ROMPENDO A FEMINILIDADE: Um convite para a praxis radical

Coletivo Perseguidas
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15 min readMar 6, 2021
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Sumário
O QUE É A FEMINILIDADE?………………………………………………………..2

A SOCIALIZAÇÃO FEMININA E OS RITOS DE GÊNERO....…………3

APLICAÇÃO DA FEMINILIDADE EM CORPOS NÃO-BRANCOS…….5

FEMINILIDADE E CAPITALISMO: O porquê de radicais sul-coreanas estarem certas em suas propostas………………………………………………8

“COMO ROMPER COM A FEMINILIDADE?”: Um convite a todas as mulheres brasileiras……………………………………………………………..13

O que é feminilidade?

A feminilidade é um conjunto de práticas e comportamentos criados pelo patriarcado, que são impostos à socialização de fêmeas humanas desde o começo da vida da criança nascida com a genitália feminina, ditando a qualificação e a preparação para o “ser mulher”. Tais práticas possuem o objetivo de moldar fêmeas na dinâmica de submissão aos heteropatriarcas, de modo que condiga com o esperado pelos homens e que facilite o acesso desses aos corpos das socializadas mulheres.

Os ritos femininos de enfeitar-se, vestir roupas que impossibilitam a livre mobilidade corporal — a exemplo de saltos, saias justas, decotes — pintar-se, mutilar-se para fins estéticos, depilar-se para manter o corpo infantilizado (cultuado pelos homens, pois a pedofilia é intrínseca ao mundo masculinista), manter os cabelos longos, dentre diversas atividades estéticas, são praticados pelas mulheres das mais diversas etnias globais, mantendo-as encarceradas no ciclo de submissão e de entrega aos machos. Isso se confirma, pois a feminilidade nada mais é do que o confinamento físico e psicológico de mulheres perante a manipulação e a criação de padrões do desejo brutal e desumano dos homens.

Logo, a feminilidade é a condição depositada na existência de fêmeas para que transitem e ocupem a posição do “tornar-se mulher”, tão explicitado anteriormente por Beauvoir e detalhado por Andrea Dworkin em sua famosa colocação:

“A mulher não nasce, ela é feita. E no fazer, sua humanidade é destruída. Ela se torna símbolo disso, símbolo daquilo: mãe da terra, puta do universo; mas ela nunca se torna ela mesma, porque a ela é proibido fazer tal.”

A socialização feminina e os ritos de gênero

Em termos de gênero e sociedade, observa-se que são impostos aos indivíduos, mesmo antes do nascimento, papéis de gênero, os quais atuam como marcadores sociais, de acordo com a genitália da criança. “Chá de revelação” é uma festa da cultura brasileira, na qual se descobre o sexo do bebê e, posteriormente, impõe-se o papel de gênero sobre ele. Se a bebida ficar rosa, logo se é menina, se ficar azul, é menino. Se, ao estourar o balão, saem enfeites rosas: menina; se os enfeites são azuis: menino. E por aí vai. Rapidamente acontece toda uma preparação social em cima da infância. Brinquedos nas lojas são separados entre “de meninas” e “de meninos”, assim como material escolar, para além dos próprios quartos rosas ou azuis, dentre tantos outros marcadores.

Aprofundando-se nesses aspectos, é de conhecimento geral que todo esse preparo é um grande peso em nossa socialização. Tudo o que gira em torno da vida de meninos, até o modo como serão tratados e incentivados, será com base no denominado gênero masculino. Eles serão incentivados a pensar em sua carreira profissional, de modo direto ou indireto. Serão ensinados, também, a provar sua masculinidade, em termos pobremente venerados, “pegando mulheres”, porém não se apegando a elas, tampouco sendo o casamento uma grande preocupação. Já na vida das meninas, elas serão induzidas, desde cedo, a pensar sobre casamento e maternidade. Esses são os objetivos gerais da vida de qualquer menina. É devido a isso que, quando se trata de meninas dos 13 aos 17 anos saindo de escolas por estarem grávidas (engravidadas, majoritariamente por homens adultos, ou seja, estupradores e pedófilos), o fato não é tratado como absurdo, sendo normalizado. Não é um absurdo, em termos de sociedade geral, o fato de uma criança ou uma adolescente evadir a escola e ter seu processo de aprendizado interrompido ou atrasado, fazendo com que desistam de suas futuras carreiras profissionais, enquanto grávidas, uma vez que mais tarde, esse seria o objetivo final de sua vida.

