Metaverso: a “next big thing”(?)

Ana Castro
MCTW_TDW
Published in
7 min readJul 29, 2022
Fonte: Beacon Venture Capital

Metaverso, um conceito ainda em desenvolvimento com opiniões muito distintas e, até, controversas. Há quem diga que será o próximo flop, há quem diga que a vida não vai voltar a ser a mesma depois disto. Em que ficamos? Vamos tentar, pelo menos, ficar a saber um pouco mais sobre este assunto antes de tirarmos conclusões precipitadas.

O que é o Metaverso?

Para muitos, o conceito de metaverso é ainda algo complexo de se explicar. Dionisio et al. (2013) definiram-no como uma rede de realidades virtuais tridimensionais, com foco no engajamento social, mediado por espaços virtuais e realidade aumentada. Consiste numa experiência totalmente imersiva na qual os “agentes” podem interagir uns com os outros através de algum tipo de acordo virtual facilitado pela tecnologia, para além do real, da dimensão material (Ondrejka, 2004).

Para Mark Zuckerberg (Meta Platforms) o metaverso é o próximo passo para que hajam mudanças políticas e técnicas na maneira como pensamos a própria Internet. Assim, Zuckerberg e outros crentes do metaverso impulsionaram a ideia da Web3, uma forma descentralizada de mercantilização dependente de tecnologias blockchain que serviriam como verificação de propriedade, como NFTs (tokens não fungíveis).

Como surgiu o conceito de Metaverso?

A ideia em si surgiu pela primeira vez em 1992, no livro Snow Crash (Neal Stephenson), que retrata uma simulação planetária virtual em que os humanos interagem uns com os outros e com bots através de avatares na “The Street” — um espaço finito linear com bens imóveis de uma única entidade corporativa. No livro é utilizada a parábola de um espaço virtual tridimensional e imersivo como sucessor da internet, em que os utilizadores podiam comprar e trocar bens imóveis do “Global Multimedia Protocol Group”, e juntarem-se ao metaverso após se conectarem a terminais pessoais ou cabines com óculos.

O conceito de metaverso surge da junção do prefixo “meta” (transcendente) com a palavra “universo” (conjunto de tudo quanto existe, como um todo), e pretende descrever um ambiente sintético, hipotético, conectado ao mundo físico.

Começou a ganhar mais popularidade depois de Ready Player One e da mais recente mudança do Facebook para a plataforma Meta (outubro de 2021). No entanto, com o início do Second Life e outros MMORPGs (Massive Multiplayer Online Role-Playing Games), assistimos ao que podemos chamar de “protótipos de metaversos”.

Como funciona o Metaverso?

Na prática consiste num ambiente totalmente virtual e imersivo que se baseia na convergência de tecnologias que permitem interações multisensoriais com ambientes virtuais, objetos digitais e pessoas — realidade virtual (VR) e realidade aumentada (AR).

Enquanto o Second Life propunha uma realidade alternativa aos seus utilizadores, o metaverso pretende aproximar dois mundos, o virtual e o real.

Fonte: TechRadar

Que implicações poderá ter o Metaverso no nosso mundo real/físico, e vice-versa?

Apesar de as tecnologias base já existirem (como headsets de VR), ainda sofrem de limitações técnicas, principalmente no que toca à sua distribuição em massa no mercado — os dispositivos mais baratos normalmente não permitem uma experiência virtual tão estimulante como os mais higher-end, que por sua vez requerem mais cablagem e hardware. Atualmente é preciso escolher entre custo vs. qualidade e gráficos melhores vs. mobilidade. Como os headsets de VR se encontram numa gama de valores superior, levantam-se algumas questões no que toca ao acesso económico e à (des)igualdade, mais conhecida como “digital divide”.

Para além disso, também existem, ainda, problemas de software ao nível da interoperabilidade entre os projetos. Ainda não existem especificações técnicas padronizadas para o(s) metaverso(s), visto que cada projeto depende de tecnologias proprietárias. Como estas tecnologias não são partilhadas (por questões de privacidade e transparência), criam-se obstáculos a um desenvolvimento mais generalizado.

Para Chohan e DeSouza (2020) o conceito de metaverso serve como um novo esquema de marketing para minimizar a quantidade de danos sociais, políticos e psicológicos que a utilização de redes sociais causa, incluindo o vício nas próprias redes, e problemas de segurança do utilizador e de privacidade da informação.

Algumas das tecnologias que a Meta Platforms supõe ainda necessitam de ser desenvolvidas, e a par disso não lhes faltam críticas.

