Coletivo Perseguidas
ColetivoPerseguidas
9 min readJan 7, 2021

--

(disponível a narração do texto no tumblr, para ser encaminhado clique AQUI.)

Existe uma teoria por aí, apoiada por algumas pessoas, de que você não pode ser uma nacionalista negra e feminista ao mesmo tempo.

Essa teoria está incorreta e é baseada numa má compreensão sobre o que são os dois movimentos. Os dois movimentos são revolucionários.

No sistema econômico americano, pessoas negras e mulheres são mantidas num estado de alto e constante desemprego. Elas servem de mão-de-obra reserva na oferta de trabalho, para serem totalmente empregadas apenas em tempos de emergências nacionais, como a Segunda Guerra Mundial.

Elas recebem os empregos com menores remunerações — ou realizam trabalho não remunerado, como quando as mulheres ficam presas nos cuidados e na alimentação, às suas próprias custas, da próxima geração de mão-de-obra para as indústrias explorarem. Geralmente, pessoas negras recebem os trabalhos mais indesejáveis, aqueles que ninguém quer. Nesse papel, pessoas negras e mulheres podem ser usadas como uma ameaça contra os privilegiados homens brancos, os quais, se ficarem muito mal-agradecidos, podem se encontrar no mesmo destino.

Essa combinação é tanto conveniente quanto lucrativa para os capitalistas dos Estados Unidos. Racismo e sexismo, aspectos tradicionais do sistema social americano, servem para manter essa combinação lucrativa. A classe dominante americana não pode atender as demandas das pessoas negras e mulheres e ainda assim manter lucros altos o suficiente para financiar suas frequentes guerras, as quais estão se tornando outra tradição americana.

A libertação das mulheres do sexismo exigirá a substituição desse sistema presente para um melhor, um sistema socialista, e isso exigirá uma revolução.

A mesma mudança radical no caráter básico da sociedade americana é exigida para a libertação de todas as pessoas negras do racismo.

São os mesmos capitalistas os que negam bons trabalhos e educação às pessoas negras e os que negam bons trabalhos e educação às mulheres. São os mesmos governos que não deixam pessoas negras liderarem suas próprias comunidades e mulheres controlarem seus próprios corpos. São os mesmos publicitários os quais negaram o “Preto é Bonito” que também negaram a beleza natural das mulheres. Então é claro que pessoas negras e mulheres têm o mesmo inimigo.

Alguns nacionalistas negros, como os muçulmanos, acham que todas as pessoas brancas são, em algum grau, os mesmos inimigos das pessoas negras, devido a todas se beneficiarem, e até certo ponto serem participantes, da opressão racial.

Outros sentem que os brancos pobres são potencialmente aliados, e que eles irão se tornar reais aliados dos negros na luta para destruir o sistema que explora os dois grupos.

Nacionalistas que são membros do “Socialists Workers Party” (Partido Socialista dos Trabalhadores), como eu mesma, tomam a posição que a revolução americana trará todos os setores dos Estados Unidos, classe trabalhadora, negros e brancos, a uma luta comum contra a classe dominante, mas esses grupos que são os mais oprimidos, como os negros e pessoas oprimidas de outras nacionalidades, terão os papéis de líderes.

Para todos os nacionalistas revolucionários, o inimigo primário é incontestavelmente o mesmo: o pequeno grupo de homens brancos da classe dominante que concentram a maior parte da riqueza e do poder em suas mãos, e assim, o país.

Similarmente, algumas feministas acham que todos homens, de todas as classes econômicas, são inimigos das mulheres por razões semelhantes às dos nacionalistas: todos os homens, até certo ponto, recebem os privilégios da opressão da mulher. Além disso, homens servem como agentes do sistema na manutenção da opressão da mulher.

Outras, particularmente muitas feministas negras, enxergam homens negros como potencialmente aliados, já que eles também são um grupo oprimido. E essas mulheres sentem desconfiança em declarações de solidariedade das mulheres brancas da classe dominante, e às vezes até excluem aliadas brancas pobres.

Feministas que são marxistas revolucionárias, como eu mesma, entendem que todas as mulheres são potencialmente aliadas, mas as que — como as mulheres negras — sofrem mais nesse sistema, liderarão a luta pela libertação de todas nós.

Mas todas as feministas, por unanimidade, atribuem a maior parte da culpa por seu sofrimento aos homens ricos da classe capitalista. E, cada vez mais, conforme o movimento se desenvolve, esse grupo de homens que possuem todo o dinheiro e exercem mais poder estão se encontrando como alvo da luta feminista, em ações como as manifestações dos dias 26 de agosto e 12 de dezembro, feitas pela “New York Women’s Strike Coalition” (Greve da Liga das mulheres de Nova Iorque), exigindo aborto gratuito sob demanda e questionando como homens médicos ricos estão ficando mais ricos devido às taxas exorbitantes de aborto, e exigindo que as pessoas que possuem e administram o governo deste país entreguem parte de seus lucros para fornecer assistência infantil gratuita e 24 horas a todas as mulheres.

