ReLeituras2014#2 — Neon Azul de Eric Novello

Autor cria mundo paralelo em obra que busca capturar a solidão criativa

Mauro Amaral
SobreNós
2 min readMay 17, 2014

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Devia a mim mesmo a chance de estrear para valer no mundo literário do Eric Novello. Se não, vejamos: temos uma grande amiga em comum e até programa já gravamos juntos. Dois motivos que por si só já bastariam, não fosse eu já ter comprado boa parte de suas obras à época da preparação para este pequeno trabalho sobre a chegada na Amazon no Brasil, e até mesmo já ter experimentado sua noveleta steampunk, “O Dia da Besta”. Excelente por sinal.

Até o dia em que aceitei a tarefa.

E fui levado por uma escada insalubre ao bar que nunca dorme e vive em ritmo diverso (ou seria complementar?) ao do centro carioca no qual, por obra de algum vórtice mágico, se assenta. Seus frequentadores, dos quais vou me abster de relatar nomes, descrições e tramas (seria um artifício barato para o que quero falar aqui), carregam todos uma sina: a dor do labor criativo quando vendido.

Uns escrevem, outros dançam, existem aqueles que tocam, que criam drinques ou que sabem cantar. E, para todos eles, é dura a vida, são pesadas as escolhas é até mesmo inviável a convivência com sua própria intimidade, quando confrontados pela realidade (entenda aqui realidade como aquela proposta pelo universo ficcional da obra). A realidade vem cobrar seus contratos. E gosta de sangue.

Reparem só que curioso: quando comecei a rascunhar esse post, minha ideia era falar sobre o Personagem Real, o próprio bar e um rápido paralelo com a Casa dos Mistérios. Caso não conheça, lá vai: a série de terror dos quadrinhos nos leva a uma casa entre-mundos que se transforma em bar e recebe visitantes de todas as dimensões possíveis que pagam seu consumo contando suas histórias. Mas aí descontei o fato de que o centro do Rio de Janeiro e quadrinhos de mistério têm para mim uma estranha relação, e notei que era apenas um viés pessoal. Um eco sensorial dos anos 90 andando por sebos e gibiterias (que fim levaram?).

Reparando de forma mais atenta, Neon Azul para mim oferece aquele tipo de experiência que imagino têm as leitoras de borra de café turco: só elas entendem e, talvez, só elas acreditam nos vaticínios lidos ali.

E os borrões me disseram que, à espreita, existem alguém que fará de tudo em busca do brilho criativo do Outro. Alguém sem rosto, alguém sem nome, mas sempre presente. São, assim, as histórias e seus personagens, estranhos holocaustos: ofertante e oferta na mesma pessoa.

O Homem, ele consome a tudo e a todos que criam pois é, em resumo, o anti-criador.

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Mauro Amaral
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