Entretanto, observando a fundo esse rito de socialização e aprisionamento de fêmeas humanas, para alcançarem os tão esperados objetivos, elas perpassam outro: serem bonitas. Barbies, Bratz e tantas outras bonecas, todas estão sempre pintadas. Em desenhos e séries infantis, momentos de “vaidade” (limpeza de pele, maquiagem, pentear os cabelos, fazer as unhas) são dados e entendidos como sagrados, ou seja, como um alívio para todas as mulheres em dias estressantes, ou para “melhorar a autoestima”, como vemos em filmes (Legalmente Loira, Clube dos Cinco, Meninas Malvadas, Garotas S.A, entre outros filmes, desde os “cults” aos “pops”). No final, compreende-se a finalidade para a qual as fêmeas precisam estar atraentes: encontrar um parceiro/namorado/marido. Apenas assim existirá a possibilidade do cumprimento dos outros dois objetivos maiores em suas vidas, impostos pelo patriarcado.

(Bonecas “Bratz”, influências diretas na vida de meninas, principalmente negras)

A partir disso, cria-se conceitos que são usados para justificar uma falsa vaidade nas vidas de meninas e mulheres. Exemplificando: muito se é usado o jargão “a beleza dói”, um dito popular que é cultuado como crença. Assim, meninas são submetidas, desde muito cedo, a práticas cada vez mais violentas, sendo justificadas com a própria invenção de “essência feminina”. Como consequência, meninas vivem, até o fim de suas vidas, em uma guerra contra outras meninas e contra elas mesmas. Elas procuram sempre um padrão de beleza inalcançável, que sequer existe naturalmente. O que realmente existe são as mazelas na saúde física e psicológica derivadas de tais práticas: disforia e dismorfia corporal, transtorno de ansiedade, depressão, anorexia, bulimia.

Aplicação da feminilidade em corpos não-brancos

Em mulheres não-brancas, as práticas de feminilidade são aplicadas de maneira ainda mais violenta, uma vez que o racismo atua fielmente ao lado do patriarcado. Mulheres negras, por exemplo, são submetidas desde sempre ao auto-ódio, procurando incansavelmente por uma validação da branquitude, o que faz com que todas as práticas de feminilidade sejam, também, interligadas às práticas de embranquecimento.

Na cultura brasileira, o cabelo é visto como um forte marcador social. Mulheres de cabelos crespos, majoritariamente negras, são, desde muito novas, apresentadas a fortes químicas para alisamento capilar, sendo esse um processo relatado por muitas como doloroso e desconfortável. Além disso, em várias comunidades periféricas, quando duas mulheres rivalizam entre si (quase exclusivamente em situações que envolvem traição aos casamentos com homens), elas se agridem em um confronto direto com uso de violência física e, consequentemente, seus cabelos são cortados ou raspados, representando um motivo de vergonha, repressão e humilhação. Raspar o cabelo, então, se torna motivo de linchamento social, perpetuando a ideia, no imaginário social, de que mulheres se tornam menos mulheres quando esse ato é consumado. Isso também pode ser exemplificado quando mulheres negras de cabelos raspados são chamadas, pejorativamente, de “pão careca” em diversos locais do país. Também é válido analisar que quando famosas (que possuem poder de influência sobre outras mulheres) raspam o cabelo, essas compensam a feminilidade usando maquiagem e jóias em excesso.

De certo, a feminilidade estética está presente de maneira duplamente fortificada e sufocante na vida de mulheres não-brancas. Para registrar exemplos que possam comprovar, tem-se, primeiramente, a ideação misógina de homens japoneses, conhecida como “Yamato Nadeshiko”, cuja definição a grosso modo seria “A Mulher Japonesa Ideal/Tradicional”. Nadeshiko é uma pequena e delicada flor japonesa que inspirou os patriarcas a criarem o molde de personalidade e estética das mulheres, o qual pode ser categorizado por:

– Ser “pura”, casta e devota ao marido;

– Ser feminilizada, enfeitando-se com adornos considerados femininos e gesticulação/comportamento feminilizado/docilizado;

– Cumprir o papel de cuidar (leia-se: trabalhar) da casa e dos filhos;

– Nunca discordar do marido.

