Entrevista: Romero Ferro reluz e colore um mix inédito de brega, pop & new wave no novo disco “FERRO”
Uma das atrações mais incríveis do MECABrennand 2019, o cantor e compositor pernambucano acaba de lançar “FERRO”, seu segundo e surpreendente disco
Dono de um carisma e de um talento que tem reverberado dentro e fora de sua terra natal, Romero Brito Cavalcanti Neto — sim, ele é Brito mas não é parente ou próximo do artista plástico — de 28 anos, nasceu em Garanhuns e morou em várias cidades do interior pernambucano até chegar no Recife.
O banho-de-mar sonoro das dez faixas de “FERRO”, segundo disco de sua carreira lançado na sexta-feira (30/8), traz ondas neon de pop, brega e new wave que, ora ou outra, se transpõem com outros gêneros musicais numa só correnteza. O encarte traz um coração acinzentado que irradia uma luminosidade própria, com pontinhos de cores fortes, como deve ser. Além de representar uma nova fase da sua carreira, “FERRO” vem com a força de um trabalho idealizado por um artista que alcançou, depois de muito titubear pelo preconceito de quem o rodeava em casa e na escola, a tranquilidade e o empoderamento para falar sobre a sua existência como artista LGBTQ+ num país que, ainda e infelizmente, insiste em depreciar essa comunidade.
É com uma alegria incabível de palavras que anunciamos: dia 14 de setembro Romero estreará seu mais recente disco conosco no MECABrennand 2019, a segunda edição de um dos nossos festivais mais reluzentes, que acontece na Oficina Cerâmica Francisco Brennand. Do mesmo jeito que rolou com a rainha da sofrência (& sua amiga pessoal) Duda Beat em 2018 — chique demais, né?! E você vai com a gente pra curtir juntinho o frescor desse talento, certo?! Em entrevista à repórter & social media Débora Stevaux, Ferro conta sobre uma porção de coisas, desde três absurdos para se fazer a dois até qual fruta poderia ser o seu disco. Já sabe o que ouvir enquanto lê, né?!
Li numa entrevista que você escreveu no banho a letra toda do seu primeiro single, “Pra Te Conquistar”. Também tenho várias ideias mirabolantes no banho. Você acha que o chuveiro tem esse poder de umedecer as ideias?
“Nunca tinha pensado especificamente nisso, mas achei maravilhoso, faz super sentido. Já escrevi muitas coisas no banheiro, principalmente músicas no chuveiro, e acho que deve ser porque o banho dá uma refrescada boa nas ideias. O banho é meio ritualístico porque purifica. Por exemplo, se estou num dia ruim, tomo um banho porque acredito que ele está me limpando de alguma forma. Canto bastante no chuveiro também. Deixo o celular pertinho e quando penso em alguma coisa que é legal, fecho o chuveiro, saio e gravo a melodia e continuo batendo a melodia no chuveiro. Às vezes a letra sai no próprio banho mesmo, Às vezes saio, vou pro quarto, melhoro a letra… é um processo bem doido e úmido na verdade.”
Ouvi seu novo disco ontem e tô completamente apaixonada pelas letras e pela força da melodia que mescla o brega pernambucano, o new wave, o pop e até um pouco de sertanejo. O resultado é completamente diferente dos seus dois trabalhos anteriores, “Sangue e Som” (2013) e “Arsênico” (2016). Acho que essa mistura, que algumas pessoas chamam de miscigenação musical, é o que deixa os trabalhos mais futuristas e cheios de verdade. Faz sentido essa afirmação pra você?
“É um disco bem tropical, mas fiquei um pouco receoso no começo, dele ficar muito preso a esses três gêneros. Mas aí, durante o processo criativo, a gente acabou deixando que outras referências entrassem: referências minhas, do que eu estava vivendo naquele momento, e o disco ficou com essa vibe solar, bem legal. Fiquei bem feliz com o resultado final.
Mas eu acredito que a afirmação faz sentido sim, porque estamos num momento de muita quebra de padrões. As pessoas não se contentam mais em estarem dentro de um rótulo. E isso é um reflexo do que está rolando nas nossas vidas também. Já se foi a época em que os artistas tinham ou se enquadravam num gênero bem definido ou que pertenciam a um nicho musical específico. Hoje, acredito que exista uma abertura maior de colaborar com outros artistas, de transitar entre os estilos musicais, e acho que isso é muito enriquecedor.
