O cantor e compositor carioca BNegão veleja entre passado, presente e futuro, navegando em uma existência reflexiva e pujante que, em novos rumos, revisita a obra do grande compositor baiano Dorival Caymmi.

O cantor e compositor carioca BNegão. (Crédito: Felipe Diniz).

A maresia musical de Bernardo Santos sempre oscilou entre música brasileira, eletrônica, soul, hip-hop e punk. Cantor e compositor carioca de 47 anos, mais de 20 deles publicamente sintonizados pela frequência do som, BNegão tem a intensidade como matéria-prima de toda letra ou batida que já criou.

Força, reflexão e versatilidade audível sempre o acompanharam, da descoberta da música na escola ao Planet Hemp, consagrado em 1993 com o disco “Usuário”, uma ode à cannabis. Mais tarde, as ondas sonoras do letrista e vocalista se projetaram junto aos Seletores de Frequência. “Enxugando Gelo” (2003) é um dos mais incríveis discos da música negra universal, mesclando com maestria hip-hop, jazz, samba, funk e afrobeat.

Agora, ele flui tudo o que transborda do seu peito no projeto que rearranja em voz e violão as músicas do pródigo baiano Dorival Caymmi. Em entrevista à repórter Débora Stevaux, BNegão fala sobre o isolamento social, o movimento do mar e do tempo, sobre nadar contra a corrente e sobre o que nos toca nas nossas regiões mais abissais.

Como encontrar a paz em dias difíceis de isolamento social? "Agora é a hora do mestrado da vida. Faça ioga ou outra prática. Escreva, reflita. Desligue tudo para não ficar ligadão o tempo todo e perder a saúde mental. Para ler, indico todos os livros do professor Hermógenes de Andrade Filho, como “Yoga para Nervosos” e “Autoperfeição com Hatha Yoga”, livros que salvam vidas. Tome bastante chá, consuma muitos produtos naturais e orgânicos. Alimente-se física, espiritual e mentalmente."

É possível ser revolucionário mesmo dentro de casa? "Ser politicamente ativo é estar ligado no que está acontecendo. Dá pra fazer ativismo digital. Postar, dar visibilidade às causas, comentar, ajudar no que for possível. Sempre fiz isso e estou fazendo ainda mais."

Transmutação é a palavra-chave para abrir quais portas? "O poder de transmutação, consciente ou inconsciente, é a única chance de sobrevivermos neste planeta muito louco. É a chave transformarmos as coisas negativas e sinistras que aparecem pelo caminho. Recebemos só notícia complicada e vamos afundar se não mudarmos energeticamente esse aspecto."

Você dedica “Essa É Pra Tocar no Baile” a quem faz a sua microparte para que alguma microcoisa no mundo mude. Quem está nesse baile? "Parece que está tudo uma merda, mas tem gente pra dedéu se movimentando pelo bem. Gente deixando de comer carne porque a parada é treta para além da própria saúde: é sobre a saúde do planeta. Gente batalhando, fazendo ações afirmativas antirracismo, anti-homofobia, anti-preconceitos. Eles que estão no meu baile."

Quais são os seletores de frequência que precisamos ativar? "Temos o poder de selecionar as frequências que chegam até nós. Podemos focar nas coisas boas ou ruins. Só não podemos nos alienar. A parada hoje é um grande “aqui e agora”, baseado no medo. A política do medo está em todo lugar, principalmente no [governo do] Bozo. Bizarraço, fascistoide. Por isso, é importante não entrar em frequências vampirescas e gananciosas. Se você tem amor-próprio, não faça isso."

Se o som de BNegão tivesse uma textura, qual seria? "Se tivesse uma textura seria como a água. Pode ser algo que vai salvar, que vai refrescar ou dar um caldo [risos]. Tudo pode acontecer. O mistério das águas está na minha música."

Quais são as suas voltas nesse mergulho na obra do músico baiano? "Sempre pensei a vida e a música entre passado, presente e futuro. E nesse projeto, com voz, violão e imagens em 16 mm, encontro o que procuro. Cantando as músicas de Dorival faço um teletransporte energético de todo mundo que está ali, de outra época para o agora, e a coisa bate até hoje da mesma forma. Vejo muita gente se emocionar. Lançamos “Morena do Mar”, “Canção da Partida” e “Rainha do Mar”, todas bem diferentes do original."”

Os costumes e as tradições do povo baiano e da comunidade afro-brasileira inspiraram a obra de Dorival. O que significa retomar essas narrativas? "Regravei Dorival por uma questão pessoal. Me emociono com a sua obra. É algo especial e único. Há algo que só esses sons me trazem. Acredito que o projeto tem o poder de retomar as narrativas antigas. As pessoas estão numa busca espiritual maior neste mundo materialista. Faz bem para mim e para quem está em volta. Dorival abre corações."

Leia na íntegra a edição #29 do jornal mais carinhoso e brilhante de todo o Brasil ❤:

Esta reportagem faz parte do MECAJournal #29 e foi escrita pela repórter Débora Stevaux. Segue a gente no Instagram? E no Twitter também?

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Débora Stevaux
MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

repórter de cultura & social media do @mecalovemeca que escreve porque acha que a arte é transformadora o suficiente para gerar impactos sociais positivos