Não somente, a Yamato Nadeshiko foi o símbolo feminino da propaganda do governo japonês, durante a Segunda Guerra Mundial, para silenciar e encobrir as mulheres japonesas que organizavam tropas, lutavam armadas ao lado dos homens e resistiam ao padrão estipulado. A mulher tradicional e considerada digna seria aquela cuja responsabilidade estava em preparar e proteger os filhos durante a guerra, aturando a miséria, a pobreza e as dores do período de conflito. Mais tarde, na cultura popular japonesa, Yamato Nadeshiko foi retratada como personagem de uma história mangá, virando anime posteriormente. A história consiste em garotos adolescentes que possuíam a missão de transformar a personagem feminina em uma Nadeshiko, visto que essa usava apenas roupas escuras e gostava de coisas consideradas “não femininas/delicadas”.

Ainda falando de mulheres asiáticas, sabe-se que as práticas torturantes de feminilidade também condicionaram diversas dessas a servirem aos homens americanos e nativos de seus países como compensadoras sexuais, as chamadas “Mulheres de Conforto”, cuja realidade era baseada na prostituição e no estupro massivo que garantia a “satisfação e descanso sexual” das tropas norte-americanas e dos homens em guerra que defendiam os territórios locais, durante as invasões e guerreamentos entre nações. A consequência de tais fatos se deu pela hiperssexualização das mulheres amarelas, extremamente fetichizadas, pornificadas e visualizadas como seres dóceis, incapazes de reagir ou se rebelar contra os homens, frágeis e insinuantes para o sexo masculino, que buscavam o abuso sexual como compensador de sua rotina de guerra. Nesse sentido, a ideia de que a mulher deve estar bem aparentada, esperando pelo homem, para que ela seja usada por ele, tomava (e ainda toma) os pensamentos masculinistas.

O fato é que, enquanto mulheres amarelas estavam sendo moldadas nas características mencionadas, mulheres nativas africanas, afrodescendentes e indígenas estavam sendo animalizadas e também estupradas, porém na visão de que eram (e ainda consideram que sejam) resistentes à violência — principalmente sexual –, propícias para a escravidão e serventia com o corpo, selvagens e totalmente incapacitadas de corresponderem a qualquer outra coisa senão o sexo brutal (estupro) e a bestialização de seus comportamentos para o aprisionamento nos trabalhos escravos.

O processo de colonização da América atesta o mencionado, pois sabe-se que colonizados os territórios, também foram colonizados sexualmente os corpos de mulheres e crianças. A desumanização de mulheres indígenas e pretas perpassam os dias atuais. Suas vestes e caracterizações éticas se tornaram usufruto do capitalismo, a feminilidade comportamental que já confinava mulheres dentro de seus próprios grupos familiares — pois o heteropatriarcado não é exclusividade do homem branco — se tornou um molde ainda mais expressivo na mão da branquitude, haja vista que se tornar aceita pelos homens brancos se tornou uma busca inesgotável, a qual eles mesmos implantaram nessas mulheres.

A propósito, ser um objeto de desejo sexual sem pudores, para a mulher, é a base de sua socialização. É nesse ponto em que a feminilidade se expressa de maneira mais desesperada e voraz: quando fêmeas, desde novas, vivem as práticas hostis de heterossexualização e feminilização para que, mais tarde, o resultado disso seja o olhar, o elogio simbólico e o sexo com ele: o homem.

Feminilidade e Capitalismo: O porquê de radicais sul-coreanas estarem certas em suas propostas

O capitalismo surgiu após o patriarcado e o racismo deixarem um terreno fértil para os exploradores. Entende-se como capitalismo, um sistema econômico que existe somente devido à exploração do trabalho e da mão-de-obra da classe trabalhadora, tendo como os agentes os próprios burgueses. Estes burgueses são os patriarcas brancos. Entretanto, referenciados a classe trabalhadora, pontuados são os homens, nunca as mulheres.