Falo isso muito por mim também porque é muito rico acessar campos musicais diversos — tanto no próprio artista, quanto no público — pesquisar outras referências, enfim. Comecei a fazer um pouco isso no “Arsênico”, mas no “FERRO” fui mais ousado. Pesquisei muito o brega e a new wave porque tinha receio dos dois não combinarem no começo, mas quando testei musicalmente vi que daria certo (e muito)! Deve ser porque todos os estilos musicais tem algo em comum de alguma forma e por isso rolou esse mix poderoso.”
Peguei uma vibe meio performática no disco, sei lá, imaginei algo meio Letrux só que com muito neon. Se importa de dividir comigo de onde vem essa vibe visual sua, coloridona e cheia de efeitos?
“Olha, eu sou um artista pop, sempre me considerei pop, desde muito cedo. Sempre fui fã de artistas como Madonna, David Bowie e até dos mais novos como a Beyoncé e tal. E uma coisa que observo e admiro muito nessa galera é a capacidade de criar um universo estético para o disco. Eles pensam nas cores, eles pensam no cheiro do que estão fazendo, nos figurinos, em tudo.
E esse conjunto casa com a sonoridade. Gosto muito disso e bebi muito disso. Construí um universo pro “FERRO” e, a meu ver, ele é ainda mais denso do que os meus outros trabalhos porque estou mais experiente porque tive contato com mais coisa e isso tudo acaba sendo levado pro palco também — seja nos figurinos, na performance, na maneira como interajo com o público, na maneira como a minha banda está e toca lá, nas projeções, na luz.
É um trabalho de pesquisa e de engrandecimento artístico bem profundo. Toda vez que vou criar um novo disco mergulho em referências e vou caçando o que é mais legal de fazer, o que é melhor de fazer, o que é a minha verdade naquela hora.”
E quais foram as referências que mais te chamaram a atenção?
“As duas maiores e mais importantes para mim são Madonna e David Bowie, mas também pesquisei referências mais atuais como a Katy Perry que investe muito nessa questão visual, a Taylor Swift também é uma artista que investe bastante nessa parte de eras e que eu não escuto tanto, mas acompanho como observador de música e de mercado mesmo.
No Brasil, acho que a Marisa Monte é uma artista que faz muito isso, ela cria uma estética para o trabalho dela e nas apresentações você acaba percebendo de qual disco é aquele show por conta disso. E acho que isso diz também sobre o momento de cada artista, né? O Lulu [Santos] fez muito isso também, a Rita Lee constrói universos estéticos fantásticos para os seus trabalhos e sou (muito) fã. Já até tive uma tartaruga quando era criança que se chamava Rita por conta dela. [ri]”
Me conta um meme que não tem saído da sua cabeça ultimamente?
“Tenho visto muitos memes, principalmente no Twitter, mas tem um meme que eu vejo sempre porque eu morro de rir toda vez que vejo. É o de uma menininha que ela está servindo água numa bandejinha e ela diz ‘Olha, tô fazendo isso daqui bem devagarzinho para não derrubar.’ E ela derruba. Esse meme é igualzinho a mim quando era pequeno, fazia exatamente isso e derrubava. Toda vez que eu estou muito estressado, vou pro Youtube e acesso esse meme porque ele é hilário. Tenho aprendido a usar mais o Twitter. Antes, até acompanhava mas não dialogava tanto, agora estou lá mesmo, descobrindo e achando super divertido.”
Se o seu disco fosse uma fruta, qual fruta seria e por quê?
“Ah, Meu Deus que pergunta doida! [ri] Acho que talvez o abacaxi por ser uma fruta bem tropical. Ou uma banana, não sei. Qualquer fruta bem tropical.”
O que não sai do seu fone?
“Tenho escutado muita música brega. Depois deste mergulho no disco, continuo ouvindo os artistas da minha terra que fazem brega, principalmente Reginaldo Rossi, que é o Rei do Brega Pernambucano. Então, se você colocar “Raposa e as Uvas” é uma música muito bonita. Também gosto muito da Priscila Senna, da Banda Musa, que fez uma versão da música da Lady Gaga chamada “Shallow”, é a “Labirinto”, e tem outra música dela que se chama “Cachorro Combina Com Cadela” que também é incrível.
