Regulamentação Do Monopólio Natural

Sobre os objetivos teóricos da Regulamentação aplicada ao problema do Monopólio Natural na teoria neoclássica.

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
9 min readDec 15, 2018

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Julles Dupuit

Por se tratar do corpo teórico e paradigma dominante no meio acadêmico e entre os atores responsáveis do poder político, o quadro teórico ortodoxo (economia neoclássica) é incontornável. Uma parte considerável dos estudos em Economia da Regulamentação tem origem e fundamento nesse corpo teórico tradicional, mesmo que seja apenas para protagonizar referências ou críticas.

A compreensão dos objetivos tradicionais da regulamentação passa pelo estudo das justificativas teóricas apontadas pela economia neoclássica. Façamos então uma apresentação de alguns desses elementos teóricos.

Na teoria econômica a regulamentação económica se inscreve principalmente em duas grandes categorias de eventos: os eventos associados à entrada e processo concorrenciais em uma economia de mercado e os eventos associados ao contrôle das tarifas e taxas de retorno em setores organizados em estruturas monopolísticas.

Na primeira categoria de eventos, os regulamentadores procuram supervisionar a entrada, as fusões e aquisições, os “comportamentos anticoncorrenciais” ou “abusos de posição dominante”.

Um exemplo são as situações onde os órgãos responsáveis da supervisão da concorrência no mercado financeiro — no Brasil a CVM- Comissão de Valores Mobiliários — devem validar ou invalidar a entrada de um concorrente estrangeiro, uma fusão, aquisição ou “OPA hostil” (Oferta Publica de Compra).

A segunda categoria de eventos engloba o processo no qual o governo procura controlar direta ou indiretamente um certo número de setores econômicos considerados cruciais.

Ele procura assegurar (pela regulamentação) que alguns parâmetros relativos aos preços, níveis de retorno sobre investimento ou níveis de qualidade dos serviços fornecidos estejam garantidos, para que prevaleça o “interesse geral” incarnado nos objetivos das políticas do regulamentadores.

Um exemplo relevante menciona o processo de privatização de uma empresa, ou uma concessão, em que eventualmente colocam em pauta a possibilidade de elaboração de um regime contratual procurando supervisionar e controlar indiretamente o comportamento de empresas e dos novos operadores.

Nosso artigo desenvolverá a regulamentação a perspectiva teórica neoclássica desembocando nesse segundo tipo de evento.

Marcel Boiteux

Objetivos da Regulamentação dos Preços

Quando se inscreve na segunda categoria de eventos, a Economia da Regulamentação procura analisar a evolução e as consequências das mudanças de regime de governança e sua ligação com a evolução dos marcos regulatórios.

Nos setores de infraestrutura, por exemplo, a privatização ou concessão é quase sempre acompanhada da re-regulamentação ou desregulamentação. As mudanças nos regimes de governança e regimes regulamentários significam simplesmente a instalação de um novo arranjo organizacional ou institucional.

Esse novo arranjo conduz as partes interessadas a realizar novos contratos — governo e operador — cujas cláusulas prevejam o nível das tarifas praticadas, inscrevam garantias quanto à capacidade de produção a ser disponibilizada, antecipem a duração da relação contratual, especifiquem um nível mínimo de investimentos a ser realizado, apresentem os níveis de eficiência desejados, ou finalmente, anunciem os critérios e índices de qualidade dos serviços a serem ofertados.

Na prática, a passagem de um regime público a um regime privado de governança ou vice-versa acompanha frequentemente a utilização de mecanismos contratuais mais ou menos incitativos e mecanismos de regulamentação (tarifária).

A propriedade pública e a regulamentação podem ser consideradas como alternativas de intervenção estatal. Com objetivo de atenuar os custos, o governo substitui o controle e a gestão direta da produção pela supervisão e pelo controle indireto. Essa substituição seguiria uma tendência ou refletiria a progressiva passagem de um “estado produtor” de bens e serviços a um “estado regulamentador”.

