O crowdfunding como oportunidade para criadores de conteúdo

Plataformas registraram crescimento em valor arrecadado por projetos durante a pandemia. Modelo de aporte fomenta e profissionaliza criação de conteúdo na área literária. Entenda o que é o crowdfunding e o que motiva criadores a apostar nesta oportunidade.

Matheus Machado
Matheus Machado
8 min readAug 18, 2021

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Em 2020, Tamirez Santos (foto) criou um projeto de financiamento coletivo no Catarse para melhorar a produção de conteúdo do site Resenhando Sonhos em plataformas como o YouTube. | Imagem: Reprodução / Instagram.

Por Frederico Tarasuk e Matheus Machado

Em 2014, a publicitária Tamirez Santos, hoje com 30 anos, criou o Resenhando Sonhos. Na época, retomava o contato mais frequente com as leituras e queria um espaço onde pudesse escrever livremente sobre as histórias que lia. Alguns meses depois de colocar o site no ar começou a fazer vídeos no YouTube com a mesma temática.

Hoje, conta com mais de 50 mil seguidores no Instagram. e mais de 82 mil inscritos na plataforma de vídeos do Google. Nos vídeos, Tamirez realiza leituras, faz resenhas de livros e divulga suas publicações, tudo isso com o aporte técnico obtido com ajuda do seu projeto de financiamento coletivo por meio do modelo de crowdfunding (junção das palavras inglesas crowd, multidão, e funding, financiamento).

A união entre as redes sociais e o aporte do crowdfunding possibilitou o objetivo de Tamirez: fazer do Resenhando Sonhos o seu único emprego. Até fevereiro de 2021, a publicitária ainda mantinha uma relação de trabalho formal em uma agência. Agora, o blog e as redes sociais são a sua principal fonte de renda.

Da gaveta para as plataformas virtuais

Desde 2017, Tamirez tinha vontade de colocar em prática um projeto de financiamento coletivo. “Na época eu não achava que ia ter aderência se eu colocasse no ar”, admitiu. A publicitária tinha medo, então acabou “deixando (o projeto) na gaveta”.

O projeto de crowdfounding foi ao ar em fevereiro de 2020 e foi um fator importante para a criadora atingir seu objetivo, pois sua principal motivação com o financiamento coletivo era conseguir “pagar o tempo investido no Resenhando Sonhos”. Na apresentação escrita no Catarse, plataforma brasileira para projetos financiados coletivamente, seus propósitos estavam atrelados a “melhorias tanto em equipamento quanto na edição e no conteúdo dos vídeos”. Segundo Tamirez, essas metas já foram atingidas.

Das plataformas virtuais para o mundo

O número de projetos e valores arrecadados em propostas de financiamento coletivo aumentaram em 2020 no Catarse, uma das principais plataformas para o lançamento de projetos nesta modalidade. Em sua retrospectiva do ano passado, o site mostrou que R$47,9 milhões foram obtidos em 3.472 projetos. O valor transacionado foi 68% maior do que em 2019.

O Catarse é uma das principais plataformas de financiamento coletivo do Brasil, e foi uma das precursoras para estabelecer o crowdfunding no país. | Imagem: Divulgação / Catarse

Para o diretor de estratégia da plataforma, Luiz Otavio Ribeiro, “2020 foi o ano de maior arrecadação em nossos 10 anos de história”. Nesta declaração, que aparece na retrospectiva de 2020 do Catarse, Ribeiro ainda afirmou que diante dos desafios impostos pela pandemia os realizadores, apoiadores e a plataforma conseguiram mostrar “força e resiliência”. O contato feito pela reportagem para conversar com um representante do site não foi respondido até a data desta publicação.

Desde 2011 no ar, o Catarse é uma das plataformas que lançou oficialmente o modelo de financiamento coletivo no Brasil ao lado da Benfeitoria. Juntas as empresas já ajudaram cerca de 16 mil projetos, com arrecadação de R$220 milhões, aproximadamente. Estes dados estão presentes na pesquisa O Coletivo do Financiamento (OCOLEFIN), realizada entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 em uma parceria dos dois websites.

Como funciona o financiamento coletivo

A OCOLEFIN define o financiamento coletivo como uma “prática de reunir pessoas para colaborar financeiramente com a realização de alguma ação”. Na prática, o crowdfunding ajuda a tirar projetos do papel, seja a publicação de uma história em quadrinhos ou algo mais elaborado. Na página da retrospectiva de 2020 do Catarse, por exemplo, é possível visualizar inúmeras iniciativas, incluindo ações sociais que visam a redução de impactos econômicos causados pela pandemia da Covid-19.