Atualmente, muitas mulheres usam da feminilidade (criada pelos patriarcas) para ganhar sustento. Ou seja, o capitalismo faz com que elas reproduzam a lógica patriarcal para sempre mantê-las aprisionadas a sua opressão enquanto fêmeas humanas. Normalmente são encontradas mulheres trabalhando no ramo da beleza; mulheres pobres trabalham informalmente como manicures/pedicures, cabeleireiras, designers de sobrancelhas, maquiadoras, até adentrarem a grandes empresas de salões de beleza, passando ao trabalho formal. Deste modo, o capitalismo glamouriza tal opressão, tornando o questionamento das práticas ligadas à feminilidade quase impossível, uma vez que é a partir destes trabalhos que mulheres fazem sua renda.

Na série coreana “True Beauty” (Beleza Verdadeira), a protagonista Lim Jukyung sofre bullying (e até tenta suicídio) por, aparentemente, ser considerada feia. O fato é que a personagem possui apenas um problema dermatológico no rosto, evidenciando espinhas, para além de usar roupas confortáveis como calças e moletons de cores neutras. Mesmo assim, a menina passa a se mascarar com muita maquiagem, ficando irreconhecível para os colegas da nova escola e atraindo os olhares dos homens. Vivendo em uma amarra complementamente sufocante de nunca se mostrar sem maquiagem, Jukyung se torna, mais tarde, maquiadora, compreendendo que o ramo da beleza “salva as vidas” de meninas que, como ela, foram rechaçadas por não estarem extremamente feminilizadas ou padronizadas. Nesse exemplo adicional, é explícito como o liberalismo e a misoginia andam de braços dados. Mulheres pobres e pouco ligadas à feminilidade estética se moldam para a cultura e para o trabalho ligados a essa opressão, considerando que a existência da mulher é a existência apenas em condições moldadas para o feminino.

(Personagem Lim Jukyung, em suas versões “feia” e “bonita”, na série “True Beauty”)

Além de “True Beauty”, diversas outras séries e filmes, principalmente norte-americanos, mostram em seus enredos como adolescentes no ensino médio são pressionadas a se enfeitarem, bem como a se hiperssexualizarem, para serem socialmente aceitas. Caso contrário, sofrem bullying e são excluídas de grupos ditos “populares” no ambiente escolar. A recente série da HBO, “Euphoria”, exemplifica a questão da sexualização com a história de Kat Hernandez, que ainda não tinha feito sexo pela primeira vez, enquanto suas amigas a pressionavam a fazer, por meio de piadas e hostilização. Kat tem sua primeira experiência sexual, sendo alvo de estereótipos sexuais por ser gorda e, logo após o ato sexual consumado, ela procura se sexualizar para estar inserida na vida agitada de suas amigas. Também pode-se apontar outras problemáticas nesta série, como a culto à depilação e ao acesso à pornografia. Nisso, o pensamento de Gail Dines a respeito da mulher ser aprisionada na busca pela posição de “fodível”, para que não se torne invisível, pode ser confirmado.

(Personagem Kat Hernandez, antes e após processo de hiperssexualização)

Para além das problemáticas apontadas no parágrafo anterior, é explícita a violência direta do capitalismo contra as mulheres no ramo da beleza: cirurgias plásticas têm atingido mulheres de quase todas as idades. Sendo assim, a mutilação contra os corpos de fêmeas humanas é tido como socialmente normal e quase inevitável, como se esse fosse o destino a ser alcançado por todas que possuírem condições financeiras para tal.

O Brasil é um dos países com maiores números de cirurgias plásticas acumulados. Aumento de seios, clareamento da vulva, “recolocação” de hímen, ninfoplastia (redução dos grandes lábios da vulva), aumento dos glúteos, lipoaspiração, harmonização facial, bichectomia, preenchimento labial. Todos esses e muitos outros ritos violentos são agravantes da beleza que se tornaram, há muito tempo, um sonho de consumo das mulheres brasileiras. A mutilação de corpos saudáveis é vista como “melhoria” e investimento em beleza, soando como algo sem risco ou problemática alguma.