De fato, nossos governantes, cada vez mais perseguidos, começaram a sentir a força da pressão conjunta de nacionalistas e feministas; pressões para que os capitalistas liberem uma porção dos lucros que eles nos roubaram por tanto tempo.

No Manhattan Community College, a sociedade nacionalista de Golden Drum e o grupo por libertação feminina do campus começaram a ver ganho mútuo no apoio das demandas de cada um: o controle negro do programa de estudos negros e instalações de creches localizadas no campus e equipadas adequadamente.

Esse tipo de apoio de causas gera inquietações insuportáveis em alta escala, e não é surpreendente que a classe dominante esteja fazendo de tudo para semear suspeitas e confusões e tentar cortar pela raiz tais alianças “enfermas”. Enfermas do ponto de vista dos capitalistas, claro.

Para desencorajar as tão perigosas parcerias, a classe dominante faz o melhor para distorcer as imagens dos dois movimentos nas novas mídias. Eles imprimem artigo atrás de artigo assegurando às mulheres negras de que o movimento de libertação das mulheres é bobo e maluco e que não tem nada em comum com elas. E quando feministas negras tentam dizer algo diferente, ninguém imprime. Eles tentam fazer parecer que o nacionalismo negro é sobre odiar brancos, pisar em mulheres e bombardear tudo à vista sem nenhuma boa razão.

Quando na verdade a essência do nacionalismo é uma reivindicação muito racional de que a minoria negra da América tem direito à autodeterminação nacional. E a essência do feminismo é a válida reivindicação das fêmeas humanas de determinar e controlar seus próprios destinos, livres de exploração e livres da dominação de outras pessoas, as quais são machos.

Outra fonte promovida energeticamente pelo antagonismo negro em relação às feministas é a noção de que os movimentos nacionalista e feminista estão de alguma maneira competindo pelas migalhas da mesa capitalista, então o sucesso de um será à custa do outro.

Na raiz dessa errada noção está um mal-entendido das demandas econômicas da comunidade negra e do significado da libertação das mulheres por demandas de iguais oportunidades de emprego e educação.

Há um tempo, trabalhadores civis brancos em Pittsburgh acreditavam que o objetivo dos candidatos a emprego negros era roubar seus trabalhos. Eles estavam mal interpretando o que era basicamente uma demanda por empregos plenos. Similarmente, alguns nacionalistas mal interpretam o objetivo do “women’s liberation” (movimento de libertação das mulheres). Mas é falso que mulheres e negros tenham de brigar pelos mesmos trabalhos pouco atraentes. Existem muitos trabalhos urgentes para serem feitos nesse país, como construções adequadas de casas. Mas as pessoas não estão sendo contratadas para fazer o trabalho que realmente é necessário, porque os capitalistas estão ocupados demais, concentrados no que gera mais lucro.

A demanda feminista por oportunidades iguais é uma ameaça, tudo bem. Mas não para a comunidade negra. Pelo contrário, ameaça a contínua existência de um sistema econômico que sacrifica necessidades humanas básicas de negros e mulheres.

Até esse ponto, alguns nacionalistas talvez digam, e alguns já estão dizendo, “sim, o movimento pela libertação das mulheres é ok, mas é uma coisa de mulheres brancas, não é para mulheres negras”.

Mas o exame da tripla opressão da mulher negra — enquanto mulher, negra e trabalhadora — fornece o argumento eloquente que essas objeções são baseadas em ignorância.

Feministas brancas demandam oportunidades iguais em trabalhos. Trabalhadoras negras, com uma média de $3.000 por ano, têm o menor valor de salário no país.

A libertação das mulheres demanda serviços de controle comunitários gratuitos de aborto, sem esterilizações forçadas. Mulheres negras morrem quatro vezes mais em partos que mulheres brancas. Essa demanda também se refere àqueles que temem que o aborto seja genocídio, já que o controle comunitário e nenhuma esterilização forçada está incluída. Nenhuma comunidade irá se exterminar.

As feministas demandam controle comunitário de cuidado infantil 24 horas. Os dados do Escritório de Estatística do Trabalho mostram que uma larga proporção de mulheres negras mantém mais empregos que suas irmãs brancas, em todas as faixas etárias, com exceção de 16–24 anos de idade, as quais são as mais prováveis de terem filhos muito pequenos e não terem creches onde deixá-los.

