Mapeando sentimentos pela força da empatia e do afeto

O articulador social Gabriel Vilaça é um dos integrantes do projeto Polos de Cidadania, que está traçando o mapa dos sentimentos dos moradores de Brumadinho (MG).

Gabriel Vilaça. (Crédito: Junio Cesar da Silva)

A figura de uma mulher de longos cabelos pretos sentada à mesa é uma das memórias que Gabriel Vilaça guarda com mais carinho. “Estava em uma das visitas do projeto Polos de Cidadania quando aquela senhora falou que meu rosto era familiar”, conta o articulador social de 29 anos, nascido e criado em Brumadinho (MG). “Quando disse o nome do meu pai, Gilberto, seus olhos se encheram d’água. Leila foi minha babá, e foi muito bom reencontrá-la. O sofrimento é grande, mas existem pontinhos de felicidade que nos fazem continuar.”

Leila mora na comunidade Parque da Cachoeira, zona rural de Brumadinho, região afetada pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão no dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28. E é por isso que Gabriel estava lá. “Faço tudo o que posso para proporcionar alguma ajuda para os outros. Não meço esforços”, destaca o engenheiro civil e estudante de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Essa vontade incansável de reverberar um afeto reconstrutivo fez Gabriel participar de três ONGs ao mesmo tempo. “Cheguei a estar em 42 grupos diferentes no WhatsApp com assuntos sobre Brumadinho.” Depois de reavaliar escolhas, desde maio Gabriel atua integralmente no projeto Polos de Cidadania, coordenado pelo psicólogo e professor da UFMG André Luiz Freitas Dias e calcado na ética do cuidado. “É a ética de estar junto das pessoas, entendendo seus problemas e deixando que elas sejam protagonistas da própria recuperação”, explica Gabriel.

O projeto da UFMG existe desde 1995, com foco no apoio a grupos sociais e indivíduos com histórico de exclusão e trajetória de risco em Minas Gerais. É estruturado em conceitos de cidadania, subjetividade, emancipação, reconhecimento e direitos humanos — e chegou a Brumadinho desde o rompimento da barragem. “Agimos num papel complementar junto aos agentes de saúde, para entender as formas de existência e resistência das pessoas, focando na saúde mental e orgânica delas.”

E há muito trabalho pela frente, segundo Gabriel. Estudos apontam que as reações psicológicas crônicas entre os mora- dores perduram. Entre os problemas estão ansiedade, depressão, transtornos comportamentais e estresse pós-traumático. O número de pacientes com receitas de antidepressivos e ansiolíticos cresceu 60% e 80%, respectivamente, em relação a 2018. E só remédios não surtem efeitos.

É aí que entra a “Cartografia dos Modos de Existência” do Polos de Cidadania, um mapeamento dos sentimentos e perspectivas de futuro dos habitantes de Brumadinho, construído a partir de visitas às regiões atingidas e longas conversas regadas de afeto — e respaldado em teorias como “O Avesso do Niilismo”, do pensador húngaro Peter Pál Pelbart, e “A Sociedade do Espetáculo”, do escritor francês Guy Debord.

“É muito importante que a gente leve em consideração os fatores humanos e tente se desprender da dicotomia de ser contra ou a favor da Vale na cidade. A situação é muito mais complexa do que a simples polarização propõe. Essas vozes precisam ser identificadas e ouvidas, e isso é muito maior e mais importante para a nossa recuperação”, avalia Gabriel.

“A situação é muito mais complexa do que a simples polarização propõe. Essas vozes precisam ser identificadas e ouvidas, e isso é muito maior e mais importante para a nossa recuperação” — Gabriel Vilaça

Além de ouvir os moradores, o Polos de Cidadania leva arte para acalentar os moradores de Brumadinho. Uma das parceiras do projeto é a companhia teatral A Torto e A Direito, que conta em espetáculos de rua a trajetória de moradores locais rumo à cura e à ressignificação. “A arte é uma das melhores formas de promover a empatia. Esse espetáculo é apresentado em todos os lugares possíveis, principalmente dentro das comunidades, para mostrar que existem formas de suprimento emocional por meio da cultura.”

O maior sonho do articulador social que leva nome de anjo é ver essa empatia se tornar realidade na vida de todos, não só daqueles afetados pela tragédia na região de Brumadinho. “Quero ver as pessoas convivendo e se importando umas com as outras. E o que me inspira, diariamente, é saber que tenho ferramentas suficientes para poder promover cada vez mais esse senso de humildade, empatia e amor.”

Esta matéria faz parte da edição #28 do MECAJournal, braço físico da nossa plataforma distribuído gratuitamente pelo Brasil. Segue o MECA no Instagram? E no Twitter também?

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Débora Stevaux
MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

repórter de cultura & social media do @mecalovemeca que escreve porque acha que a arte é transformadora o suficiente para gerar impactos sociais positivos