Entrevista: Cada gota que escorre de Letícia Novaes no novo disco"Letrux Aos Prantos"

Em entrevista exclusiva, a cantora, compositora e atriz carioca versa sobre a fragilidade potente que nos conecta desde nossos primeiros segundos no mundo — as lágrimas.

"Letrux Aos Prantos". (Crédito: Ana Alexandrino).

Três anos depois da vermelhidão musical intensa que hipnotizou o país com "Letrux Em Noites de Climão", Letícia Novais se reinventa — como todo artista que alcançou a imensidão de seu processo criativo — no recém-lançado "Letrux Aos Prantos". No segundo trabalho do seu projeto solo, a bússola que a norteia pelos caminhos mais úmidos e sensíveis da existência humana é a lágrima, seja ela do riso, do gozo ou da tristeza.

O disco da cantora, compositora e atriz tijucana impressiona pelo mergulho reflexivo que propõe, coroado com participações mais-que-especiais de rainhas da música brasileira como Liniker e Luísa Matsushita, a LoveFoxxx. A capa traz uma pintura de Maria Flexa sobre a foto de Victor Jobim. É o registro tragicômico da artista que se emociona e transborda ao ouvir uma peça de Bach.

As 13 músicas do disco lançado com o apoio da Natura Musical são contundentes pela emoção que provocam. O copo transborda de tão cheio que se coloca para debruçarmos e bebermos, lentamente, cada gole a ser digerido pelas letras espiritualizadas de Letícia. O instrumental foi cuidadosamente idealizado para colorir de amarelo o que antes era vermelho. Assim como no disco de estreia, acompanharam Letrux na empreitada de colocar mais uma obra-prima no mundo: Arthur Braganti nos teclados, Natália Carrera na guitarra — ambos assinam a produção do disco — , Martha V na guitarra e teclados, Thiago Rebello no baixo e Lourenço Vasconcellos na bateria.

Em entrevista ao MECA, a artista carioca conta sobre o sentimento estranhamente delicioso de déjà-vu, sobre o processo criativo do disco, sobre sua admiração pela banda Cansei de Ser Sexy, dicas de discos e de rituais para se fazer em dias mais reflexivos e muito mais. Afinal, se "todo corpo tem água, lágrima, suor e gozo", não vamos deixar secar. Aliás, vamos fluir com toda a magnitude de Letícia em "Letrux Aos Prantos", a capricorniana que já tivemos a honra de sentir ao vivo em nossos festivais!

Qual foi o déjà-vu mais sublime que você se lembra de ter sentido?

"Poxa, não lembro exatamente de algum específico. O déjà-vu tem essa característica curiosa que não requer nada exatamente. Você pode estar na Grécia de férias ou dentro de casa lavando o banheiro, sabe assim? E isso é a magia também. A aleatoriedade, mas com algum símbolo/significado por trás."

Alguns cientistas dizem que o choro surgiu antes mesmo da linguagem falada na história do desenvolvimento humano. Pra você, qual o melhor e o pior tipo de choro?

"Acho fascinante que a gente nasce chorando. Acho absurdo e fascinante. Acho que mesmo antes da linguagem existir, já devia se chorar de dor ou fome, não sei, vou me inteirar sobre isso. Meu melhor choro é o que vem junto a um gozo ou uma gargalhada com amigas que não vejo há tempos. O pior choro é o que não sai."

Capa do disco"Letrux Aos Prantos". (Crédito: Divulgação).

Em “Vai Brotar” você diz “cê ficou cínico com o tempo, eu fiquei muito mais espiritualizada”. Acho que a maioria das minas se reconheceu nesse verso. Quais são os sinais de que a gente ficou mais espiritualizada?

"Sempre fui espiritualizada. Meu pai é medium da umbanda, minha mãe é reikiana, então eu cresci com cristal na testa, sabe assim? Indo fazer trabalho pra Exu, recebendo Reiki, enfim, todo um acesso ao que era 'invisível' me foi concedido por pai e mãe, felizmente. Ao contrário de algumas pessoas que criticam Iemanjá estar na moda ou astrologia, fico feliz com esse acesso. Claro que ainda há (como em qualquer circunstância) muito oba-oba e superficialidade. Mas esse despertar também provoca investigações sérias em muitas pessoas e isso é louvável. O melhor sinal da espiritualidade é o alinhamento com a intuição. Aí o bicho pega."