O regulamentador tem por meta atingir objetivos de segurança, de eficiência, de financiamento e de justiça social.

Maurice Allais

Objetivos de Segurança

Em teoria e na prática qualquer que seja a hipótese de explicação das mudanças organizacionais — orçamentária, política, ou relacionada a questões de incompetência –, a propriedade e o uso de instrumentos regulamentários mais ou menos incitativos procura atingir, primeiramente, um objetivo de segurança, uma garantia de que a atividade em questão permanecerá mesmo quando não haja objetivos lucrativos.

A Economia da Regulamentação procura mecanismos contratuais ou alocativos assegurando que independentemente dos obstáculos materiais e organizacionais entrepostos pela produção desses bens, seu fornecimento esteja assegurado mesmo que subsidiado não fosse pela natureza fundamental que representam para o desenvolvimento comunitário.

Objetivos de Eficiência

Em seguida, viriam os objetivos de eficiência económica: a regulamentação procuraria estimular um modo de coordenação da atividade produtiva menos custoso e respondendo melhor determinados critérios de eficácia alocativa.

Para a teoria neoclássica alguns setores apresentam características tecnológicas de produção que traduziriam uma tendência à diminuição da possibilidade de competição ou entrada de novos concorrentes. A soma dos custos de diversos produtores será sempre superior ao custo de uma única empresa atuando enquanto monopólio — subaditividade da função de custos.

Segundo a economia do bem estar, as indústrias em rede, as infraestruturas ou, de maneira geral, setores níveis altos de custos fixos e investimentos inamovíveis em estruturas apresentam traços de monopólios naturais. O equilíbrio do monopólio é uma situação sub-ótima no sentido paretiano e representa consequentemente custos sociais comparativamente à situação concorrencial.

Essa situação colocaria então o dilema da necessidade ou demanda pelo fornecimento dos bens (sem substitutos próximos) e a sub-optimalidade da produção monopolística. A Economia da Regulamentação analisa aqui as arbitragens em função dos custos atrelados aos mecanismos alocativos e organizacionais — ou contratuais.

Jean Jacques Laffont

Objetivos de Financiamento

Em terceiro lugar, e como consequência do segundo objetivo, surgem as questões que envolvem o financiamento dessa produção.

Em teoria, a tarifação ao nível do custo marginal (First Best) conduziria uma empresa a produzir às perdas, o que justificaria de acordo com esse quadro teórico a subvenção governamental.

Essa solução de tarifar ao custo marginal e subvencionar a atividade continuaria sendo um solução do tipo First Best se o governo fosse capaz de levantar recursos ou realizar transferência de fundos sem criar distorções ou acrescentar custos sociais. Como não é o caso, a tarifação ao custo marginal subvencionada é uma solução de Second Best.

Outra solução para o financiamento seria a tarifação no nível do custo médio, que anula o nível de lucro do monopólio e elimina a necessidade de subvencionar, criando hipoteticamente um nível menor de distorções.

De acordo com os pressupostos neoclássicos essa solução também apresenta limitações comparativamente à tarificação ao custo marginal em situação concorrencial. As limitações estão associadas inicialmente aos mesmos problemas de transferência de benefício líquido (surplus) dos consumidores aos produtores — ou ao fato de que existem consumidores dispostos a pagar um preço situado entre o custo médio e o custo marginal e que permanecerão fora do mercado ou não beneficiarão de ganhos associados às trocas (perdas secas).

Depois, existem também problemas em termos de ineficiências produtivas e alocativas — uma vez que os produtores não terão incentivos a minimizar os custos, e que as tarifas praticadas serão igualmente incorporadas nas alocações dos consumidores e concorrentes.

Arthur Cecil Pigou

Outra solução tradicional dos dilemas teóricos que encontram os regulamentadores procurando assegurar o financiamento da produção é outra solução de Second Best em presença de subvenção, conhecida através dos modelos de tarifação Ramsey-Boiteux (1956).