Tenho ouvido bastante também uma banda pernambucana chamada Bule, que faz um som anos 1980 beeem bacana. Tenho escutado Duda Beat, sou muito amigo dela e fã também. Tenho escutado Céu. Volta e meia me pego ouvindo “Tropix”, que é o meu disco favorito dela, tem uma vibe muito boa. Às vezes quando quero dar uma relaxada, ouço ele.”
Me conta três absurdos para viver a dois?
“Olha, vou pensar aqui [ri um pouquinho]. Acho que ir viajar para um lugar que precise fazer escala e acabe ficando nessa escala e desistir de ir ao destino final. Sair na rua a dois para tomar chuva, você pega uma gripe bem fodida depois mas vale à pena, é muito divertido. E nossa, você tomar muito banho de mar e depois subir numa montanha de areia e sair rolando. Você vai ficar parecendo uma carne empanada, mas é muito divertido. Essa última dica eu já fiz algumas vezes, não foi uma única vez só. [gargalha]”
O seu disco, ao mesmo tempo que tem esse poder de exorcizar esses males de amor, também tem um tom reflexivo bem forte. Você se importa de dividir comigo o que te inspirou afetivamente para construir essas narrativas sonoras?
“Além de ser o meu oxigênio, de ser a minha forma de viver, a música me ajudou a superar os meus medos e me ajuda ainda. E esse disco é um trabalho que eu me permiti abrir o meu coração e falar sobre assuntos importantes na minha vida de uma forma muito clara. Uma delas é sobre a minha sexualidade e sobre como eu me entendo no mundo. A música “Tolerância Zero” é política e fala sobre você ser você e não deixar que ninguém seja intolerante por você ser aquilo que você quer ser e amar quem você quer amar. Sofri muito preconceito na minha infância e ainda sofro hoje por conta da minha sexualidade e a música me ajuda a superar isso. Foi por isso que escrevi essa música especialmente para essa causa. Também para dizer às pessoas que elas se empoderarem, para que nada e nem ninguém as desmereça.
A gente sempre vai precisar falar sobre isso, por mais que essas discussões venham mais à tona agora, por mais que a gente escute as pessoas conversando, trocando sobre isso, tenhamos mais artistas LGBTQ+ dando voz para isso, a gente sempre vai precisar falar, porque sempre vão existir pessoas que acham que é um erro, que é um momento, que é um defeito, que ser gay é um pecado. Ouvi isso a minha vida inteira, principalmente vindo da minha família. Então, esse disco e principalmente essa música representam, esse momento de me confrontar, de confrontar a minha família e até mesmo as pessoas que estão do meu lado.
“FERRO” é um disco que mostra um ponto de mudança na minha vida sobre a homossexualidade e representa essa minha forma de dizer sobre isso de uma maneira muito clara, muito tranquila. Tem outra música feita com o Otto que se chama “Quando ele perguntar por mim”, que é uma das músicas mais fortes do álbum para mim e fala sobre um triângulo amoroso, sobre quando você é o amante, sobre ser aquela pessoa que fez o outro trair. Já fui essa pessoa, o ‘outro’ de uma relação, e usei essa experiência de vida para escrever essa relação e como eu me permiti sair dos limites com isso e sofri porque acabei me envolvendo demais. Chamei ele porque sabia que ele daria esse tom denso, visceral para ela. E ficou perfeito para a música. Nunca imaginei que ele participaria de uma música minha. Convidei super na cara de pau, esperando ouvir um não porque a gente não se fala, só se cumprimentava, mas não tinha convívio. Mas aí eu convidei e ele ficou superfeliz e logo perguntou quando a gente gravava. Foi bem incrível.”
O que é preciso para o ❤ ficar livre e o corpo em brasa?
“Para o ❤ ficar livre você precisa se aceitar da forma que você é e esquecer tudo de imposição social que colocam na sua cabeça, desde o momento que você nasce, desde comportamento até de sexualidade, de etnia, o que seja. E se aceitar e se entender de uma forma muito verdadeira. Você vai se sentir livre o suficiente para deixar o corpo ficar em brasa.”
Fiquei completamente apaixonada pela sua versão de “Você vai ver”. Como rolou a escolha e o processo criativo dessa música?