Você diz que todo corpo tem água e é realmente verdade. Quais águas externas do Rio ou de outro estado te completam e enchem de líquido?

"Sou devota do mar mas tenho tanta terra que qualquer piscina e eu já me emociono. Cachoeira, lago, o que for. Gosto de estar perto da água. Me ajuda a entender a vida. Não sei explicar, só sentir."

Como foi o processo de “Fora da foda” com a rainha Lovefoxxx? E qual seu álbum ou música favorita da CSS e por quê?

"Eu tenho alucinação musical (leiam o livro do Oliver Sacks que chama 'Alucinações Musicais') com "Alala", eu uso pra tudo até hoje, mas amo a obra delas inteira, fez parte da minha juventude. Foi um sonho ver a volta delas no Popload, elas estavam radiantes, iluminadas e eu ali hipnotizada, sabe? Eu e Lovefoxxx tivemos esse estalo, essa paixão imediata e pensei 'Fora da foda é a cara dela'. Fiquei muito feliz quando ela topou e o resultado é uma delícia!"

Quais mulheres estariam na roda de invocação que você cita em “Salve Poseidon” e essa roda invocaria o quê?

"Acho que todas as mulheres que amo e já amei. De admiração, de tesão, de paixão, de família, de verdade. A roda invocaria uma atenção ao tempo, talvez. O poder do tempo. E a intuição também, claro."

Conte três discos pra gente mergulhar em si mesmo nesses dias reflexivos e o porquê de você ter escolhido cada um deles.

"'Llorona', de Lhasa de Sela: Una obra prima, um primor que essa mulher deixou na Terra antes de partir. 'All Mirrors', o novo disco da Angel Olsen também tá uma coisa. Mas amo todos dela. Emburaco bonita ouvindo essa mulher. 'Kind of Blue', do Miles Davis, acabei de ver o documentário sobre ele na Netflix e é uma pérola necessária."

Quais rituais você recomenda para a gente dar aquele mergulho-interior-reflexivo em dias de quarentena?

"Anotar os sonhos, refletir sobre os símbolos, reler depois de um tempo, tentar fazer conexões. Tomar banhos gelados. Acaba que vira um ritual. Se você está enfurnado, longe da natureza, a água gelada no plexo pode te causar uma sensação de cachoeira, talvez. Um jato na cara, na cabeça, gelado, tem seu valor. Abre tudo e ajuda muito alérgicos (eu só tomo banho gelado, amo). Ter algum momento do dia para observar seu corpo, se tocar, fazer uma massagem nos pés, nas mãos. Não esquecer do corpo nesse momento."

“Cuidado, paixão” com o quê?

"Cuidado com os atalhos. Tudo mentira. Its a long road."

Se “Letrux Aos Prantos” fosse um sentimento , qual seria e por quê?

“Sensibilidade, talvez. Emoção. O disco é sensível e mostra que sensibilidade não tem nada a ver com fraqueza e algo só triste. É possível ouvir uma música dançante e até mesmo com letra mais cômica e ainda assim enxergar sensibilidade na coisa."

Quais coincidências da história do BR e do mundo você gostaria de estar presente?

"Gostaria de estar presente na hora que a Glória Maria adotou as filhas. Contam que ela entrou num orfanato e se encantou com uma menina, a ponto de pensar em adotar. Ela mesma estranhou muito, não queria ter filhos. Achou tudo louco, entrou no local e eis que outra criança causou um raio em seu coração, ela achou que estava ficando maluca mas decidiu que iria adotar. Quando foi falar com os responsáveis pelo local, não ficou surpresa quando descobriu que as meninas eram irmãs. Amo essa história. Muita beleza, intuição, conexão e amor."

Segue a gente no Instagram? E no Twitter também?

--

--

Débora Stevaux
MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

repórter de cultura & social media do @mecalovemeca que escreve porque acha que a arte é transformadora o suficiente para gerar impactos sociais positivos