A crítica do audiovisual e seus novos formatos

Matheus Zanin
Matheus Zanin — Portfólio
6 min readFeb 29, 2020

Disponível em: jornalismojunior.com.br/as-criticas-do-audiovisual-e-seus-novos-formatos/

Redes sociais cresceram e novos veículos de comunicação surgiram. É fato que tais transformações possibilitaram meios alternativos de produção de resenhas críticas. Neste espaço, fãs da sétima arte têm buscado compartilhar informações e impressões de filmes e demais lançamentos, sobretudo através do YouTube. Com o aumento do número de canais — e, consequentemente, de visualizações — é testemunhado uma nova dinâmica no mercado do Cinema: agora, o papel é uma tela.

O avanço no YouTube

Com a popularização do YouTube, resenhas críticas conquistaram espaço na plataforma de compartilhamento de vídeos. Inicialmente, o nicho próprio ganhou forma nos Estados Unidos, com a consolidação de canais como Chris Stuckmann, Beyond The Trailer e Jeremy Jahns. No Brasil, a mudança para as telas ocorreu de forma similar, a partir de sites de entretenimento.

Atualmente, outros cinéfilos buscam sua área de atuação. “Criei [o canal] com o objetivo de compartilhar conhecimento. Noto que é comum o interesse crescente por blockbusters — mas também existe muita gente interessada em discussões sobre clássicos do cinema”, diz Waldemar Dalenogare, membro da Academia Brasileira de Cinema e da Online Film Critics Society (OFCS), uma associação internacional de críticos.

Segundo Dalenogare, a pouca discussão sobre o Oscar em língua portuguesa também motivou a criação de seu canal no YouTube, uma vez que a maioria do conteúdo distribuído é simples tradução de artigos e opiniões publicadas em língua inglesa. Seu objetivo, através da publicação de análises e críticas em vídeo, é “deixar claro que o Oscar está envolto em um vasto conjunto de variáveis, e a aposta apenas na qualidade de um produto — definitivamente — não é suficiente para garantir o reconhecimento da Academia”.

O canal de Dalenogare soma mais de 37 mil inscritos. [Imagem: Reprodução]

Para Dalenogare, a elaboração da crítica em vídeo é mais fácil. “Faço meu comentário sem qualquer script, apenas pontuando tópicos anotados em meu bloco de notas. Logo após o upload já consigo estabelecer a abertura de um diálogo, seja com quem já viu o filme ou com o público interessado.” A crítica escrita demandaria um tempo de composição maior, assim como um diálogo mais restrito.

“Eu e minha irmã — que faz o canal comigo — já gostávamos de ver e de conversar sobre filmes, principalmente filmes trash e de terror, e eu achei que esses filmes não tinham tanto espaço nos canais de críticas e análises do YouTube, então a gente resolveu criar o canal para falar desse tipo de filme”, relata o publicitário Oswaldo Marchi. Ele e a irmã, Karina, alcançaram mais de trinta e três mil usuários inscritos no canal Trasheira Violenta. Diferentemente de Dalenogare, Marchi enxerga maior facilidade na crítica escrita. “Meus vídeos sempre seguem um roteiro, que é uma crítica escrita um tanto mais informal, mas meu processo de criação é o mesmo”. Ele diz que gravação, edição, finalização e configuração do vídeo no YouTube são processos maiores.

O canal de Oswaldo e Karina soma mais de 42 mil inscritos. [Imagem: Reprodução]

Afinal, quem pode falar sobre Cinema?

A existência de novos formatos de resenhas críticas reacendeu uma importante discussão: para julgar uma obra cinematográfica é necessário conhecimento acadêmico?

“Acredito firmemente que na crítica acadêmica é fundamental o contato com teoria de cinema, além de uma clara reflexão metodológica sobre o objeto proposto para discussão” defende Dalenogare. O crítico reconhece os diferentes tipos de públicos com os quais dialoga: quem conhece seu trabalho pelos vídeos no YouTube, através das críticas escritas ou pelas discussões acadêmica em aulas, palestras e debates sobre artigos por ele produzidos. Ainda, ressalta um aumento tanto na quantidade de publicações em revistas com Qualis (conjunto de procedimentos utilizados pela Capes que determinam a qualidade de periódicos) quanto na profundidade de análises no Brasil, mostrando o potencial da área. “Mas é notório que cada vez mais pessoas acabam entrando nesse meio por hobby — e muitos fazem isso justamente mirando uma formação ou especialização acadêmica no futuro.”

