Corredores fantasmagóricos que levam a lugar algum, humor ácido-sincerão, acessórios surrealistas para vestir. A estética nonsense da Geração Z, misto generoso de estranhos prazeres, é analisada pelo jornalista João Abbade

Foto: Reprodução

Potes de vidro rolam escada abaixo até espatifarem; objetos incrivelmente realistas que, na verdade, são bolos; unhas longuíssimas bizarramente decoradas por uma manicure. Quem vê alguns dos vídeos mais populares da internet pode pensar que estamos enlouquecendo.

As tendências nas plataformas de vídeos rápidos têm ficado cada vez mais estranhas. Até projetos em formato mais tradicional — mais longos e parecidos com o que se vê na TV — têm abusado do absurdo pra fazer a gente rir. ‘De Frente com Blogueirinha’ (YouTube) talvez seja um dos mais fascinantes programas de entrevistas dos últimos anos. Nele, a apresentadora Blogueirinha, personagem criada por Bruno Matos, esculacha os convidados, todos celebridades.

Dopamina High

O sucesso de conteúdos desse tipo em tantas esferas tem seus porquês. “Não é só uma forma de ironia, mas também uma fuga. Se a realidade lá fora tá tão bizarra, precisamos criar algo mais bizarro ainda pra fugir dela”, explica Mônica Levandoski, coordenadora de conteúdo e inovação da Consumoteca. A consultoria de tendências da qual ela faz parte mapeou nos últimos meses uma nova onda batizada de Dopamina High. O fenômeno consiste numa busca pelo neurotransmissor do prazer — não só da forma biológica que nosso corpo pede, mas também como um estilo de vida. Ou seja, uma rotina em busca de microprazeres instantâneos, uma viciante droga virtual.

Todo mundo é impactado. Mas a Gen Z, sem dúvida, sofre os maiores efeitos. Isso porque esse grupo de jovens, nascido em um cenário imerso em crises econômicas e sociais, tenta se encontrar num presente cada vez mais instável. Como tudo muda rapidamente, o prazer imediato transforma-se na regra e a experimentação (no âmbito pessoal, sexual ou do consumo) torna-se a estratégia para construir contornos.

“Nada libera mais dopamina do que ver uma garrafa de vidro caindo degrau por degrau”, argumenta Mônica. “Estamos com uma carência de maravilhamento. Tudo anda tão doido, que alguns acontecimentos nem nos afetam mais. Logo, procuramos isso no entretenimento, seja num filme ou num vídeo de 15s. São formas de experimentar novas narrativas (de si e do mundo)”, diz ela.

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Das redes para o mundo real

Conforme a Gen Z se consolida como formadora de opinião, essa linguagem ágil, irônica e cada vez mais inusitada ganha espaço no mundo real, influenciando a forma como a gente consome, viaja, cria, se movimenta e até ganha (e gasta) dinheiro.

Kane Pixels, um garoto americano de 18 anos que cria vídeos de intermináveis labirintos de salas de escritório com iluminações insólitas, foi convidado a dirigir um longa-metragem de terror para o hypado estúdio A24. A trend dos bolos ultrarrealistas que explodiu no Twitter virou série da Netflix. A polêmica MSCHF hitou de novo, povoando a internet com as suas curiosas botas vermelhas gigantes nos pés de celebridades para, depois, serem vendidas por US$ 350 na loja da grife. Em um comunicado à imprensa, a marca reiterou que a ideia não era uma piada: “Não é uma sátira. Mas o interessante é que estamos em um tempo em que isso não precisa ser uma piada para as pessoas usarem.” Enquanto o mundo não melhora e se torna menos pesaroso pra quem chegou depois, resta continuar nos divertindo.

João Abbade

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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