Em um mundo que muda tão rápido o tempo todo, festivais de inovação e criatividade como SXSW e Web Summit oferecem uma curadoria apurada dos desafios e revoluções que enfrentamos em áreas como cultura e tecnologia, chamando a atenção de grandes marcas e de um público que quer estar sempre à frente

Festival SXSW. Crédito Ann Alva Wieding.

Quando recebeu a grade com a programação do South by Southwest (SXSW), a empresária e produtora cultural mineira Patrícia Tavares levou um susto. “A agenda de atividades é tão extensa que você pensa ‘meu Deus, por onde começar?’” A reação de Patrícia com certeza é compartilhada entre os participantes do maior festival de inovação e criatividade do mundo — que surgiu há 32 anos e deu origem a incontáveis festivais similares ao redor do mundo.

Patrícia recorda que, há pouco tempo, observava as tendências através da moda e das artes. Hoje, são os festivais que a ajudam a entender um planeta que muda o tempo todo. “A sensação que tenho é que as mudanças estão tão rápidas que está todo mundo perdido e que a gente precisa de uma curadoria.” É aí que entra uma das principais virtudes dos festivais de inovação e criatividade: traduzir o que há de mais relevante acontecendo na atualidade.

É o que acontece no SXSW. Criado em 1987 em Austin, no Texas, o festival realizou sua primeira edição em um salão de hotel para 700 pessoas. E o que nasceu para valorizar a cultura local se transformou no maior evento de inovação do planeta. “A equipe do SXSW sempre foi pequena em relação ao tamanho do evento e teve liberdade para criar. Foi a partir da ideia de um funcionário interessado por personal computers na década de 90 que isso entrou na programação”, lembra Tracy Mann, especialista em parcerias globais do festival.

O SXSW cresceu tanto que hoje tem cinco eixos — interatividade, cinema, música, comédia e gaming — e 10 dias de programação intensa. Lá foram lançados Twitter e Foursquare, e revelados artistas como Hanson, John Mayer, James Blunt, Franz Ferdinand, Strokes e White Stripes. O festival já recebeu Barack Obama, Steven Spielberg e Elon Musk, apenas para ficar em três exemplos. E em 2019, 417 mil pessoas participaram de 2.218 palestras e 2.727 performances artísticas.

A efervescência das trocas sobre inovação germinou e floresceu. Novos festivais nasceram para atender uma geração que preza pela experiência como forma de gerar conhecimento e negócios. O Web Summit, em Lisboa, é o maior festival de tecnologia do mundo e este ano recebeu Tony Blair e Edward Snowden. O VidCon, na Califórnia, é dedicado a vídeos online. O Slush, na Finlândia, é o maior festival de startups. O deslumbrante C2 Montréal, no Canadá, acontece desde 2012 em parceria com o Cirque du Soleil. O The Next Web, em Amsterdã, trata do futuro da tecnologia. E a lista continua.

Mas a expansão do segmento não preocupa o SXSW. Pelo contrário. “A gente só existe se houver um ecossistema de eventos e se as pessoas têm o costume de frequentar eventos buscando por aprendizagem e por network”, destaca Tracy Mann. “Não encaramos isso como uma competição e vemos com alegria nosso modelo ser seguido em outros países. Isso cria uma cultura ao redor de tendências e de inovação, o que é muito positivo para todos.”

Festival C2. Crédito Daphné Nadeau

Espírito do tempo

Para Franklin Costa, cofundador da Fluxo, consultoria de inovação especializada na indústria do entretenimento, e do Projeto Pulso, plataforma especializada na cultura de festivais, três fatores explicam esse boom. “Estamos passando por transformações cada vez mais aceleradas, e as instituições de ensino tradicionais não têm conseguido acompanhar essa velocidade.” Outros fatores são a busca por networking e por experiências ao vivo, olho no olho.

A opinião de Franklin é compartilhada por Luiz Arruda, head de mindset da WGSN na América Latina. “A ideia de festivais como pontos de encontro para trocas físicas, humanas e reais é muito poderosa. Além disso, marcas e veículos perceberam que, nessa relação com as pessoas, a experiência virou um produto cada vez mais valorizado”, explica. Outro motivo para tanto sucesso é o papel de curadoria, aquele que a empresária Patrícia Tavares busca quando frequenta festivais. “Os festivais se transformaram em curadores. Ajudam a dar um norte, a navegar por diferentes universos. E é por isso que eles fazem tanto sentido”, diz Luiz.