As culturas populares que se organizam diante de subculturas, gêneros musicais e agrupamentos de estilo, de maneira repetitiva, estimulam mulheres a usarem a feminilidade como representação da própria personalidade, tornando a figura feminina um símbolo de imagem a depender do modo como tais culturas se expressam. Em termos de cultura preta, por exemplo, mulheres têm se alienado com a ideia de que o uso de unhas alongadas e afiadas representam algum tipo de resistência cultural e étnica. Para além das unhas, é persistente o uso excessivo de maquiagens como gloss labial, cílios postiços extremamente volumosos, perucas alisadas e roupas evidentemente sexualizadas, apertadas, feitas com tecidos que evidenciam cada parte do corpo da fêmea que é comumente hiperssexualizado. A cultura da preta “baddie” — como são chamadas as mulheres pretas que cultuam tais expressões de feminilidade marcadas pelo hiphop — tem feito com que o mercado capitalista venda expressivamente mais, acarretando a consequência de que mulheres de todo o planeta assumam uma posição obsessiva pelo padrão ideal enquanto preta visada pela cultura do rap.

O discurso de resistência diante das práticas de feminilidade impostas às mulheres pretas tem suprido o trabalho do capitalismo de injetar o plano liberal no feminismo camuflado como propriamente negro, para manipular e encojarar mulheres a permanecerem na linha de opressão, uma vez que adotam o vício pelos cachos perfeitos, pela estética vangloriada por homens negros e pelo “empoderamento” que, na verdade, as empobrece financeiramente e psicologicamente.

(Mulher negra inserida na estética “baddie”, influenciada pela cultura do hiphop)

Sob tais análises, pela perspectiva feminista radical, compreende-se que o rompimento com tais práticas, de maneira absoluta, é um caminho que não pode ser desconsiderado de forma alguma. Cumprir com a práxis (prática) radical, tendo em mente toda a teoria com que concordamos, significa radicalizar as nossas pessoalidades para que radicalizemos os nossos meios e, depois, o nosso mundo.

O Coletivo Perseguidas, de maneira cotidiana, pauta e valoriza a atividade de radicais sul-coreanas que, em seus meios, já compreendem e efetivam a prática de rompimento total com a feminilidade estética e com a quebra de ritos heterossexualizados, como o casamento, a gravidez, o sexo com homens, a inclusão masculina em seus ambientes, entre outros. Acreditamos que cumprir com o radical dessa forma nos orienta, de forma organizada, a sobreviver com maior qualidade de vida dentro do sistema heteropatriarcal, tentando romper com ele. Não há possibilidade de ver o feminismo radical operar com grandeza se mulheres alinhadas ao radical não efetivarem a sua politização e quebra com o mundo masculinista.

Sheila Jeffreys menciona, em “Beleza e Misoginia”, que não há condição existente para que a feminilidade estética e comportamental seja benéfica ou praticável de modo a não oferecer riscos para as mulheres no mundo. Feminilidade não pode ser, nem nunca será uma escolha, pois à fêmea humana nunca foi apresentado nenhum outro sistema fora do que existe como nossa opressão: o patriarcado heterossexual. Se a feminilidade fosse possível como livre escolha, homens a praticariam da mesma forma e na mesma proporção desde o início. Mas, por serem eles os criadores de todos os marcadores sociais considerados femininos, compreende-se que o propósito é único e bem articulado: oprimir, reduzir, desumanizar, empobrecer, ridicularizar e acessar mulheres. Ou, além disso, matar, pois a fêmea, quando transformada socialmente em mulher, corre risco de vida ao se relacionar com homens, ao passar pela mutilação estética de seus corpos, ao deixar de comer para manter a magreza, ao adoecer psicologicamente, ao ser assassinada massivamente pelos machos.

Posto isso, atesta-se, também, que o projeto político dos homens é tão grandioso e potente que, caso a mulher rejeite toda a expressividade da feminilidade, logo será categorizada e empurrada para a transição, pois dentro do patriarcado, jamais seria possível que a fêmea existisse sem ser feminina. Ademais, transicionar mulheres lésbicas e/ou desfeminilizadas também é rentável para o mundo dos homens, uma vez que a mutilação dos seios e a hormonização também compreendem um alto valor que enriquece as grandes indústrias e engrandecem a amarra social.