Franks (2011) e Shriram e Schwarts (2017) receavam que alguns problemas como racismo, discurso de ódio, violência psicológica, etc. corressem o risco de serem ainda mais ampliados no mundo virtual. Isto já se tem vindo a verificar com o metaverso Horizon Worlds, entre outros metaversos (tanto da Meta Platforms como de aplicações na loja do Oculos Quest). O reflexo dos piores hábitos e comportamentos da nossa sociedade (falamos de assédio sexual, racismo, sexismo, homofobia, etc.), com a agravante de não existirem punições “a sério” para tais ações (crimes virtuais). Por ser um mundo virtual, podemos fazer tudo o que quisermos? Podemos fazer tudo o que não podemos fazer no mundo real, porque sabemos que não vamos ter consequências reais? É suposto confiar inteira e plenamente que todos os utilizadores vão seguir um código moral e ético só porque sim? Como é que podem garantir que o bom senso da vida real é, de facto, adotado no virtual?

We are in an entirely new world, and the law has not caught up.

— Carrie Goldberg

Mais recentemente a Meta Platforms introduziu um novo conceito de “Personal Boundary” que atribui um espaço pessoal a cada utilizador, não permitindo que os outros o ultrapassem, de forma a tentar minimizar alguns crimes virtuais.

“Personal Boundary”, fonte: Meta

O que quer que a Meta seja capaz de extrair do topo das vendas nesse mercado, provavelmente será reforçado pelos dados comportamentais que poderá capturar do olhar, da voz e dos gestos dos utilizadores em ambientes imersivos. O Facebook já rastreia tudo o que os utilizadores fazem, através dos cliques, dos conteúdos compartilhados, etc., mas em RV interativa, isso pode significar muito mais.

Potencial/hype

O caso mais mediático de aposta no metaverso terá sido o do Facebook, no entanto já várias empresas estão a criar metaversos ou criaram uma presença nos mais populares.

Este aumento de interesse e investimento em realidade XR levou o Pew Research Center e o Imagining the Internet Center da Elon University a pedir a centenas de especialistas em tecnologia para compartilhar as suas ideias sobre o assunto. Ao todo, 624 inovadores de tecnologia, desenvolvedores, líderes empresariais e políticos, pesquisadores e ativistas forneceram respostas abertas a uma pergunta que procurava prever a trajetória e o impacto do metaverso até 2040. Os resultados desta pesquisa não científica:

  • 54% desses especialistas disseram que esperam que até 2040 o metaverso seja um aspeto muito mais refinado e verdadeiramente imersivo e funcional da vida diária de 0,5 mil milhões de pessoas, ou mais, em todo o mundo.
  • 46% disseram que esperam que até 2040 o metaverso não seja um aspeto muito mais refinado e verdadeiramente imersivo e funcional da vida diária de 0,5 mil milhões de pessoas, ou mais, em todo o mundo.

Como podemos ver, apesar de a maioria das pessoas acreditar no potencial do metaverso, o valor não é muito significativo, é quase um 50/50.

E se a Meta for bem-sucedida? Isto pode significar muitas coisas, talvez até uma nova mutação do capitalismo como o conhecemos. O sucesso que alguns jogos tiveram, desde FarmVille a Fortnite, demonstram como o ser humano comum está disposto a trabalhar e pagar por certas “banalidades” digitais. À exceção do enjoo, a experiência de entrar em mundos virtuais imersivos pode ser emocionante, ao ponto de se tornar viciante. O afluxo de investimentos de pessoas que procuram lucrar nesse novo espaço e as condições que a pandemia do COVID-19 impingiu ao mundo inteiro garantem, pelo menos, um entusiasmo maior por mais integração entre a vida virtual e a real. O que pode significar mais uma abdicação/abstração dos problemas do mundo “real”, já que os utilizadores mais distraídos permitem que as organizações estejam cada vez mais presentes nas suas vidas pessoais. Da mesma forma, poderia dar origem a novas formas de exploração, pois os dados das pessoas e até a semelhança podem ser apropriados para fins que seriam quase impossíveis de entender ou controlar completamente.

Without urgent action, this will only get worse. Until regulators hold Meta to account for the harms found on its platforms, weaken its grip over technology industries and rein in its ruthless data harvesting practices, the metaverse is very likely to spiral into a darker, more toxic environment.

- SumOfUs, 2022

Bibliografia

Metaverse: another cesspool of toxic content

Escaping the Gilded Cage: User Created Content and Building the Metaverse

Unwilling avatars: Idealism and discrimination in cyberspace

All are welcome: Using VR ethnography to explore harassment behavior in immersive social virtual reality

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