Tais iniciativas costumam acontecer em dois formatos, o “Tudo ou Nada” e o “Flexível”. No primeiro, o realizador do financiamento estipula uma meta que deve ser cumprida em um determinado período de tempo, se não conseguir o dinheiro arrecadado retorna para os doadores. Na segunda, o criador do projeto fica com quase todo o dinheiro obtido, independente de atingir o objetivo total. Desse valor, 13% são destinados para a plataforma, com a finalidade de cobrir os seus gastos.

Flexibilidade na Pandemia

Ainda no relatório de 2020 do Catarse, o CEO da plataforma, Rodrigo Machado, declarou que, com o “início da pandemia da COVID-19, demos a opção aos realizadores de ampliarem seus prazos e transformarem seus projetos ‘Tudo ou Nada’ em projetos ‘Flex’ ”. Isso causou um reflexo direto nos números do relatório.

O Coletivo do Financiamento é um projeto de pesquisa realizado pelas duas primeiras plataformas de financiamento coletivo no Brasil, o Catarse e a Benfeitoria. | Imagem: Captura de Tela.

Houve uma baixa significativa de projetos na modalidade “Tudo Ou Nada”, porém um aumento considerável de projetos em outras modalidades. Em 2020, ao total foram lançados 362 projetos na modalidade “Tudo ou Nada”. Uma variação de -35% com relação a 2019.

Em compensação, o número total de projetos na modalidade “Flex” foi de 2218, apresentando um aumento de 8% em comparação com o ano anterior. Com um aumento de 35%, os 892 projetos na modalidade de “Assinaturas” completam os 3.472 projetos que receberam recursos por meio da plataforma em 2020, totalizando um aumento de 13% em comparação a 2019.

Os mecenas

Para Tamirez, um fator importante dos projetos de financiamento coletivos é entender para quem se está escrevendo. Segundo a criadora, compreender porque o público é presente e disposto a colaborar com o projeto ajuda a guiar o conteúdo que se está fazendo “porque essas pessoas são a essência do público que se está construindo”.

No Resenhando Sonhos o financiamento coletivo funciona como um clube de assinatura, pois a cada tipo de contribuição há recompensas diferentes. Quem apoia, por exemplo, pode ficar sabendo dos projetos de leitura em primeira mão, ajuda na escolha dos temas dos próximos vídeos do canal, tem um grupo exclusivo no WhatsApp para conversar com a criadora do site, ganha um planner semestral e marcadores de página, participa de sorteios e pode até integrar a modalidade de melhores amigos em uma das redes sociais do Resenhando Sonhos (tendo acesso a conteúdo exclusivo sobre a rotina de Tamirez).

Os tipos de assinantes

A criadora de conteúdo identifica três tipos de apoiadores ao seu projeto de financiamento coletivo. “Tem pessoas que querem assinar o Catarse porque elas querem um contato mais próximo com o criador, elas querem ter acesso a mim de uma forma mais fácil”, afirmou. Segundo ela, há também um grupo que assina o seu Catarse por conta das recompensas. “a pessoa quer receber o marcador, quer receber o planner, ela quer assistir o vídeo, ela quer a exclusividade de ter aquele conteúdo”, disse Tamirez.

Já o terceiro grupo de adeptos, para ela, é composto por pessoas que apenas querem apoiar o projeto. “Eles só estão ali porque eles querem apoiar, eles querem estender aquela mão e dizer ‘eu gosto do teu conteúdo então eu tô aqui te apoiando’”, afirmou.

Apesar de estar satisfeita com a aderência dos assinantes, Tamirez acredita que o seu diferencial é entregar mais do que promete. Isso faz com que o projeto não seja sempre o mesmo. Dinâmicas novas, brincadeiras e sorteios extras são algumas das suas estratégias para manter os apoiadores engajados.

No ar desde 2014, o Resenhando Sonhos contém inúmeras resenhas de livros, filmes e séries publicadas por Tamirez Santos e pelos colaboradores do blog. | Imagem: Captura de tela.