Em conclusão, todo o mencionado demonstra, de modo a tornar transparente como a feminilidade é um núcleo de venda, dominação e manipulação, que seguir o exemplo de feministas radicais que já agem contra tais marcadores é um ato de prosperar dentro do ativismo de mulheres. Centralizar a existência em outras mulheres, perceber e estimular o amor e a expressividade ativa entre mulheres, romper com a beleza — pois ela sequer é necessária –, romper com os mecanismos da heterossexualidade (que é compulsória para todas as mulheres, haja vista o aprendido com Adrienne Rich, Monique Witting e tantas outras companheiras e teóricas radicalizadas) e romper com o comportamento feminilizado e programado, tudo isso condiz com impulsionar o radical e fazer, assim, com que a teoria se torne prática.

“Como romper com a feminilidade?”: Um convite a todas as mulheres brasileiras

Como convite a todas as mulheres, especialmente em plano brasileiro, o Coletivo Perseguidas apresenta, trazendo ao Brasil, o projeto de atuação do movimento #TireOEspartilho.

“Tirar o espartilho” se tornou uma grande mobilização feminista na Coreia do Sul a partir de meados do ano de 2015, fazendo com que mulheres economizassem valores altíssimos de dinheiro que anteriormente eram gastos com cirurgias plásticas, maquiagens, produtos dermocosméticos e roupas feminilizadas. Mulheres sul-coreanas se inspiraram na obra radical de Sheila Jeffreys, “Beleza e Misoginia”, reconhecendo que a feminilidade é como o real aprisionamento, desconforto e sufocamento do usar de um espartilho, o que fez nascer o nome do movimento — que também faz referência à tradução do título do livro em coreano.

(Foto tirada após a realização de ato para o movimento #TakeOffTheCorset, na Coreia do Sul)

Nessa perspectiva, as radicais da Coreia vêm realizando o ato de rasparem os cabelos (ou utilizarem cortes realmente curtos), quebrarem suas maquiagens, desfazerem-se de roupas feminilizadas e repensarem os comportamentos atrelados à feminilidade e à heterossexualidade compulsória, partindo para o separatismo lésbico ou celibatário.

Sendo assim, a qualidade de vida e o avanço do feminismo radical sul-coreano é evidente, haja vista que a práxis (prática) materialista radical vem sendo cumprida com dedicação, entrega e responsabilidade.

Portanto, pensando em cuidar das nossas, aqui no Brasil, o Coletivo Feminista Perseguidas convida todas as mulheres a abraçarem e participarem da campanha #TireOEspartilho.

A ação fica à mercê de cada companheira, mas se concentra no desprendimento de algum eixo, ou de forma integral, da feminilidade estética, podendo acontecer no ato de raspar o cabelo ou quebrar as próprias maquiagens — pois compreendemos que repassá-las (doando ou vendendo) para outras mulheres seria envolvê-las, também, no espartilho. De modo semelhante às coreanas, sugere-se a gravação de um pequeno vídeo ou foto durante a realização do rompimento com o espartilho, para que esse material possa ser publicado nas redes sociais com a hashtag do movimento. Essa divulgação impulsionará as demais irmãs a realizarem o mesmo, libertando cada vez mais mulheres ao se sentirem inspiradas umas pelas outras.

(Feminista radical, Summer Lee, antes e após o processo de desfeminilização estética, retirada do espartilho)

Mulheres já em processo de desfeminilização ou que já tenham o feito esteticamente podem também participar através da publicação de comparativos “antes e depois” com fotos, relatando a própria experiência e convidando ainda mais mulheres para efetuarem a mesma atividade.

Desejamos que cada vez mais mulheres brasileiras experimentem o poder do radicalizar de suas vidas, extraindo o necessário para sobreviverem o mais longe possível das amarras heteropatriarcais.

Entregamos a todas o convite de cuidado, de conhecimento e de como iniciar a nossa caminhada rumo à libertação. Estudemos, tenhamos coragem, tiremos o espartilho, quebremos a corrente da feminilidade, mulheres. Avante.

Quebrar para romper, romper para libertar.

#TireOEspartilho

LUTEMOS.

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