Ytalo e Arlailson para além do cárcere

Matheus Zanin
Matheus Zanin — Portfólio
3 min readNov 13, 2019

Disponível em: usp.br/cje/saoremo/noticia.php?n=692*

Ato em defesa da liberdade de Ytalo e Arlailson. [Imagem: Arquivo Pessoal]

Sábado, 31 de agosto. Gritos ecoavam no campo Catumbi, na São Remo. “Faz um gol aí, Yta­lo!”. “Vai Arlailson!”. Foi o pri­meiro jogo dos garotos após pas­sarem aproximadamente um mês encarcerados devido a uma acusa­ção de roubo, sem provas concre­tas. Os meninos “cantaram liber­dade” no dia 15 de agosto, após a audiência no Fórum do Brás.

Mas, afinal, quem são Ytalo e Arlailson?

Arlailson Silva, 18 anos, estu­dante do terceiro ano do Ensino Médio, diz que seu esporte favo­rito é o futebol. Filho de pais per­nambucanos, gosta de assistir a filmes, partidas esportivas e de jogar videogames. “Gosto de La Casa de Papel e Sintonia”.

Fã de funk e black, diz que uma de suas músicas favoritas é Quem viu nosso sofrimento, de Mc Lucia­no. “Me vejo com minha família construída, trabalhando, fazen­do faculdade”, respondeu quan­do perguntado sobre seus proje­tos para o futuro.

“Meu lugar é aqui. Gosto de fi­car no campo, jogando bola na qua­dra ou com minha mãe e meu pai em casa.” O estudante, que sonha em seguir carreira como jogador de futebol, diz ajudar o pai, Arlin­do — vítima de um AVC—, além de fa­zer outras tarefas em casa. “Quero agradecer a todo mundo que estava apoiando Ytalo e eu, pela torcida aqui fora. Quero seguir minha vida como sempre segui.”

Dona Iracema, mãe de Arlailson, diz que o criou com muito amor e carinho. “Fiquei muito triste de ter acontecido isso com ele. Eu o conheço, sei o filho que te­nho. Se tivesse aprontado, ja­mais iria passar a mão na cabeça dele”. A mãe aponta que o jovem sempre ajudou o pai e alega que não deseja a situação pela qual passou para nenhuma família. “Eu ensinei para ele o que é cer­to e o que é errado. Aos 11 meses, paguei uma mulher para cuidar dele, para que eu pudesse traba­lhar. Meu filho não é usuário de droga. Sempre trabalhei e o in­centivo a estudar”, ela completa.

Ivone, mãe do Ytalo, conta que Ytalo Gabriel é um filho amoroso, companheiro, incenti­vador e, acima de tudo, que acredita na capacidade de todo mundo. O jo­vem, de 16 anos, é nascido e criado na São Remo. Desde muito peque­no é apegado à bola. “Não preciso roubar, o meu sonho é o futebol.” Estudante do terceiro ano do Ensi­no Médio, com olhos abrilhanta­dos, comenta: “Foi um sonho colocar meus pés no Pacaembu e jo­gar na Taça das Favelas”.

Mas nem só de futebol vive o garoto. Em mo­mentos de lazer, mexer no celular, bater papo com os meninos e dar boas risadas são coisas simples que lhe trazem alegria, alegria roubada durante os dias no cárcere. Com gosto eclético, o menino gosta de filmes de ação, de terror e de vá­rios tipos de músicas. “Espero que Deus possa me abençoar. Espero estar em algum clube. Não precisa ser grande, quero começar de bai­xo. A melhor coisa é sentir a emoção de estar conquistando cada degrau, suando” — é com essa humildade que Ytalo volta ao campo de futebol no campo Catumbi.

As mães, que choraram juntas, trabalham como domésticas desde muito cedo, aspecto de honra para ambas. Nascidas em solo nor­destino, carregam na veia o amor pela educação, característica passa­da para os jovens. Elas encontraram aprendizado na dor e não esquece­ram de suas raízes.

“Eles têm uma rotina supertran­quila e são muito parceiros”, desta­ca Ana Paula Turbiani, professora da Escola Estadual Solón Borges dos Reis. “Quando ficamos sabendo do caso, a gente resolveu se mobilizar, visto que conhecemos a índole, cará­ter e as famílias deles.” A educado­ra, que diz ter convívio diário com os jogadores, assegura a bondade de Ytalo e Arlailson. “Os meninos fica­ram encarcerados muito tempo sem dever nada”, ressalta.

*Artigo escrito em conjunto com Beatriz Carneiro.

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Matheus Zanin
Matheus Zanin — Portfólio

Journalism student at University of São Paulo (ECA — USP).