Embora o seu crowdfounding seja bem-sucedido, Tamirez Santos faz um alerta: “uma coisa interessante até para quem possa vir a fazer um projeto, é que a gente não pode deixar que o Catarse vire uma muleta, que vire uma coisa que vai privando a gente de buscar outras formas”. Para ela, foi muito importante fazer do Resenhando Sonhos o seu trabalho principal.

Após isso, ela consegue utilizar os ganhos do Catarse para produzir conteúdos diferentes. “Me dá mais liberdade para que eu possa experimentar com o projeto”, afirmou. Como já é há algum tempo, o projeto de financiamento coletivo, com os seus 167 assinantes, continuará dando este suporte para Tamirez Santos explorar novos horizontes como criadora de conteúdo.

“Meu Brasil é assim”: o crowfounding como fomento da cultura local

A paulista Vanessa Marine, 27 anos, lembra da época de orkut, quando criava playlists e artes no photoshop para ilustrar os contos e estórias de ficção que eram postados nas comunidades em que frequentava na antiga rede social. Anos mais tarde, em 2015, formada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e à frente de sua editora,a Duplo Sentido Editorial, Vanessa utilizou do antigo hábito de criar conteúdo para engajar leitores e levá-los para uma viagem a desbravar o Brasil sem sair de casa.

O projeto “Meu Brasil é assim” nasceu da vontade de mostrar o país para os leitores por meio de uma perspectiva regional feminina. Vanessa diz que quis “aproveitar do poder que a literatura tem de fato, de transportar gente para outros lugares, para convidar os leitores, então, a viajarem pelo próprio país”. A editora também ressalta o foco no público adolescente, que tende a “supervalorizar” a cultura estrangeira: “quis mostrar um pouco o que era, ao longo dos nove meses (tempo de duração do projeto) e mostrar o Brasil pela ótica das escritoras brasileiras”.

Santo Butiá

Além de promover uma viagem pelo Brasil por meio da literatura, o projeto também dá a oportunidade de novos autores revelarem o seu talento. Um dos contos que compõem a assinatura de “Meu Brasil é assim” é o “Santo Butiá”, escrito pela gaúcha Sofia Neglia, que frisou a importância deste tipo de iniciativa: “ela abre portas para que escritores mostrem o seu trabalho para outras pessoas”.

O “Meu Brasil é assim” marca a segunda vez que Neglia trabalha com Vanessa Marine, da Duplo Sentido Editorial, em um projeto de financiamento coletivo. A primeira parceria foi com “Antes que esse ano acabe”, que também foi realizado através de um crowdfunding.

Para Sofia Neglia, além de promover interação com o público, os projetos de financiamento coletivo ainda podem mostrar o trabalho de autores, que buscam por oportunidades de publicar suas histórias, para um público ainda maior. “No instante que uma pessoa acredita no teu trabalho e vai lá e compartilha, a voz que ela dá para o escritor e para a importância da escrita é muito maior”, afirmou Neglia.

Rebeldia que tem dado certo

Segundo Vanessa, a pandemia da Covid-19, a crise do mercado editorial e a alta dos preços dos insumos para a produção do livro físico ajudaram na escolha pelo tipo da publicação. Ela também relata que “antologias tem um mercado editorial para jovens muito curto” e que “queria testar uma publicação diferente”.Como nos tempos de orkut, Vanessa inovou. E deu certo.

Projeto “Meu Brasil é assim” da Duplo Sentido Editoria conta com 164 assinantes no Catarse. | Imagem: Captura de Tela.

Ela relata que desde o lançamento do projeto, os números de engajamento da editora subiram entre 500% e 520%, e destaca a importância dessas interações com o público: “as gírias são muito questionáveis justamente por conta dessa diferença (regional)”.

A assinatura da antologia “Meu Brasil É Assim” dura 9 meses e traz três categorias diferentes, onde o leitor/assinante escolhe em que tipo de assento quer fazer essa viagem pelo Brasil. A cada mês, três autoras e seus escritos chegam em formato digital para o assinante. Ao total, serão 27 autoras representando os 27 estados do Brasil, contando sobre suas personagens, histórias e regiões.

Além disso, os assinantes recebem recompensas conforme o tipo de assinatura que fazem. Há desde a assinatura de “assento convencional” até o “assento leito-cama”, onde o viajante recebe como recompensa os bilhetes de passagens carimbados com os estados visitados no mês de assinatura.

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Matheus Machado
Matheus Machado

Um lugar que você, talvez, não devesse conhecer. Sou jornalista. Um alguém que gosta de escrever.