“Eu aprendi o básico do audiovisual antes de fazer o canal e fiz um curso que ensinou a analisar melhor filmes. Muitas análises focam no que é mais perceptível, que são o roteiro e as atuações, mas a produção de um filme tem muito mais do que isso”, completa Marchi. O publicitário diz não achar necessário formação em Cinema para escrever críticas, mas que é importante ter conhecimento sobre o assunto.

A existência de diferentes formatos e processos de avaliação parece gerar dúvidas no próprio meio profissional estadunidense. A Hollywood Foreign Press Association (HFPA), organização de jornalistas internacionais responsáveis pelo Globo de Ouro, envolveu-se numa polêmica devido à legitimidade de seu processo de votação. “Tenho certeza de que muitos jornalistas da HFPA são profissionais e assistem aos filmes antes das nomeações, mas é notório que existe uma pressão forte dos estúdios em torno de seus membros (que são poucos, ou seja, facilita o contato e uma espécie de campanha ‘direcionada’)”, fala Dalenogare. O membro da Online Film Critics Society diz não ver o Globo de Ouro como termômetro sério para o Oscar, destacando indicações controvérsias e o abuso da flexibilidade de suas categorias, como, por exemplo, Green Book ー O Guia (Green Book, 2019)sendo indicado em Melhor Comédia.

É o fim das críticas escritas?

Com o advento de novas tecnologias, resenhas impressas irão desaparecer? Por enquanto, a resposta é não. Diversas publicações, jornalistas e críticos ainda optam pelo formato escrito. Com o destaque e importância recebidos por plataformas agregadoras de reviews tradicionais, como Rotten Tomatoes e Metacritic, a tendência é que o número se mantenha. Esses tipos de sites são capazes de interferir na indústria de diversas maneiras. “Quem tem um filme com desempenho pífio e nota baixa nos agregadores acaba transferindo a culpa para eles. Mas quando existe um lançamento independente extremamente elogiado pela crítica e com baixa bilheteria, essa variável acaba sendo deixada de lado” explica Waldemar. Ele diz que notas são importantes para a construção do hype, mas que nem sempre refletem a opinião do público. “A grande questão está no consumo atual do cinema. Com tantos serviços e opções para assistir aos longas no conforto de casa, o desafio é convencer o espectador a sentir a experiência de uma produção na sala de cinema.”

Para Marchi, a crítica escrita continuará existindo. “A quantidade de sites e blogs que fazem crítica em forma de texto só aumenta a cada dia”, ele argumenta. Dalenogare também crê na permanência do texto, mas ressalta o fato da crítica em vídeo atingir um público maior. “É mais fácil de produzir e divulgar, e a proposta não precisa seguir um padrão editorial fixo — depende apenas da criatividade de quem produz. Conheço casos de colegas que conseguiram emprego em meios de comunicação justamente por conta de vídeos no YouTube”, o crítico salienta. Ele destaca que, assim como parte da discussão está voltada para uma nova dinâmica de mercado e da própria comunicação, o próprio papel do crítico mudou nas duas últimas décadas. “Antigamente, um lançamento em Sundance tinha um impacto muito menor do que tem hoje. Apenas leitores e assinantes de grandes publicações acabavam tomando conhecimento do que se passava e quais filmes independentes acabariam ganhando destaque ao longo do ano”. Hoje, grandes veículos, pequenos sites e youtubers fazem coberturas de festivais e levam informações para variados públicos.

De acordo com Dalenogare, outro ponto importante é a monetização. “Para quem começa agora, é difícil achar uma plataforma para publicar textos. Em vídeo, dependendo do engajamento do público, você acaba tornando a atividade mais rentável.” Ele finaliza dizendo que, antigamente, quem iniciava na crítica começava produzindo textos em blogs pessoais. Hoje, quem entra no meio produz vídeos, o que pode gera perda de espaço. “Em escala maior, é razoável pensar que uma crítica em vídeo do Chris Stuckmann tem mais alcance do que uma publicação em texto da Variety.”

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Matheus Zanin
Matheus Zanin — Portfólio

Journalism student at University of São Paulo (ECA — USP).