O movimento anti-vac: vacinas causam autismo?

Antonio Bertollo
Me explica ciencia
Published in
3 min readJan 22, 2021
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23 anos, foi publicado um artigo intitulado “lleal-lymphoid-nodular hyperlepsia, non-specific colitis, and pervasive developmental disorder in children”, na The Lancet, revista científica britânica de grande expressão.

O artigo, de autoria do cirurgião A. J. Wakefield e mais 12 co-autores, começou a disseminar o medo da vacina tríplice viral, pois relatava que 12 crianças teriam apresentado distúrbios gastrointestinais graves e distúrbios de desenvolvimento mental, semelhantes ao autismo, após receberem a vacina. Mais tarde, seria revelado que o artigo havia sido fruto de manipulações de dados, omissões de responsabilidade e desvios éticos.

No artigo em si os autores não fazem correlação alguma entre a vacina e o desenvolvimento do autismo, mas Wakefield convoca uma coletiva de imprensa e diz que a vacina da tríplice viral, aplicada nos EUA e na Grã-Bretanha, poderia ter relação com o aumento dramático nas taxas de autismo. Para fazer tal afirmação, Wakefield se ateve a parte de vírus do sarampo supostamente encontrado no trato intestinal de crianças, o que posteriormente foi refutado e desmentido em artigos.

Apesar de diversos cientistas e médicos terem desmentido as afirmações de Wakefield, um grande estrago já estava feito. O número de vacinação caiu drasticamente na Europa, ressuscitando doenças que já haviam sido controladas, causando novas endemias de sarampo.

Mas por que autismo? Quem ganhava com isso?

Em 2004, começam a surgir os primeiros indícios de manipulação de dados. Foi provado que Wakefield agiu de forma deliberada. As 12 crianças utilizadas no artigo eram filhas de pais que acreditavam, sem laudo médico comprovação alguma, que seus filhos desenvolveram autismo após tomarem a vacina. Wakefield recebeu dinheiro do advogado Richard Barr, que procurava provas para abrir um processo contra fabricantes de vacinas. E mais: o cirurgião tinha uma patente de vacina contra o sarampo e, sem evidência alguma e por puro interesse, foi à mídia dizer que “as autoridades sanitárias, médicos e fabricantes de vacinas sabiam dos problemas e encobriram por benefício próprio”.

No mesmo ano, deu-se início ao processo de cassação da sua licença médica. Mesmo assim, a The Lancet não retirou o artigo publicado. Somente em 2010, após a cassação de sua licença, a The Lancet anulou o artigo publicado em 1998. O artigo ainda está disponível no acervo da revista, mas consta a palavra “Retracted”.

O maior estudo sobre o assunto

Em 2019, foi publicado o maior estudo sobre o assunto, na revista Annals of internal medicine, intitulado “Vacinação contra sarampo, caxumba, rubéola e autismo: um estudo de corte nacional”. O estudo foi realizado na Dinamarca e contou com mais de 650 mil crianças nascidas entre 1999 e 2010 e acompanhadas até o ano de 2013. A conclusão do estudo foi bem clara: “O estudo prova que a vacinação contra a tríplice viral não aumenta o risco do autismo, não desencadeia o autismo em crianças suscetíveis e não está associada a casos de autismo após a vacinação.”

No Brasil, a vacinação infantil é obrigatória. O primeiro parágrafo do Artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que “A vacinação é obrigatória em casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

REFERÊNCIAS:

Estatuto da criança e do adolescente

HVIID, Anders et al. Measles, mumps, rubella vaccination and autism: a nationwide cohort study. Annals of internal medicine, v. 170, n. 8, p. 513–520, 2019.

Seth Mnookin — The panic virus: a true story about medicine, science, and fear

ZORZETTO, R. — Manipulação de dados — Fraude em estudo sobre vacina reabre discussão acerca das práticas de pesquisa, FAPESP 2011

WAKEFIELD, Andrew J. et al. RETRACTED: Ileal-lymphoid-nodular hyperplasia, non-specific colitis, and pervasive developmental disorder in children. 1998.

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