades à concorrência, eliminação de barreiras protecionistas ou corte em privilégios subsidiários, tudo que gera pressão sobre as empresas atuando no setor para melhorar seus níveis de competência.

Há toda uma literatura e teorias dos “mercados contestáveis” que investiga a ameaça de concorrência como elemento de ajuste do comportamento de uma firma monopolística[ii]. O mecanismo do monitoramento é de certa forma comparável mas atua no sentido inverso, ou seja, ele estipula a ameaça de suspensão dos contratos, instituição de multas ou normas de controle sobre preços, custos, investimentos e etc.

Modos de Organização e Contratos

Resumo Conclusivo

Alguns modelos teóricos e resultados empíricos atestaram situações em que a ausência de regulamentação atuou melhor que as outras formas de regulamentação[iii], um dos motivos é porque ela reduz os custos associados à possibilidade de captura da agência e encargos vinculados às estruturas regulatórias: autarquias, secretarias, burocracia, pressão política, etc.

O monitoramento apresenta uma vantagem associada às economias em termos de custos regulamentários que elimina, principalmente quando tais regimes de regulamentação são associados a grandes corpos burocráticos que empregam mão de obra qualificada, que poderia estar atuando no mercado e não em instâncias administrativas, onerando os contribuintes e produzindo nada [iv].

Os operadores guardam mais liberdade de negociação direta junto aos usuários e seus fornecedores. Os regimes de monitoramento levam em consideração antes de tudo um processo e não medidas pontuais tendo um conteúdo preciso. Esse processo pode conservar características contratuais presentes e encontradas em diversos tipos de regimes regulamentários, e oferece uma maior flexibilidade nas decisões políticas.

A não-regulamentação, inclusive, pode funcionar melhor quando o ritmo de inovação é mais intenso, como acontece no caso do setor financeiro [v].

Esses modos de organização já foram experimentados em alguns setores de infraestruturas de países como a Nova Zelândia e a Austrália, e apresentaram resultados relativamente positivos.

Essas formas mais brandas de regulamentação são fundamentadas em uma perspectiva mais otimista com relação aos obstáculos da produção de infraestruturas, e funcionam melhor quando os interesses dos agentes convergem.

Elas dependem de um quadro institucional mais sólido, e na confiança de que o poder judiciário e a legislação poderiam fazer convergir os interesses dos produtores e consumidores, onde o Estado se apresentaria como simples intermediário e vigia.

Notas

[i] Glazer; Mcmillan (1992), Acutt et al. (2001) e Haucap et al. (2006) mostram que a ameaça de regulamentação governamental é um elemento que influencia de fato o comportamento do monopólio ou das firmas em indústrias em redes, notadamente o comportamento tarifário e o nível dos lucros Blum et al.(2007)

[ii] Ver: Baumol (1982), Baumol et al.(1988).

[iii] Ver por exemplo: Cowan (1997), Sadka e Negrin (2004).

[iv]Ver: Cowan (2007, p. 11).

[v]Ver: Stefanadis (2003).

Referências

ACUTT, M. et al. Credible regulatory threats. Energy Policy, Vol. 29, p. 91–96, 2001.

BAUMOL, W. et al. Contestable Markets and the Theory of Industry Structure. San Diego, California: Harcourt Brace Jovanovich Academic Press, 1988.

_____. Contestable markets: an uprising in theory of industry structure. American Economic Review, Vol. 72, n. 1, p. 1–15, 1982.

BLUM, U. et al. Broadband Investment and the Threat of Regulation, Preventing Exploitation or Infrastructure Construction? Review of Network Economies, Vol. 6, n. 3, p. 342–354, 2007.

COWAN, S. et al. Regulatory reform: economic analysis and British experience, MIT Press, Cambridge, 1995.

_____. Tight revenue regulation can be worst than no regulation. The Journal of Industrial Economics, Vol. 45, n. 1, p. 75–88, 1997.

_____. Alternatives approaches to regulation: an economic analysis of light handed regulation. Paper Submitted to the Australian Competition and Consumer Commission Regulatory Conference. Surfer’s Paradise: Australia, 2007.

GLAZER, A.; McMillan, H. Pricing by the firm under regulatory threat. Quarterly Journal of Economics, Vol. 107, p. 1089–1099, 1992.

HAUCAP, J. et al. Credible threats as an instrument of regulation for network industries. In: WELFENS, P. J. J. (Ed.). Regulatory changes, innovations and investment dynamics. Berlin: Springer, 2006.

SADKA, J.; NEGRIN, J. L. Full vs. Light handed regulation of network utilities. Unpublished working paper, 2004.

STEFANADIS, C. Self-Regulation, innovation, and the financial industry. Journal of Regulatory Economics, Vol. 23, n. 1, p. 5–26, 2003.

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