“Olha, tenho uma história muito engraçada de infância que vou te revelar sobre a música. A gente queria muito uma releitura no disco, eu e o Patrick, que é o diretor artístico do trabalho. E a gente queria muito uma música que fosse um gatilho, que quando tocasse todo mundo associasse rapidamente e começasse a cantar e tal. Acho que isso traria uma energia diferente para o trabalho. Pensamos numa música do Reginaldo por ele ser essa figura icônica do brega. E o Patrick veio com a ideia dessa música, falando que era um super hit e que não tinha versão dessa música. Ela é de Zezé Di Camargo & Luciano de 1994 e ela tinha uma estética muito de bolero, porque o brega vem de bolero. Então, se você tirar aquele arranjo sertanejo, consegue transpor para o bolero. Mas o que, de fato, decidiu se ela entraria no set do disco é que, sem saber, o Patrick sugeriu uma música que acessou uma memória afetiva muito antiga minha. Meus pais são do interior, né, e eles têm uma coleção de discos, CDs e LPs que têm de tudo, desde Gil, Caetano, Maria Bethânia até Zezé Di Camargo & Luciano, Wando etc.
E esse disco eu escutava muito quando era pequeno. Mas eu só escutava muito porque no meio do encarte tinha um pôster do Zezé sem camisa. Então você pensa pra eu olhando para aquela figura de Zezé em 1994, no auge da sua beleza física, sem camisa, de braços cruzados, olhando pra você. Então, você pensa nesse disco. Eu olhava para aquela foto e não entendia direito o que estava sentindo e minha mãe me perguntava porque eu tava ouvindo e olhando aquele encarte de novo e eu dizia que estava olhando porque queria aprender a ler, queria aprender as letras. Na verdade, eu queria olhar a foto de Zezé. Então, quando Patrick sugeriu, eu já conectei com essa memória e disse que tinha que tinha ser essa, mesmo!” ❤
Você foi na primeira edição do MECABrennand? Conhece a Oficina? Qual é a sensação que te acompanha quando você pensa no festival?
“Fui para a primeira edição sim, inclusive, eu fui com a Duda que tocou no ano passado e foi o primeiro show dela em Recife. A gente gravou a música “Corpo em Brasa” dois dias antes dela se apresentar na primeira edição do MECABrennand e ela estava bem ansiosa para o show, até com medo, porque não sabia como o público iria reagir. E foi algo muito bonito. Foi naquele momento que ela percebeu que o seu trabalho estava se tornando uma coisa grande e estava começando a tocar as pessoas, porque o público de Recife estava cantando muito as músicas dela. Foi massa, a gente se viu depois, se abraçou e foi muito lindo, porque a família dela estava lá e viu o show pela primeira vez também. O festival em si foi muito bonito, não tem como não ser bonito naquele lugar, né? Já fui várias vezes, já fui para gravar documentário ali, para um desfile de uma marca pernambucana, já fui várias vezes como turista mesmo. Tô muito ansioso e muito feliz. Foi um dos primeiros shows grandes de Duda. O último que eu vi dela foi no Bananada e logo quando acabou falei ‘Nossa, como você cresceu depois disso, né?’ Foi gigante!”
Indica pra gente um ponto de Recife que tenha uma memória afetiva bem importante sua?
“Tenho uma memória que não sei se é a mais forte, mas quando você falou lembrei dela. Tem um palco em Recife que sempre montam no Carnaval no Marco Zero. É um ponto turístico bem forte lá. É um palco grandão. Naná Vasconcelos, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento já tocaram lá. A primeira vez que toquei nesse palco foi em 2015 e foi um turbilhão de emoções muito forte. Sempre fui como espectador e via os grandes shows de Alceu Valença, de Elba Ramalho, e pensava comigo que um dia eu estaria lá. E quando rolou foi muito louco, muito louco mesmo. Passou um filme na minha cabeça, uma emoção muito forte. É muito doida essa vida de artista que, por mais que você rale muito, passe muito perrengue e tudo mais, tem momentos que você se vê numa situação que você queria muito estar. Parece inacreditável trilhar esse caminho, mas aí você cai em si e saca tudo que você fez e te fez chegar até ali. Fiquei muito feliz e realizado.”
MECABrennand
14 de setembro de 2019
Oficina Brennand — Recife/PE
mecabrennand.com
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