Lise Meitner e a Bomba atômica

Layla Uliana Pinheiro
Me explica ciencia
Published in
5 min readAug 19, 2020

“Lise Meitner física que nunca abandonou sua humanidade”

Fotografia de Lotte Meitner-Graf, Londres, cortesia de AIP Emilio Segrè Visual Archives, doação de Kurt R. Stehling

Como citado no livroMulheres na Física de 2015 nada defina melhor Lise Meitner do que a inscrição em sua lápide:

“Lise Meitner física que nunca abandonou sua humanidade”

Lise é a terceira filha de uma família de oito irmãos de origem judia. Nascida em Viena (Áustria) no dia 7 de novembro de 1878 era definitivamente uma mulher a frente do seu tempo em diversos aspectos.

Desde muito nova Lise demonstrou interesse pela ciência. Nascida em uma época que mulheres não podiam ingressar na faculdade, ela como muitas outras teve que travar uma verdadeira batalha e teve que contar com o apoio dos pais, para conseguir ingressar na Universidade. Em 1901, aos 23 anos, Lise conseguiu ingressar na Universidade de Viena.

Tendo aula com um dos maiores físicos de todos os tempos Ludwig Boltzmann, Lise percebia mais ainda o amor pela Física. Segundo o livro “Lise Meitner: A Life in Physics” de 1996, Otto Frisch (sobrinho de Lise e colega de trabalho) relatou o seguinte fato sobre a influência de Ludwig Boltzmann :

“…com Boltzmann ela teve a visão de que a Física era o campo de batalha para a derradeira verdade, visão essa que nunca perdeu.”

Obtendo seu doutorado em 1906 se tornou a segunda mulher doutora pela Universidade de Viena. Decidiu que queria trabalhar com radioatividade, então se mudou para Berlim, onde na época estavam os maiores nomes na área. Em Berlim, Meitner trabalhou no Instituto Kaiser Wilhelm e apesar de não ter documentos oficiais existem relatos que ela se tornou assistente de Max Planck. Por causa de uma série de circunstâncias ela começou a trabalhar com o químico experimental Otto Hahn. A parceria com Otto Hahn durou cerca de 30 anos e sendo juntos ou separados obtiveram grandes conquistas para a ciência.

Existem diversos relatos sobre a época que Lise esteve Universidade de Berlim, como o de que ela não teria tido remuneração ou nomeação por muito tempo, e que para entrar em seu laboratório tinha que usar a porta dos fundos, pois pela frente seria barrada devido o preconceito que existia na época, contra mulheres nas Universidade. Ela só começou a obter salário na Universidade de Berlim, após uma oferta remunerada para ir trabalhar na Universidade de Praga. Porém, ainda sim seu salário estava abaixo do seu colega de trabalho Otto Hahn. Lise só conquistou remuneração compatível com a de Hahn quando se tornou chefe do Departamento de Física Nuclear em 1917 e se tornou, por volta de 1920, professora titular. Sendo assim a primeira mulher em Berlim a ter esse destaque.

Em 1938 Meitner teve que se mudar da Alemanha para a Suécia, pois Hitler havia instaurado o regime Nazista, e mesmo sendo protestante ela e toda sua família eram de origem judia.

Chegando em Estocolmo foi trabalhar Instituto de Pesquisa do físico Manne Siegbahn. Na Suécia, Lise continuava desenvolvendo seu trabalho e em contato por cartas com Otto Hahn. A convite de Niels Bohr, Otto Hahn e Lise se deslocam para Copenhague para discutir os resultados dos bombardeamentos neutrônicos do urânio, também participou dessa discussão Otto Frisch. Hahn publicou com Strassmann na revista Naturwissenschaften um artigo sobre o tema e incluiu o que ele e Lise haviam partilhado nas cartas, porém não pôs o nome de Lise nem de Frisch no trabalho. Após tomarem conhecimento da publicação Lise e Frisch conseguiram explicar teoricamente todo o fenômeno e o batizaram de “fissão nuclear”. Com a explicação teórica Lise e Hahn publicaram na Nature e descreveram o seguinte sobre o processo:

“…Parece, portanto, possível que o núcleo de urânio tenha pequena estabilidade de forma, e que possa, após captura de um nêutron, dividir-se em dois núcleos de tamanhos aproximadamente iguais (…) Esses dois núcleos se repelirão e ganharão uma energia de cerca de 200 MeV, como calculado pelo raio e carga nucleares (…) Todo o processo de ‘fissão’ pode ser descrito de forma essencialmente clássica, sem ter que considerar o ‘efeito túnel’ da mecânica quântica, que seria extremamente pequeno, por conta das grandes massas envolvidas.”

Em dezembro de 1944, Hahn recebeu o Prêmio Nobel de Química pela descoberta da fissão nuclear, e até hoje Lise e Frisch não foram reconhecidos pelo Nobel. Apesar disso Lise ganhou vários prêmios como o Prêmio de Ciências Naturais da Cidade de Viena em 1947, já em 1949 recebeu a Medalha Max Planck e em 1966 ganhou a Medalha Enrico Fermi. Também recebeu cinco títulos de Doutor Honorário de universidades americanas, foi capa da revista Time Magazine e muitas vezes homenageada por organizações femininas. Teve em sua homenagem seu nome colocado no elemento de número atômico 109 da tabela periódica “meitnerium (Mt)” . Já nos EUA em 1946 Lise foi tratada como celebridade e recebeu o título de Mulher do ano dada pelo National Woman’s Press Club.

Ah! Uma das descobertas de Lise além da fissão foi o que conhecemos hoje como “Efeito de Auger ”. Sendo descoberto por ela entre 1922 e 1923, porém apenas 2 anos depois o cientista Pierre Victor Auger independentemente descobriu o efeito e em sua homenagem foi dado o nome de “Efeito de Auger”.

Para finalizar tem que se ressaltar que Lise sempre recusou o título de “Mãe da Bomba Atômica”, segundo fatos ela se recusou até de participar do Projeto Manhattan, pois não aceitava a ciência ser usada para destruição. E mesmo Lise tendo desenvolvido os seus estudos em uma época em que o mundo vivia em guerra, ela nunca permitiu que seus estudos fossem usados para a guerra. Ela inspirou e inspira muitas mulheres cientistas até hoje. Seu nome aparece em instituições científicas na Alemanha e na Áustria, crateras na Lua e em Vênus e até mesmo em um asteroide.

Referências

Saitovitch. E. et.al. Mulheres na Física-Casos históricos, panorama e perspectivas. Editora Livraria da Física. São Paulo, 2015, p. 49–72.

Meitner, L. Über den Zusammenhang zwischen β- und γ-Strahlen. Z. Physik 9, 145–152 (1922). https://doi.org/10.1007/BF01326963

Meitner, L., Frisch, O.R. Disintegration of Uranium by Neutrons: a New Type of Nuclear Reaction. Nature 143, 239–240 (1939). https://doi.org/10.1038/143239a0

Mulheres na Física: Lise Meitner. Revista Brasileira de Ensino de Fíısica, v. 27, n. 4, p. 491–493, (2005).

Sime, R. Lise Meitner: A Life in Physics. University of California Press, 1996.

--

--