Na estrada há 24 anos, o Mundo Livre S/A provoca uma série de reflexões políticas ao mesmo tempo em que apresenta uma sonoridade múltipla e vibrante no novo trabalho, o álbum “A Dança dos Não Famosos”

Poucas bandas conseguem manter um discurso de contestação permanente e uma sonoridade tão inventiva ao longo das décadas como o Mundo Livre S/A. Autor do manifesto “Caranguejos com Cérebro”, símbolo do manguebeat no início dos anos 90 em Pernambuco, o vocalista Fred Zero Quatro retoma a veia política em “A Dança dos Não Famosos” — primeiro disco de inéditas desde 2011.

Além de letras ácidas sobre degradação ética e tirania corporativa, o novo trabalho esbanja versatilidade com uma pegada dançante, psicodélica e até um belo tributo a David Bowie. Em conversa com Felipe Seffrin, Fred analisa o papel político do Mundo Livre, uma das atrações do MECABrennand, que acontece dia 22/9, em Recife.

Há muito tempo vocês colocam o dedo na ferida. Mas qual é o país que o Mundo Livre quer?

Um país onde as diferenças regionais sejam superadas. Onde a expectativa de vida de quem nasce no Nordeste seja equiparada à de quem vive no Sudeste. A gente quer um país onde, independentemente de região, raça ou origem social, as oportunidades sejam as mesmas. Uma nação sem preconceito, sem luta de classes, sem complexo de vira-lata. Também falta a galera brincar mais na rua, resgatar tradições populares. O país precisa se redescobrir como um grande celeiro de identidades que podem conviver de forma positiva e harmônica.

Como podemos conquistar esse país?

Acho que o voto é capaz de promover mudanças, sim. Mas precisamos passar por um entendimento de não se deixar levar por quem ocupa posições de poder e goza de altíssimos privilégios. Temos que acabar com essa história de poucas dezenas com a primazia de pintar e bordar o destino de milhões. Essa construção de consciência coletiva precisa ser despertada. Além disso, precisamos buscar mecanismos racionais, tecnológicos e não burocráticos para que questões políticas não fiquem reduzidas ao voto na urna.

“Temos que acabar com essa história de poucas dezenas com a primazia de pintar e bordar o destino de milhões. Essa construção de consciência coletiva precisa ser despertada. Além disso, precisamos buscar mecanismos racionais, tecnológicos e não burocráticos para que questões políticas não fiquem reduzidas ao voto na urna.”

O que você acha que o Chico Science estaria fazendo nos tempos atuais?

Ele foi notório pelo carisma no palco, pelo brilhantismo dos versos, pela genialidade rítmica. Mas o Chico era, acima de tudo, um cara ativista, um cara com espírito militante. Ele não se conformava apenas em ter ideias, em bolar conceitos, imaginar formatos. Ele tinha que colocar em prática. Ele tinha que fazer acontecer — e fazia. Isso foi um grande ensinamento para mim. Eu acho que o Chico estaria à frente de muitas coisas, bolando grandes eventos, juntando as pessoas e projetos em torno de um espírito coletivo, de contestação.

"Vejo que essa galera mais nova está começando a despertar. Eles estão buscando resgatar essa postura, essa atitude e esse papel quase que de válvula de escape que a cultura teve em vários momentos da história do Brasil."

Como você enxerga a cena alternativa brasileira?

Temos bolhas, nichos e canais alternativos totalmente à margem da grande mídia, que são sustentáveis e têm um impacto real na vida das pessoas. Vejo que essa galera mais nova está começando a despertar. Eles estão buscando resgatar essa postura, essa atitude e esse papel quase que de válvula de escape que a cultura teve em vários momentos da história do Brasil.

Além da veia contestadora, o novo disco traz uma mistura de sonoridades. Como vocês fazem para se reinventar?

Por mais que o disco chame a atenção pelo engajamento, a gente concentrou muita energia no trabalho como um todo. Principalmente para não parecer mais do mesmo. Botamos na cabeça que não adiantava repetir o discurso do engajamento se o disco não oferecesse junto algo que confirmasse essa busca, essa nossa preocupação de inovar, criar linguagens que surpreendam, de mexer com o circuito. É a velha máxima desde o início: injetar energia na lama, nas veias da cidade.

O repórter Felipe Seffrin bateu um papo com Fred Zero Quatro, vocalista da banda pernambucana Mundo Livre S/A –– A entrevista faz parte da edição #023 do MECAJournal.
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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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