Gaspar Noé: A harmonia de um delírio coletivo em “Clímax”

Lançado hoje nos cinemas brasileiros, novo filme do diretor franco-argentino Gaspar Noé reflete sobre os limites da humanidade.

Cena de “Clímax”. Crédito: Divulgação.

Estreia hoje, 31 de janeiro, nas telonas de todo o Brasil, “Clímax”, novo filme do diretor franco-argentino Gaspar Noé. Concebido em um mês e meio, as três páginas de roteiro do longa gravado em quinze dias contam a história de catorze dançarinos hospedados em uma escola isolada, no meio do gélido inverno europeu, que experienciam um delírio coletivo depois de tomar uma sangria.

Tivemos a honra de ver o filme em primeira mão e a conclusão que chegamos é que Gaspar, conhecido por abordar temas próprios da natureza humana, transpõe em imagens a harmonia que existe na diferença. Assim como no álbum do músico norte-americano Kamasi Washington, as divergências harmônicas são espetaculares. Quando propomos essa reflexão a Gaspar, ele riu e respondeu. “Na primeira parte, né?”.

“No momento que o filme ficou pronto e foi lançado, o multiespectro de diversidade do elenco ficou ainda mais forte.” — Gaspar Noé.

A questão é que, na segunda metade do filme, o caos instaurado também tem um quê de harmônico. Estar no limite também pode ser sobre equilíbrio. O equilíbrio se deu pela forma livre e orgânica que o diretor, as câmeras e os dançarinos — que em sua maioria não são atores — coexistiram. O fio condutor é a música. Os impulsos sonoros e a proximidade das lentes nos corpos atuantes criaram um clímax, que na nossa opinião, foi o ponto mais alto da sétima arte dos últimos meses.

Além do exercício pleno da liberdade criativa do elenco, Bernoït Debie, que assina a fotografia, também teve passe livre para registrar de perto as diversas modalidades de dança. Vonguing, street, contemporânea e balé são só alguns dos tipos presentes no longa. “A excitação de atuar como louco é o que deixava o elenco louco”, analisa o diretor. O filme não teve efeitos especiais, toda a movimentação impressionante ficou por conta conta dos enquadramentos ousados feitos com uma câmera giratória. A primeira cena, por exemplo, é um plano-sequência de quinze minutos, sem interrupções.

“No fim, cada um fazia parte da comunidade do outro, eram extremamente amigos.” — Gaspar Noé sobre o elenco.

Cena de “Clímax”. Crédito: Divulgação.

Outro ponto forte do longa diz respeito ao seu poder de identificação do criador com a sua criatura. Os personagens representam quase arquétipos de uma realidade intensa e frenética. Assim Gaspar viu Paris, a cidade onde vive desde os 12 anos de idade. O lugar espelha o rosto de cada um dos atores presentes. “Quando todos estivemos juntos pela primeira vez, vi a representatividade disso. Não da França por si própria, mas tive uma visão de Paris que tenho todos os dias, pulsante. No momento que o filme ficou pronto e foi lançado, o multiespectro de diversidade do elenco ficou ainda mais forte”, conta.

A animação dos dançarinos quando souberam que o longa foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores, na edição de 2018 do Festival de Cannes emocionou Gaspar. “Mesmo não estando na competição principal, eles nos propuseram fazer um divertido tapete vermelho na premiação. Estavam muito contentes, colocaram seus ternos e vestidos para a ocasião. Foi muito divertido. Pareciam que eles estavam em uma viagem perfeita. Sem brigas nem competições… Era assim nas filmagens também. No fim, cada um fazia parte da comunidade do outro, eram extremamente amigos”, relembra.

Elenco de “Clímax” em Cannes. Crédito: Reuters.

Em “Clímax”, a fama de polêmico na abordagem e maestro da técnica do diretor é reafirmada. Não à toa, suas obras-primas: “Love”, “Irreversível” e “Enter The Void” se tornaram referências para vários outros diretores, inclusive para ele mesmo. “Eu mesmo copio algumas cenas que criei, não sei se é por preguiça ou porque amo (risos)”, comenta. “Clímax” arrepia do início ao fim, quebra a quarta parede de uma forma singela e contundente. O longa nos faz refletir sobre a humanidade como agente determinante do próprio destino e da própria história. Mesmo que num microcosmos, os arquétipos dos personagens refletem uma sociedade atual, que vive diariamente, no seu limite.

Assista ao trailer:

Esta matéria foi escrita por Dimas Henkes e Débora Stevaux. Segue a gente no Instagram? E no Twitter também? ❤

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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