Esta solução se aplica aos casos onde há uma fornecimento para firmas multiprodutos ou serviços, e consiste em fazer aplicar um nível tarifário situado entre o custo marginal e o custo médio. O valor tarifário depende, neste caso, do custo das transferências públicas — subvenções — e da elasticidade da demanda. Trata-se de realizar uma “discriminação tarifária” em uma função inversamente proporcional à elasticidade da demanda dos bens ofertados.

Objetivos Redistributivos

Surgiriam, depois, questões relacionadas aos objetivos de “justiça social”. A regulamentação responderia ao desejo de redistribuição dos responsáveis políticos.

As próprias soluções acima apresentadas fazem aflorar as questões redistributivas presentes nos modelos neoclássicos, como a identificação dos benefícios às trocas repartidos entre consumidores e produtores, a própria ideia de viabilidade de uma calibragem centralizada das tarifas, a determinação das normas de financiamento ou de segurança para que um atividade prevaleça sem objetivos lucrativos supõe que existem mecanismos disponíveis para redistribuição.

A própria regulamentação consiste em realizar algum tipo de redistribuição, acrescentam-se aqui objetivos como a tentativa de assegurar o acesso universal a um dado número de bens e serviços, subsídios cruzados para determinadas categorias de consumidores, benefícios fiscais para uma categoria de produtores, etc.

No caso do monopólio, os reguladores procurariam assegurar que a partilha da “renda de monopólio” hipoteticamente angariada pelos produtores seja realizada da forma mais próxima do ideal de maximização do “interesse geral” ou algum outro critério de justiça.

Para atingir efetivamente esses objetivos, os instrumentos de regulamentação tarifária ou regulamentação das taxas de retorno são referências teóricas e práticas importantes.

Resumo Conclusivo

A ambição regulamentária esbarra nos próprios limites da teoria neoclássica e nas dificuldades práticas de aplicação e execução dos projetos normativos decorrendo das soluções canônicas.

Os reguladores confrontam problemas relacionados ao conhecimento limitado, às assimetrias informacionais, às dificuldades de mensura e acesso e os custos de levantamento dessas informações relevantes.

As questões informacionais implicam respostas e soluções mais completas e complexas resultam no desenvolvimento das teorias dos contratos completos e incompletos e nos modelos que levam em consideração os problemas da relação Principal-Agente (Moral Hazard, Seleção Adversa etc.) que existe entre o regulamentador e operador (Baron; Myerson 1982, Laffont; Tirole 1993).

Esta relação implicaria o uso de instrumentos regulamentários que procurariam controlar ou reduzir estas assimetrias informacionais entre o operador e o regulamentador.

Os instrumentos procuram reduzir estas assimetrias ou, ao menos, atenuar os custos de suas consequências, ou seja, a redução dessas assimetrias faz parte da meta de objetivos que de alguma maneira justificariam a regulamentação.

De maneira conclusiva, importante lembrar que as mudanças nos marcos regulatórios e as mudanças de regime de governança estão frequentemente associadas ou são dificilmente dissociáveis.

Embora a teoria seja muito bem estabelecida, na prática, além das assimetrias informacionais, a regulamentação esbarra em obstáculos associados as falhas do Estado, ao problema de Cálculo Econômico, as falhas da própria regulamentação, aos problemas relativos à gestão do risco/incerteza e à qualidade dos incentivos fornecidos ao longo dos diferentes esquemas regulatórios e quadros institucionais.

(Publicado em Outubro 2012)

Anexo Gráfico

Figura 1: Análise comparativa entre a situação de concorrência e monopólio não natural. A área representada em cinza traduz a perda social associada às transações que deixam de ocorrer, o quadro azul escuro o acréscimo em termos de benefícios líquidos aos produtores em detrimento da perda dos consumidores.

Figura 2: Representação das três soluções tarifarias para o financiamento do monopólio natural. O gráfico apresenta alguns erros ou desvios de princípio para facilitar questões de ilustração, como por exemplo a curva de custo marginal não passar pelo mínimo do custo médio.

Sugestões Bibliográficas

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