Entrevista: A revolução estranhamente natural de Carmen Maria Machado

A escritora norte-americana, autora do premiado “O Corpo Dela e Outras Farras” fala sobre literatura, sua passagem pelo Brasil e sua força-motriz

Carmen Maria Machado. (Crédito: Art-Streiber/Divulgação)

A brilhante escritora norte-americana Carmen Maria Machado se tornou revolucionária por colocar em palavras — mesmo que na literalidade do seu idioma — algo tão comum a todas as mulheres: o sentir e o viver dos corpos femininos. No seu primeiro e premiado livro “O Corpo Dela e Outras Farras” (Editora Planeta, R$55,90), Carmen traduz em oito contos que mesclam realismo, ficção científica, comédia, horror, fantasia e fábula, as narrativas femininas — e feministas — que mapeiam com a precisão necessária o que esses corpos testemunham numa sociedade patriarcal.

De passagem pelo Brasil por ter participado da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e de um bate-papo no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, a vencedora do LGBTQ Lambda Literary Award faz todos nós refletirmos e nos sentirmos próximos umas das outras — e dos outros também. Carmen nos aproxima pela estranheza dos seus escritos mais verdadeiros e por mostrar que a literatura e a arte como um todo são catalisadoras de mudanças pelo seu valor mais primário e importante: o do reconhecimento.

Em clima descontraído, antes de encontrar o público para um bate-papo no SESC Avenida Paulista — que em sua maioria era composto por mulheres jovens de olhares e ouvidos atentos — , ela respondeu oito perguntas sobre sua carreira, o que a move, o que está por vir e também sobre o que cativa a escritora aqui nesta terra brasilis.

Confira a entrevista exclusiva de Carmen Maria Machado à repórter Débora Stevaux:

O que te moveu a fazer um livro sobre o corpo e as vivências femininas?
“Ser uma mulher com um corpo (risos). Eu queria escrever um livro sobre mim mesma, e então eu fiz.”

De que forma você acredita que a sociedade patriarcal interfere negativamente na vida das mulheres?
“O patriarcado afeta todas as áreas da vida das mulheres e é o cerne de um grande problema que a gente não consegue fugir. Está em todas as partes e de todos os jeitos, da forma mais silenciosas à mais escrachada. Hoje, o sistema permanece sendo muito perverso porque, tecnicamente, nós podemos fazer uma série de coisas, mas o ônus dessa falsa liberdade vem com os constrangimentos constantes. Esses dias estava conversando com Val [sua namorada] sobre como nós, nos Estados Unidos, não temos a oportunidade de termos uma vida materna saudável e que, mesmo as que não têm filhos ainda não são bem-vistas. Porque a maioria das pessoas ainda pensa que se você não tem filhos, não tem nada. Essas são algumas formas de como o machismo nos afeta negativamente, mas existem outras formas, sejam culturais, governamentais, policiais, que realmente machucam as mulheres.”

O que você conhece e gosta de literatura brasileira?
“Eu amo Clarice Lispector, especialmente seu romance ‘A Paixão Segundo G.H.’!”

Infelizmente, a gente está vivendo uma época bem conservadora em vários lugares do mundo, incluindo nos Estados Unidos e no Brasil. De que maneira você acredita que a resistência feminista pode se articular contra governos de cunho totalitário?
“Existe uma série de madeiras de fazer isso. Às vezes é sobre unirmos forças de mulheres diversas, o que inclui mulheres trans e mulheres negras, para estarmos em evidência e lutarmos juntas, ajudando vozes socialmente silenciadas a serem ouvidas e tentando quebrar os sistemas e desfazer as amarras que as machucam e as impedem de viver. Nos Estados Unidos, especificamente, acredito que colocar em pautas questões latentes como a imigração, direitos reprodutivos, aborto e outras carências que afetam diretamente a vida das mulheres é fundamental. Às vezes, é sobre fazer protesto nas ruas e, às vezes, é sobre fazer arte.”

Olha, eu te acompanho pelas redes e vejo que você gosta bastante de drinks. Então, queria saber qual é seu drink brasileiro favorito?
“Meu drink brasileiro favorito é Jorge Amado, que leva cachaça, maracujá, canela e noz moscada. É delicioso!”

Não sei se você acredita em astrologia, mas nesta terça-feira (16/7) acontece um Eclipse Lunar e o fenômeno nos leva a refletir sobre quais foram os colapsos mais importantes para nossos avanços mais revolucionários. Você acredita que as violências de gênero que sofremos diariamente são sementes para atitudes e posturas revolucionárias?
“Não sabia disso. É muito legal! Acho que esse fenômeno pode ser sobre ser revoltada no sentido mais transformador da palavra, e deixar que a nossa revolta seja ouvida e produza ecos, assim como os motivos que nos levaram a sentir isso. Fazer barulho mesmo e lutar pelo que a gente acredita! Falo isso porque nós ouvimos desde muito cedo que não podemos ser ou agirmos como loucas. E quando somos tachadas de loucas, essa é só a primeira coisa que dizem sobre a gente. Logo depois, uma série de ofensas é direcionada ou dita sobre nossos comportamentos. O mais maluco disso tudo é que os homens manifestam muito mais esses sentimentos e não são alvos de comentários maldosos.

Eu não sei se você acompanhou o time norte-americano feminino de futebol nesta última Copa do Mundo. A atacante Meghan Rapinoe [artilheira e eleita a melhor jogadora da competição] estava tão orgulhosa de si mesmo por ter jogado tão bem em várias partidas e os caras estavam simplesmente pirando e perdendo a linha com relação a isso. Eles não conseguiam entender e assimilar que ela poderia estar orgulhosa de si e do próprio trabalho. Então, acho que tem a ver em se permitir sentir as coisas: seja orgulho, força ou raiva. Porque a gente foi educada para ter um comportamento padrão, né? Para não sentir nada, para ‘se portar’.”

“O Corpo Dela E Outras Farras” foi seu primeiro e super premiado livro. Você se importaria em dividir com a gente um pouco do que está por vir?
[Risadinha sem graça] Olha, tenho outro livro para ser lançado nos Estados Unidos chamado ‘In The Dream House’ [‘Na Casa dos Sonhos’, em tradução livre], que sai em novembro e reúne memórias. Também estou trabalhando num livro de quadrinhos que será uma série para a DC Comics. Ele se chama ‘The Lou Lou Woods’.”

Qual mensagem você deixaria para as mulheres brasileiras?
“Meu recado para as mulheres brasileiras é: sinto muito pelo seu presidente. Sejam fortes!”

Essa matéria feita pela nossa repórter e social media Débora Stevaux. Segue a gente no Instagram? E no Twitter também?

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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