Como escrever boas descrições

A boa história é aquela que, pela duração da leitura, se torna mais real que o mundo real para o leitor. Capturado no sonho, ele se entrega para a experiência, para cada momento e sensação. Sair dela tem um gosto de “acordar” e há uma melancolia de deixar isso para trás.

Todo autor aspira em ser esse tecelão de realidades e de conseguir arrebatar o leitor dessa maneira. Penso que, mais do que uma boa história e bons personagens, o que captura o leitor é a prosa e as descrições. Quando escrevemos, lutamos para encaixar no vocabulário aquilo que o olhar da mente enxerga com tanta clareza. Quando lemos, sentimos desgosto e abandonamos livros que falham em descrever de maneira clara o mundo que vivemos, ou o mundo imaginário, em todas as suas camadas físicas, psicológicas e emocionais.

A descrição é a capacidade de capturar de maneira compreensível o que nem sempre é palpável ou inteligível, transmitindo a imaginação de uma mente à outra. É telepatia em sua forma rudimentar, e é essa telepatia que é a conexão mágica entre o que o autor quer passar e o que o leitor absorve. Quando sincronizados, temos aquela euforia de estar lendo um livro bom.

Como fazê-la funcionar? O que faz uma descrição eficiente, boa, capaz de capturar o leitor para essa conexão semi-sobrenatural?Não é uma questão de escrever muito, ou escrever cheio de floreios. Não é o olhar cru dos fatos e não é uma mentira distorcendo a verdade, não é o ato de escrever com beleza, com atenção à língua culta, nem é escrever o todo e deixar o leitor perdido num mar de objetos e personagens. Descrição não é apenas decoração. A boa descrição é a trilha que você cria para o leitor absorver a história. Tudo o que você escreve está guiando o leitor.

A jornada deve ser, em si só, uma recompensa, para que o leitor jamais tenha a vontade de ir embora. Para que, a cada passo, ele esteja mais perto de se apaixonar pelo seu livro.

Boas palavras

Uma boa descrição é editada com cuidado para conter apenas o melhor vocabulário. Ela vai além da precisão com a descrição para também incluir a musicalidade da língua e os pormenores subjetivos da ortografia. Não apenas o significado, mas o som e a cadência das palavras devem reforçar o conteúdo e o universo do livro.

Domicílio, casa e lar significam a mesma coisa, mas só um deles tem o gostinho de familiaridade, de comida de mãe, de afagos na barriga do gatinho, de abraços quentes e de segurança.

Dizer, falar e contar significam a mesma coisa, mas cada um tem seu grau de formalidade e da postura do emissor. Só um deles tem gosto de intimidade.

Nesse ponto também entra a preocupação com ritmo. O comprimento das frases, a alternância entre curto e longo, ajuda a reforçar a imagem, a cadência, do toque, do movimento, do momento a momento da cena. Frases longas são sensuais e levam o leitor por um raciocínio cuidadoso, permitindo ao narrador mostrar toda a sua musicalidade.

Frases curtas são um passo. Um tiro que quebra a janela. Tensão à flor da pele.

Sentidos e sentimentos

Uma boa descrição é sensorial e emocional. Como a maior parte das experiências e fenômenos, boas descrições são absorvidos de maneiras além dos sentidos óbvios de que estamos conscientes. Além do visto e ouvido, cheirado e sentido, existem também as reações do corpo e da psiquê. O corpo tremendo, o sangue correndo quente, a vontade de fugir ou chorar.

O leitor está numa experiência de empatia profunda. Você deve dar a ele sensações para reverberar no seu corpo e na sua mente, surpreendendo sua leitura.

Boas imagens

Boas descrições dão imagens concretas ao leitor, colocando-o num mundo físico da história. É o famoso caso de “mostrar, não contar”. A raiva do personagem é um nó na sua garganta, os punhos abrindo e fechando, o sangue dele fervendo enquanto ele caminha para a porta querendo ir embora para encerrar a discussão.

Aqui, você pode e deve usar metáforas e símiles. O choro de alguém que se compara à garoa fina do final da tarde evoca um silêncio, uma melancolia cinzenta e solitária, que jamais seria exprimido apenas pela descrição da lágrima. Porém, evite clichês ou tecer imagens muito pessoais. Sem clareza e intenção, suas metáforas se tornam só blablabla.

Boas descrições sopram vida e movimento onde, em teoria, não haveria nenhuma. Elegendo os elementos que compõem sua cena, você alimenta o clima e os temas da sua história. Uma casa colorida e abarrotada de flores secas não tem o mesmo efeito de uma sala cinza com uma unica janela, cujo vidro quebrado deixa entrar o cheiro de lixo.

Relevância

Mas uma descrição ainda pode falhar mesmo que contenha todos esses elementos e seja editada com todo o cuidado. A descrição, no final, serve a funções: ela deve adicionar informação relevante, delimitar o tom emocional e/ou mover a história. E ainda deve alimentar o que a trama precisa para sustentar seus temas, seu clima e sua expectativa emocional.

Uma longa descrição de 500 palavras de um salão pode elevar a cena de romance que está prestes a acontecer ou arruinar o suspense de uma personagem que invade furtivamente aquele espaço. Uma metáfora pode ser perfeita para descrever tal personagem, mas no clima denso e seco do livro, fica uma nota de cor e ritmo que faz ruido com a prosa mais sóbria.

Um trecho de descrição isolado pode ter seu valor removido do contexto, mas é só dentro do grande esquema da trama que poderemos julgar sua eficácia.

Seja crítico

Essas dicas ajudam a começar a discussão sobre descrição e espero que tenham aberto seu olhar para enriquecer sua escrita. Entretanto, nenhuma regra deve ser seguida cegamente. Repetir as mesmas soluções o tempo todo transforma bons recursos em clichês e estagna sua escrita numa mediocridade de truques ao invés da genialidade das surpresas.

Um bom escritor de descrições é também um observador e um colecionador de ideias. Ele combina elementos inusitados e encontra referências incomuns para a voz do seu narrador. Dar a sua história uma combinação única de palavras, objetos, ações e metáforas irá fortalecer a sua realidade e a sua originalidade.

Estude

Esse texto é um resumo, quase depravado de tão sem vergonha, feito a partir do livro Word Painting: A Guide to Writing More Descriptively, de Rebecca Mcclanahan. Ele está disponível na amazon por 10 dólares e é o manual extenso sobre cada ponto que citei. Infelizmente, ele só tem em inglês. Se você tiver alguma maneira, leia-o. Você vai ser outro autor.

E agora que você sabe como descrições funcionam, volte àqueles livros que você ama e perceba como o autor usa cada um desses truques. Agora que você sabe pelo que procurar, os segredos e maquinações dele estarão expostos para você, hohoho.

Abraços e boas escritas :)

Todas as peças tem de trabalhar para o todo

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