Dono de uma valiosa lista com 55 festivais de inovação pelo mundo, Gustavo Nogueira, 32 anos, está sempre de malas prontas para ir a eventos do tipo. Ele é futurólogo e fundador da Torus, consultoria com base em Amsterdã que estuda o Zeitgeist — o espírito do tempo. “Esses festivais são espaços essenciais para tomarmos o pulso da cultura, principalmente em termos de inovação e mercado. Individualmente, está cada vez mais difícil compreender as mudanças ao nosso redor. Mas, coletivamente, conseguimos ter um fragmento mais nítido do tempo.”

Entre os assuntos debatidos atualmente no exterior estão o papel das redes sociais na proteção de dados, privacidade na Era Digital, Cannabusiness, o futuro do trabalho (e do trabalhador), a revolução do Blockchain, a batalha no setor de streaming e as oportunidades com a tecnologia 5G. Com o microfone em mãos, CEOs de empresas como IBM, Amazon, Microsoft, Nasdaq, Mercedes, Intel, Samsung, Tesla e Google — e na plateia um sem-número de profissionais de todas as áreas do conhecimento, que querem estar sempre à frente da próxima transformação.

Mas para além da robótica, o pesquisador Rodrigo Turra, 30 anos, parceiro de Gustavo na Torus, em Amsterdã, identifica um movimento que coloca as pessoas como atores principais nessa revolução 3.0. “Apesar de ser um evento de tecnologia, o Web Summit tem a preocupação de trazer causas relacionadas ao planeta e aos direitos humanos. Como disse o presidente de Portugal no encerramento da edição 2018: ‘Não adianta estarmos aqui se deixarmos as pessoas para trás’.”

E no Brasil? Por aqui o mercado está atento. Veteranos de estrada, Campus Party, MECA e Festival Path também celebram o interesse cada vez maior do público por eventos imersivos, refletido em novos festivais como o Hacktown, espécie de SXSW à mineira, com mais de 600 atividades na pacata Santa Rita do Sapucaí, no interior de Minas Gerais. Isso sem falar na relevância de eventos como CCXP e YouPix, ou na consolidação de iniciativas mais recentes, como o Rio2C e o Push, da plataforma Steal The Look.

E, ao que tudo indica, ainda há espaço para crescimento. Não é à toa que o Brasil tem a maior “delegação estrangeira” no SXSW, com quase 2 mil participantes, superando países como Canadá, Alemanha ou Reino Unido. “A beleza dessa história toda é que conhecimento está ganhando um protagonismo que antes a gente valorizava em outras coisas no âmbito da comunicação”, analisa Luiz, da WGSN. “Esse é o lado mais positivo do boom de festivais de inovação. Além de ser um negócio rentável para marcas e pessoas, conhecimento virou algo sexy.”

NA AGENDA

Festivais de inovação e criatividade pelo mundo:

13 a 22/3/2020
SXSW, Austin (EUA)
O principal festival de inovação e criatividade do mundo.
@sxsw

30/3 a 2/4/2020
Rise, Hong Kong (CHI)
Maior festival do continente asiático sobre tecnologia.
@RISEconfHQ

11 a 13/5/2020
Future of Everything Festival, Nova York (EUA)
Festival de inovação do “The Wall Street Journal”.
@wsj

27 a 29/5/2020
C2 Montréal, Montreal (CAN)
A conferência de negócios inovadora do grupo Cirque du Soleil. @c2montreal

17 a 20/6/2020
VidCon, Califórnia (EUA)
Maior festival do mundo dedicado a vídeos online.
@vidcon

18 a 19/6/2020
The Next Web, Amsterdã (HOL)
Evento debate sobre o futuro da internet.
@thenextweb

2 a 5/11/2020
Web Summit, Lisboa (POR)
Maior festival europeu focado em inovação e tecnologia.
@websummit

Esta matéria faz parte da edição #028 do MECAJournal e foi realizada
pelo jornalista Felipe Seffrin. Segue a gente no
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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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