Esses fatos deixam muito claro que os problemas do movimento de libertação das mulheres, longe de serem uma coisa branca, são ainda mais relevantes para as necessidades de mulheres negras.

Outras objeções sobre a participação negra no movimento de libertação das mulheres é que nós precisamos dos esforços das mulheres negras para a luta negra, e que a responsabilidade primária das mulheres negras é a criação e educação da nação negra.

Mas os problemas que mais preocupam mulheres negras — trabalhos, baixos salários, cuidados médicos controlados pela comunidade — são a luta negra! Como esses problemas poderiam de alguma forma “divergir” mulheres negras da luta negra é de fato um mistério. E quando mulheres negras se organizam em torno desses problemas, se torna evidente que elas estão amarradas inseparavelmente aos outros problemas. Por exemplo, se você falar sobre a inflação que corta o salário e cheques de bem-estar das mulheres negras, você precisa considerar a guerra do sudeste asiático, a qual é muito culpada pela inflação.

Os irmãos nacionalistas que aconselham mulheres negras a se preocuparem apenas com o nascimento e a educação das crianças negras para construir nossa nação, esquecem que a casa negra não existe no vácuo. Mulheres negras nesse país têm tido bebês por um bom tempo. O que queremos não é apenas mais bebês negros, mas uma nova nação negra que é livre. Para ter isso, precisamos destruir essa sociedade, que condena as aspirações de crianças negras a nenhuma esperança, e onde a evidência do desemprego negro e do desespero paira todos os dias em qualquer esquina do Harlem.

Mulheres negras não podem fazer nada para mudar essa situação cozinhando verduras e ficando grávidas. Essa luta que substituirá o sistema será feita fora da cozinha. As energias das mulheres negras serem usadas para costurar roupas e esperar homens é um luxo que não podemos bancar, mesmo que fosse desejado, o que não é. Nós não podemos dispensar metade do poder cerebral de nosso povo; nós vamos precisar de todos.

Para a afirmação que feminismo negro é divisor e, portanto, atrasa a luta revolucionária, é mais correto dizer que a supremacia de homens negros é uma força reacionária que precisa de correção.

Às vezes se diz que a dominação masculina é a herança cultural africana dos negros e que, ao empurrar as mulheres, os homens negros estão fazendo a negação dessa sociedade à masculinidade negra. Mas examinando nossa herança, se revela que ela é muito diversa — tão diversa quanto a submissão das mulheres Zulu e a agressividade das mulheres do mercado nigeriano são diferentes entre si.

Por exemplo, entre a tribo Balonda na África do Sul, mulheres mantinham uma posição economicamente superior em relação aos homens. Mulheres dirigiam os conselhos tribais, e quando um homem jovem Balonda casava, ele deixava sua própria vila para morar na casa de sua esposa. No antigo Egito, o marido prometia amar, honrar e obedecer sua esposa.

Isso não soa muito como uma tradição inquebrável de supremacia masculina, não é?

É tão errado que os homens negros pensem que as qualidades humanas de respeito próprio e assertividade pertencem apenas ao sexo masculino, quanto é os brancos pensarem que inteligência e sensibilidade estão limitadas apenas a raça branca.

Além de suas óbvias desvantagens para as mulheres negras, o sexismo dos homens negros serve exatamente à classe dominante dos brancos. Sexismo, negro e branco, é um componente essencial para o capitalismo americano, e tem uma importante função na dominação bem-sucedida desse sistema.

O papel dos homens negros como agentes da opressão das mulheres negras é muito conveniente para os exploradores capitalistas. A classe dominante de fato ficou muito boa em promover a supremacia masculina dos homens negros. Por exemplo, um dos mais efetivos esforços foi doar ao mundo o Relatório Moynihan, o qual anunciava o flash de notícias urgentes da existência de um matriarcado negro americano — uma sociedade comandada por mulheres — apesar do fato de que nessa sociedade nem mulheres negras nem homens negros já estiveram em posição para controlar as vidas de suas próprias comunidades, muito menos para exercer poder em toda a sociedade.

É a supremacia masculina que mina a luta pela libertação negra, atrasando metade de nossos lutadores e ajudando nossos opressores, não o feminismo.

Para o capitalismo, é muito útil de fato ter homens negros ocupados, impedindo mulheres negras de serem arrogantes, porque “niggers” arrogantes de qualquer sexo são perigosos. E mulheres negras arrogantes definitivamente devem ser vigiadas.

Fonte: https://womenwhatistobedone.files.wordpress.com/2013/09/1971-feminism-and-black-nationalism-myrna-hill-militant-socialist-workers-party.pdf

--

--